O evento foi realizado em outubro com o apoio da FAPESP (foto: Rodrigo Hudson)
Sistemas e tecnologias de ponta prometem contribuir para práticas mais sustentáveis, mas demandam a união de esforços entre acadêmicos, cientistas, indústria e produtores, avaliaram palestrantes de Escola São Paulo de Ciência Avançada realizada na Unesp de Jaboticabal
Sistemas e tecnologias de ponta prometem contribuir para práticas mais sustentáveis, mas demandam a união de esforços entre acadêmicos, cientistas, indústria e produtores, avaliaram palestrantes de Escola São Paulo de Ciência Avançada realizada na Unesp de Jaboticabal
O evento foi realizado em outubro com o apoio da FAPESP (foto: Rodrigo Hudson)
Agência FAPESP* – O uso de tecnologias avançadas para monitorar e gerenciar a criação de animais de maneira mais eficiente e sustentável ganha cada vez mais espaço na lista de desejos dos criadores de bovinos, suínos, aves e animais aquáticos. Com ferramentas como sensores, câmeras, inteligência artificial e análise de dados, é possível obter informações em tempo real sobre o comportamento, saúde, genética e nutrição dos animais, otimizando a produtividade e reduzindo impactos ambientais.
A Pecuária de Precisão (Precision Livestock Farming ou PLF), termo amplo que inclui novas tecnologias para o monitoramento automatizado da criação de animais, surge como uma ferramenta fundamental na transformação da criação de animais. Com oportunidades para beneficiar diversos setores, o desenvolvimento dessas novas tecnologias requer uma colaboração próxima entre pesquisadores, indústria e criadores.
A avaliação foi feita pelos palestrantes da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Precision Livestock Farming (PLF), organizada pelos Programas de Pós-Graduação em Ciência Animal e em Aquicultura, respectivamente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) e do Centro de Aquicultura (Caunesp), ambos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal. O evento foi realizado em outubro com o apoio da FAPESP.
A escola reuniu 122 pós-graduandos e jovens pesquisadores de 14 países durante dez dias em Jaboticabal. “O objetivo é fomentar um grande interesse em pesquisas de PLF, capacitando jovens cientistas a desempenhar um papel global no avanço da ciência e a reduzir a distância entre a pesquisa fundamental e aplicada em pecuária de precisão”, completou Luciano Hauschild, professor da Unesp Jaboticabal e coordenador da escola.
“O Brasil, sendo um dos maiores produtores mundiais de carne bovina, suína e de aves, está em posição estratégica para adotar o PLF. O país já vem implementando algumas soluções em fazendas de grande porte, especialmente voltadas para monitoramento de saúde animal, controle alimentar e rastreabilidade de produção", avaliou Hauschild.
De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o Brasil e a Austrália lideram as exportações mundiais de carne bovina. Em 2024, espera-se que as exportações globais atinjam 11,9 milhões de toneladas, com crescimento de 1%. O Brasil também é o maior exportador e terceiro maior produtor de carne de frango, exportando para 172 países. Além disso, o Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de carne suína, tendo exportado cerca de 590 mil toneladas no primeiro semestre deste ano, um aumento de 2% em relação a 2023, com Santa Catarina sendo o Estado que mais exporta carne suína.
Entretanto, para que novas tecnologias de PLF avancem é essencial unir esforços entre acadêmicos, cientistas, indústria e agricultores, alertou Tomas Norton (Universidade Católica de Leuven, Bélgica) em sua palestra de abertura. “Juntos, podemos desenvolver modelos eficazes e integrar conhecimentos para aplicação prática. Esse desenvolvimento exige colaboração entre pesquisadores, produtores e atores-chave, como criadores", afirma Norton. “Caminhamos para um futuro em que haverá uma integração ainda maior entre os mundos digital e físico. Dessa forma, podemos criar soluções inovadoras e eficazes para o setor agrícola”, complementa o pesquisador.
Monitoramento e tomada de decisão
O uso de inteligência artificial (IA) já tem apoiado a tomada de decisões na gestão agrícola com o objetivo de aumentar a eficiência produtiva, reduzir custos e promover práticas agrícolas mais sustentáveis, incluindo o bem-estar animal.
Um exemplo é o uso de um algoritmo de aprendizado de máquina para diagnosticar a laminite em bovinos, uma doença de cascos que altera a mobilidade do gado. “O software de visão computacional detectou 25 pontos corporais, permitindo medir variáveis como duração e comprimento da passada, velocidade de caminhada e ângulo das costas”, explica João Dorea (Universidade de Wisconsin-Madison, Estados Unidos).
