Imagem de uma única colisão de íons de ouro, acelerados até a energia de 200 giga-elétrons-volts (200 GeV). Eventos como esse, ocorrido no Relativistic Heavy Ion Collider, produzem, por uma diminuta fração de segundo, o plasma de quarks e glúons (imagem: Brookhaven National Laboratory)
Estudo cotejou as predições teóricas com dados de colisões de partículas realizadas no LHC e no RHIC. A conjectura de Maldacena mostrou forte convergência com os resultados experimentais
Estudo cotejou as predições teóricas com dados de colisões de partículas realizadas no LHC e no RHIC. A conjectura de Maldacena mostrou forte convergência com os resultados experimentais
Imagem de uma única colisão de íons de ouro, acelerados até a energia de 200 giga-elétrons-volts (200 GeV). Eventos como esse, ocorrido no Relativistic Heavy Ion Collider, produzem, por uma diminuta fração de segundo, o plasma de quarks e glúons (imagem: Brookhaven National Laboratory)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A “correspondência holográfica”, também chamada de “dualidade AdS/CFT”, é uma ideia da física teórica que correlaciona a gravidade em um espaço de cinco dimensões (AdS) com uma teoria de campos em um espaço de quatro dimensões (CFT). Em outras palavras, propõe descrever a gravidade por meio de uma teoria de campos sem gravidade com uma dimensão a menos. O assunto torna-se mais compreensível por meio de uma analogia: se imaginarmos um corpo esférico, toda a informação sobre o que acontece em seu miolo tridimensional poderia estar holograficamente codificada na borda bidimensional que o envolve.
Essa correspondência holográfica foi proposta como conjectura pelo físico argentino Juan Maldacena em 1997, com o intuito de oferecer um caminho para resolver as equações difíceis da gravidade quântica em cinco dimensões por meio das equações da teoria de partículas em quatro dimensões. Nascido em Buenos Aires em 1968, Maldacena tornou-se em 1999 o professor vitalício mais jovem da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e, desde 2001, ocupa uma cátedra no Instituto de Estudos Avançados de Princeton. Sua conjectura tornou-se instrumental no enfrentamento de problemas como a entropia dos buracos negros e as propriedades do plasma de quarks e glúons. E pode contribuir para a construção de uma teoria quântica da gravidade.
O professor Roldão da Rocha, da Universidade Federal do ABC (UFABC), utilizou a conjectura de Maldacena para investigar as relações entre as deformações das branas negras e a viscosidade de cisalhamento do plasma de quarks e glúons. Os resultados foram publicados no The European Physical Journal Plus.
Importante informar que as branas negras são generalizações dos buracos negros no contexto da teoria das cordas e da gravidade em dimensões superiores. Enquanto os buracos negros convencionais podem ser pensados como pontos ou esferas no espaço tridimensional, as branas negras são superfícies estendidas com dimensões extras. Assim como os buracos negros, as branas negras possuem um horizonte de eventos, que define a região além da qual nada pode escapar. Outro dado relevante é que as branas negras podem emitir radiação térmica, similar à radiação de Hawking dos buracos negros convencionais.
Quanto ao plasma de quarks e glúons (QGP), ele é um estado da matéria em que quarks e glúons, normalmente confinados nos hádrons (prótons, nêutrons, mésons etc.), se movem livremente. Esse estado teria existido nos primeiros instantes após o Big Bang e pode ser recriado em colisões de íons pesados, como as que são produzidas pelo Large Hadron Collider (LHC), na Europa, e pelo Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), nos Estados Unidos. O QGP é uma gota do tamanho do raio clássico do próton, da ordem de femtômetro, que se comporta como um fluido quase perfeito. Existe somente por 10-23 segundo após sua produção, a uma temperatura de aproximadamente 2 trilhões de kelvins.
“O estudo contou com um vasto conjunto de dados fornecidos pelo LHC e pelo RHIC. No contexto da dualidade AdS/CFT, a gravidade em cinco dimensões, em um espaço de curvatura negativa [espaço Anti-de Sitter, ou AdS], pode descrever interações do plasma de quarks e glúons em quatro dimensões a partir da hidrodinâmica. Essa abordagem permite calcular coeficientes de transporte e resposta, como a viscosidade de cisalhamento, a partir de perturbações de soluções gravitacionais. A correspondência holográfica sugere que a brana negra pode ser vista como um análogo gravitacional do comportamento do plasma. Ela é capaz de descrever um fluido quase perfeito tórrido na borda de AdS”, diz Rocha.
O pesquisador mostrou que a razão entre a viscosidade de cisalhamento e a densidade de entropia do QGP, medida experimentalmente, está em notável concordância com o valor calculado a partir de correções quânticas de buracos negros de Schwarzschild no formalismo AdS/CFT. "Essa dualidade fornece um dicionário entre a gravidade e a mecânica dos fluidos relativística. Podemos calcular coeficientes do plasma de quarks e glúons a partir do lado gravitacional e, ao mesmo tempo, utilizar a mecânica dos fluidos para compreender melhor a gravidade", afirma.
A pesquisa também indica que, apesar de ser possível deformar a geometria da brana negra, os dados experimentais impõem um limite rigoroso: a deformação não pode ultrapassar cerca de 1% do valor original ditado pela solução de brana negra de Schwarzschild em AdS. “Isso sugere que a formulação padrão da dualidade AdS/CFT é extremamente robusta”, pontua Rocha.
Um dos aspectos frequentemente questionados acerca da dualidade AdS/CFT é a introdução de uma dimensão extra na formulação gravitacional. Rocha argumenta que a quinta dimensão não deve ser interpretada como uma dimensão espacial que seja necessariamente acessível experimentalmente, mas, sim, como uma escala de energia da cromodinâmica quântica (QCD). “A dualidade não significa que exista uma quinta dimensão no universo observável. Ela indica que podemos descrever o plasma de quarks e glúons utilizando um espaço de cinco dimensões como um recurso matemático eficaz”, sublinha.
Tal abordagem também encontra aplicações em outras áreas da física, como matéria condensada e supercondutores holográficos. A robustez da dualidade e sua ampla aplicabilidade reforçam a relevância da correspondência holográfica, ainda que esta permaneça uma conjectura, e não uma teoria consolidada. “Desde sua proposição em 1997 até hoje, já são quase três décadas, a conjectura do Maldacena foi testada em diversos campos da física e se saiu muito bem. Nosso estudo é mais um testemunho de sua robustez”, conclui Rocha.
O estudo contou com apoio da FAPESP por meio do projeto especial “Cherenkov Telescope Array: construção e primeiras descobertas” e do Auxílio à Pesquisa – Regular “Correspondências holográficas gauge/gravidade, coeficientes de resposta e transporte e correções quânticas”.
O artigo Deformations of the AdS–Schwarzschild black brane and the shear viscosity of the quark–gluon plasma pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1140/epjp/s13360-024-05795-8.
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