Questão do gás boliviano foi objeto de análises politizadas demais em detrimento da lógica econômica, segundo especialista da UFRJ. Para Nivalde de Castro, há boas perspectivas de parcerias entre os dois países
Questão do gás boliviano foi objeto de análises politizadas demais em detrimento da lógica econômica, segundo especialista da UFRJ. Para Nivalde de Castro, há boas perspectivas de parcerias entre os dois países
Agência FAPESP – A nacionalização dos setores de gás e petróleo da Bolívia, em maio deste ano, estremeceu as relações entre o país andino e o Brasil. Mas a crise só aconteceu porque a questão foi analisada sob uma ótica política, em detrimento da lógica econômica, de acordo com a avaliação do professor Nivalde de Castro, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Especialista em questões de energia elétrica e gás natural, Castro é coordenador do Grupo de Estudo do Setor de Energia Elétrica (Gesel) da UFRJ. Segundo ele, a repercussão do caso na imprensa brasileira teve viés eminentemente político.
"Num período eleitoral, procurou-se um enfoque crítico ao governo que tentava se reeleger. Por isso as demandas bolivianas foram colocadas numa perspectiva que procurava ressaltar a suposta fraqueza das atitudes do executivo", disse Castro à Agência FAPESP.
Segundo o professor, as reações brasileiras foram exageradas devido ao calor do debate político. "Tudo se passou como se a soberania brasileira estivesse sob ameaça, mas quase ninguém observou que as reivindicações bolivianas eram pertinentes. Como a demanda cresce em todo o mundo, é natural que os países detentores de recursos energéticos rediscutam os contratos vigentes", afirmou.
Em reunião com o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, na última segunda-feira (18/12) em Brasília, o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, afirmou que a Petrobras será indenizada pela nacionalização das duas refinarias em Santa Cruz de La Sierra. "Isso ilustra bem como as negociações entre os dois países seguirão um rumo mais sereno de agora em diante", declarou Castro.
Segundo o professor, a indenização está vinculada ao novo marco regulatório estabelecido pela Consitutição boliviana, determinando que ativos físicos como usinas, gasodutos e refinarias não podem pertencer a empresas estrangeiras.
"Ninguém fez mais do que seguir a regra do jogo institucional. Acontece que Evo Morales queria ganhar a opinião pública, mostrando que cumpriria sua promessa de campanha. Enquanto isso, a oposição brasileira usou a questão como arma de campanha contra o governo. Passado esse momento, vemos claramente que a Bolívia apenas implementou o que determina sua Constituição", disse o professor.
Clima de diálogo
Para Castro, de agora em diante o Brasil deverá buscar ampliar sua posição no mercado de gás boliviano, mesmo pagando preços maiores. "O mais importante é garantir à economia brasileira uma fonte complementar de gás natural. O papel da Petrobras não é maximizar os lucros, mas contribuir para garantir a oferta de recursos energéticos", afirmou.
Ao contrário do que indicavam todos os prognósticos feitos em meados de 2006, a relação comercial entre Brasil e Bolívia deverá ser satisfatória para os dois países. "Há perspectivas muito favoráveis para uma parceria duradoura na área de gás. Alguns setores industriais brasileiros dependem muito do gás. Enquanto isso, a Bolívia quer que a Petrobras continue fazendo investimentos lá."
A reunião entre os ministros dos dois países na segunda-feira determinou que, como contrapartida à indenização pelas refinarias da Petrobras, a empresa brasileira fará mais investimentos no setor de gás boliviano e empresários brasileiros poderão construir um pólo gasoquímico no país. "Já é evidente que existe uma visão mais serena de ambas as partes", disse o pesquisador.
De acordo com Castro, o preço do gás não deverá aumentar muito. "O que interessa aos bolivianos são as oportunidades – a Petrobras é a empresa privada que mais gera divisas e renda na Bolívia. Além disso, eles sabem que podem ganhar mais receita aumentando a produção do que subindo o preço do gás."
Segundo ele, os investimentos da Petrobras no país têm mais valor estratégico que financeiro. "Do ponto de vista econômico, o retorno chega a ser insignificante. O verdadeiro interesse brasileiro ali é a segurança energética, isto é, a diversificação da matriz energética. E este objetivo deverá ser alcançado. A suposta crise não chegou a durar seis meses", declarou.
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