Outra aplicação da tecnologia PLF é o monitoramento do comportamento animal. Shuwen Hu (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, Austrália) estuda como os acelerômetros triaxiais (sensores que capturam movimentos em três eixos) podem medir e analisar o comportamento e a atividade diária de bovinos. “Queremos entender melhor como o comportamento dos animais – por exemplo, comer, caminhar, descansar ou se levantar – pode ser monitorado com precisão por meio desses dispositivos, fornecendo insights valiosos para o manejo de rebanhos”, explica a pesquisadora. Isso pode levar a uma pecuária mais eficiente, sustentável e focada no bem-estar animal.
Preocupação crescente
O bem-estar animal tem se tornado uma preocupação crescente, tanto por questões éticas quanto econômicas. Gustavo Venâncio da Silva (Unesp Botucatu) investiga sinais comportamentais que podem ser usados para identificar de maneira mais eficiente a dor aguda em bovinos após a castração – procedimento bastante comum na pecuária. “Entender melhor como os animais manifestam dor pode levar a práticas de manejo mais responsáveis e aumentar a eficiência produtiva ao reduzir o estresse dos animais”, explica.
O uso de tecnologias digitais possibilita a análise de grandes volumes de dados e uma das aplicações é para aprimoramento, seleção e produção de gado de corte. Guilherme Rosa (Universidade de Wisconsin-Madison, Estados Unidos) estuda formas de combinar dados de genômica e do campo para a tomada de decisão. “As novas tecnologias de monitoramento automatizado em fazendas, como sensores e câmeras, estão gerando uma grande quantidade de dados sobre o gado, mas boa parte desses dados ainda é pouco aproveitada. Além disso, a queda nos custos de sequenciamento genético e outras tecnologias ‘ômicas’ permite uma análise detalhada do gado em nível molecular”, conta Rosa.
Outra possibilidade da abordagem de PLF é a predição do crescimento de gado. Ariana Negreiro (Universidade de Wisconsin-Madison, Estados Unidos) estuda diferentes métodos para prever características de crescimento e reprodução em novilhas Holstein, uma das raças de gado leiteiro mais comuns e produtivas. Um dos métodos que Negreiro avalia é baseado em “transformers”, modelos de aprendizado de máquina que usam redes neurais complexas para identificar padrões em grandes conjuntos de dados. Seus resultados podem ajudar a melhorar o manejo das novilhas, aumentando as taxas de crescimento e melhorando os índices reprodutivos da criação de maneira mais precisa.
Aquicultura de precisão
Já na aquicultura, o termo mais usado é Precision Fish Farming, que segue os mesmos princípios da PLF, mas, pelo fato de a criação ser basicamente em tanques, há outras condições importantes a se considerar. “Os peixes e camarões são muito sensíveis às variações ambientais, como oxigênio, temperatura e pH da água”, explica Diogo Hashimoto, do Centro de Aquicultura da Unesp Jaboticabal e um dos organizadores da escola. Por essa razão, boa parte dos desenvolvimentos na aquicultura se preocupa com o monitoramento e a automação das condições ambientais.
Já o monitoramento dos animais aquáticos é o grande desafio na criação de precisão. “A transparência da água pode variar muito e isso interfere diretamente na captação de informação sobre a performance do animal. Por vezes os animais estão em tanques escavados e não conseguimos nem visualizá-los”, afirma Hashimoto. “Além disso, se deslocam na horizontal, na vertical, movem-se rapidamente e em 360 graus, mudando de ângulo facilmente”, complementa.
Mas alguns avanços tecnológicos já existem para avaliar de forma automática a biometria de peixes usando sistemas de visão computacional. “Conseguimos medir de forma automatizada e até prever o filé do animal sem precisar sacrificá-lo, tudo por meio de imagem. Atualmente, já estamos trabalhando para verificar se o peixe está estressado ou se responde ao estresse por meio de imagens de vídeo” complementa o pesquisador.
Outro exemplo dos pesquisadores do Centro de Aquicultura da Unesp é um software inovador para a biometria de pacus (Piaractus mesopotamicus). Por meio de técnicas de deep learning, o software automatiza as medições em tempo real, analisando fotos dos peixes e identificando partes específicas do corpo, como cabeça, corpo, pelve e nadadeiras. Isso torna o processo de seleção genética menos estressante para o peixe, que não precisa ser manipulado para medições, e reduz os riscos de doenças. Além disso, o software permite integrar dados genômicos, acelerando o melhoramento genético sem a necessidade de sacrificar os peixes, o que pode aumentar a produtividade de forma sustentável (leia mais em: agencia.fapesp.br/40375).
* Com informações da Assessoria de Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Unesp Jaboticabal.
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