A boa notícia, destaca o pesquisador da Unesp, é que a rigidez arterial tende a diminuir com o tempo, conforme observado entre os participantes do estudo após um ano da infecção (foto: Emmanuel Ciolac/FC-Unesp, Bauru)
Estudo em 16 países com sobreviventes da doença indica que vírus impulsiona rigidez arterial, sobretudo em mulheres; em 2025, até setembro, o Brasil registrou quase 312 mil infecções
Estudo em 16 países com sobreviventes da doença indica que vírus impulsiona rigidez arterial, sobretudo em mulheres; em 2025, até setembro, o Brasil registrou quase 312 mil infecções
A boa notícia, destaca o pesquisador da Unesp, é que a rigidez arterial tende a diminuir com o tempo, conforme observado entre os participantes do estudo após um ano da infecção (foto: Emmanuel Ciolac/FC-Unesp, Bauru)
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Mesmo após a recuperação clínica, a COVID-19 pode deixar marcas no sistema cardiovascular. Essa é a conclusão do maior estudo populacional com sobreviventes da doença, realizado com mais de 2 mil pessoas em 16 países, incluindo o Brasil. O trabalho mostrou que todos os participantes que foram infectados pelo vírus apresentaram maior rigidez nas grandes artérias em comparação com aqueles que não foram infectados.
De acordo com o estudo, publicado no European Heart Journal, a infecção por COVID-19 pode acelerar o envelhecimento vascular, com efeitos mais pronunciados em mulheres, especialmente aquelas com sintomas persistentes, independente da gravidade da doença.
Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde foram notificados em 2025, até 28 de setembro, 311.849 casos de COVID-19 no Brasil.
A investigação, realizada pelo consórcio Cartesian – que juntou esforços de integrantes de 34 centros de pesquisa em todo o mundo –, é a primeira a avaliar os efeitos de longo prazo da COVID-19 na rigidez arterial, um indicador do envelhecimento vascular que pode aumentar o risco de desenvolver insuficiência cardíaca, infarto, acidente vascular cerebral e outras complicações cardiovasculares.
“O estudo mostrou que pessoas que tiveram COVID-19 apresentam maior rigidez das grandes artérias, o que pode indicar envelhecimento vascular e comprometer o fluxo de sangue para o cérebro e outros órgãos”, diz Emmanuel Ciolac, professor da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru – uma das instituições que participaram do consórcio. “Esse efeito foi independente da gravidade da doença ou de fatores como hipertensão, embora estudos com outras populações demonstrem que a pressão alta contribua em parte para esse quadro.”
A investigação realizada foi apoiada pela FAPESP.
A boa notícia, destaca o pesquisador da Unesp, é que a rigidez arterial tende a diminuir com o tempo, conforme observado entre os participantes do estudo após um ano da infecção. “Isso ressalta a importância de programas de reabilitação envolvendo atividade física, por exemplo. São situações, na maioria dos casos, que podem ser reversíveis e, cada vez mais, vemos que é preciso uma atenção de longo prazo nos infectados pela COVID-19”, diz o pesquisador que em uma outra investigação, com um grupo pequeno de participantes e desvinculado do consórcio Cartesian, comprovou os efeitos da prática de exercício físico na reversão da rigidez arterial (leia mais: agencia.fapesp.br/37929).
Trabalho em equipe
No trabalho, os pesquisadores analisaram a saúde vascular de 2.390 pessoas por meio de um exame não invasivo (velocidade da onda de pulso carótida-femoral), que avalia de forma eficiente a rigidez das grandes artérias. Participaram do estudo pessoas infectadas pelo coronavírus entre 2020 e 2022, com diferentes níveis de gravidade: desde pessoas que não foram infectadas; casos leves, que não exigiram internação; até pacientes hospitalizados e tratados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O grupo incluía tanto vacinados quanto não vacinados.
Para explicar o impacto da rigidez arterial na circulação sanguínea e nos demais órgãos, Ciolac usa a analogia de uma bexiga nova. “Ela se expande facilmente ao ser inflada e, quando esvaziada, volta rapidamente ao seu formato original, empurrando o ar para longe. O mesmo acontece com as artérias. Durante a sístole [fase de contração do coração], elas se expandem, atenuando a pressão do sangue nas artérias. Depois, na diástole [relaxamento], elas voltam ao tamanho original e ajudam a empurrar o sangue adiante para os órgãos e tecidos”, diz o pesquisador à Agência FAPESP.
O exame realizado pelos pesquisadores do consórcio Cartesian mede a velocidade com que a onda de pulso (sístole) percorre o trajeto entre a artéria carótida e a femoral. “Quanto mais lento, mais elástica e saudável a artéria está. Quanto mais rápida a velocidade, mais enrijecida e, por consequência, menos eficiente é a distribuição do sangue para os órgãos e tecidos”, explica Bianca Fernandes, bolsista da FAPESP que realizou as análises com a equipe de Ciolac na Unesp.
Com o envelhecimento, é comum que o tecido elástico das artérias seja substituído por um mais fibroso, tornando-as mais rígidas e dificultando a irrigação de órgãos vitais como o cérebro, coração e fígado. “No entanto, identificamos no estudo que, após seis meses de infecção, os participantes apresentavam uma maior rigidez das artérias em comparação com aqueles que não tiveram COVID-19. Houve um envelhecimento acelerado das artérias entre todos os participantes infectados”, afirma.
Homens e mulheres
O estudo também indicou uma diferença nas consequências da infecção de COVID-19 nas artérias a depender do sexo biológico dos infectados. “O impacto foi mais acentuado em mulheres, principalmente entre aquelas que tiveram sintomas persistentes. O grau de rigidez das artérias acompanhou o grau de gravidade da COVID-19, sendo que as que passaram pela UTI tiveram um envelhecimento arterial ainda maior. Já entre os homens, não houve diferença significativa entre quem teve ou não COVID. Isso pode estar ligado ao fato de que os homens tiveram maior mortalidade, o que pode ter influenciado os resultados”, afirma.
Outro achado importante foi que os participantes que tinham sido vacinados apresentaram uma menor rigidez em comparação com os não vacinados.
“O estudo reforça a importância de acompanhar a saúde cardiovascular de quem teve COVID-19, mesmo após a recuperação da doença. É preciso também investigar estratégias específicas para reduzir esse envelhecimento vascular precoce. Porque, embora já se saiba que hábitos saudáveis ajudam a preservar a elasticidade das artérias, ainda é necessário investigar protocolos direcionados para os efeitos da COVID-19 sobre o sistema vascular”, afirma.
O artigo Accelerated vascular ageing after COVID-19 infection: the Cartesian study pode ser lido em: academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehaf430/8236450.
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