Com base em pesquisa feita na FAUUSP, livro discute, a partir das crônicas de Menotti Del Picchia, o nascimento da metrópole e o embate entre correntes arquitetônicas (Foto: Casa Menotti Del Picchia)

Cronista entre dois mundos
18 de março de 2009

Com base em pesquisa feita na FAUUSP, livro discute, a partir das crônicas de Menotti Del Picchia, o nascimento da metrópole e o embate entre correntes arquitetônicas

Cronista entre dois mundos

Com base em pesquisa feita na FAUUSP, livro discute, a partir das crônicas de Menotti Del Picchia, o nascimento da metrópole e o embate entre correntes arquitetônicas

18 de março de 2009

Com base em pesquisa feita na FAUUSP, livro discute, a partir das crônicas de Menotti Del Picchia, o nascimento da metrópole e o embate entre correntes arquitetônicas (Foto: Casa Menotti Del Picchia)

 

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Pouco lembrado pela crítica literária além de sua associação com a Semana de Arte Moderna de 1922, Menotti Del Picchia (1897-1988) acaba de ser destacado como um dos intelectuais que projetaram a modernidade brasileira, a partir da visão sobre a cidade em que nasceu.

O lançamento do livro A São Paulo de Menotti Del Picchia, da arquiteta e urbanista Ana Claudia Veiga de Castro, ressalta a larga produção artística e jornalística do autor de Juca Mulato (1917) e Salomé (1940).

De acordo com a pesquisadora que analisou as crônicas de Del Picchia, o estudo não teve o objetivo de fazer algum tipo de julgamento estético, mas discutir a cidade com foco na arte e na arquitetura da década de 1920.

“A ideia foi falar de São Paulo, não entender ou analisar a literatura do período. Del Picchia foi um cronista urbano muito profícuo. Em média, ele escreveu uma crônica sobre a cidade, diariamente, durante dez anos. Trata-se de um material riquíssimo, que pode mostrar muitas perspectivas e que funciona como um diário da metrópole nascente”, disse à Agência FAPESP.

O livro – que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Publicação – é resultado de dissertação de mestrado apresentada em 2005 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) e conduzida também com auxílio da Fundação na modalidade Bolsa de Mestrado.

Ana Claudia sistematizou cerca de 1,7 mil crônicas de Del Picchia publicadas no jornal O Correio Paulistano, entre 1919 e 1930. O modernista as publicava com o pseudônimo Hélios, na seção Crônica social.

“Busquei um recorte nas crônicas, selecionando o que pudesse ajudar a compreender a história de construção de uma imagem moderna. Procurei mostrar que não se trata de uma imagem, mas de muitas. Talvez a modernidade de São Paulo seja essa tensão entre mundos que não se substituem, mas que se confrontam, que produzem um embate”, disse.

Jornalista, poeta, romancista, contista, ensaísta, teatrólogo, historiador e pioneiro da indústria cinematográfica, Del Picchia foi uma das principais expressões da vida cultural paulista no período. De acordo com Ana Claudia, o escritor parecia conscientemente disposto a construir em seus textos a imagem de uma cidade moderna. Suas crônicas descreviam, por exemplo, o aumento no número das construções, os arranha-céus e as demolições, caracterizando a cidade como “a Nova York sul-americana”.

“Mas essas crônicas cotidianas revelam mais do que a intenção do cronista. Ao lê-las, compreendemos que a cidade ainda não era tão grande e estava povoada por ‘matutos’, ‘caipiras’, novos-ricos, fazendeiros do interior e novos imigrantes. Ou seja, estava sendo construída por toda essa gente. Del Picchia é o primeiro a reconhecer a importância de todos para o nascimento da metrópole”, disse.

A “modernidade” paulistana, segundo Ana Claudia, era determinada justamente por essa mistura de populações, “por esses mundos que se cruzavam, por tudo isso junto, e não porque São Paulo caminhava para se tornar uma cidade moderna que prescindia dessa conjunção de universos”.

Arquitetura local

Em relação à discussão da arquitetura, Del Picchia apresentou uma posição ambivalente, influenciado pelas discussões da época. Segundo Ana Claudia, a arquitetura brasileira viveu naquele momento um embate.

Desde o fim do século 19, a modernização na arquitetura se materializou nos estilos históricos europeus, que aqui eram incorporados e cujo conjunto ficou conhecido pelo nome genérico de ecletismo – como a arquitetura do Teatro Municipal, por exemplo – que modificava a paisagem urbana paulistana. Mas, a partir da década de 1910, alguns críticos começaram a defender a criação de um estilo nacional.

“Chegamos nessa fase ao momento do neocolonial, visto por alguns como mais um estilo eclético. E, em seguida, começou-se a discutir, a partir das vanguardas internacionais, a arquitetura moderna e sua pertinência para o Brasil. São Paulo recebeu então Gregori Warchavchik, judeu ucraniano e autor da casa modernista da rua Santa Cruz, considerado o introdutor da arquitetura moderna por aqui”, afirmou.

Segundo a pesquisadora, Del Picchia viveu todo esse processo e se deixou levar pelas discussões. “Ele não foi um teórico da arquitetura, mas atuou como um divulgador. Portanto, ora pendia para a defesa da criação de um estilo nacional, ora defendia a arquitetura moderna, os preceitos de Le Corbusier e as casas racionalistas de Warchavchik”, disse.

Apesar dessa postura de “cronista entre dois mundos”, segundo Ana Claudia o escritor não conseguiu escapar da visão das elites que construíram São Paulo e que tinham nos estilos históricos o modelo de cidade.

“Era como se ele tivesse buscado mostrar que era chegada a hora de encarar a criação de uma arquitetura moderna nacional, a partir de São Paulo, mas que, por outro lado, a força dessa imagem de cidade eclética, no que ela tinha de ‘civilizada’ e ‘europeia’, não poderia ser descartada de todo”, analisou.

Para ela, a importância de se entender o escritor modernista está na construção de imagem moderna aliada a um projeto paulista, unindo mundos opostos. “Ele fez parte dessa elite, não financeiramente, mas culturalmente, por sua atuação como editorialista do Correio Paulistano, jornal que era porta-voz do Partido Republicano Paulista, o mais importante partido da República Velha”, explicou.

Ao mesmo tempo, era filho de imigrantes italianos, o que a elite paulistana a princípio desprezava, ainda que os imigrantes enriquecidos começassem a ser incorporados por meio de casamentos. “Menotti Del Picchia está o tempo todo alertando para a presença desse imigrante europeu que aqui se fixou e se tornou o novo paulista”, disse Ana Claudia.

“Hoje parece banal, mas naqueles anos a questão do imigrante italiano era importante. Temos ideia de como essa questão estava presente quando pensamos que a cidade, na década de 1910, tinha quase a metade de sua população falando italiano”, disse

  • A São Paulo de Menotti del Picchia
    Autor: Ana Claudia Veiga de Castro
    Lançamento: 2009
    Preço: R$ 39
    Páginas: 298
    Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br

 

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