Exemplo de um banco do mexilhões da espécie Mytilaster solisianus na região do entremarés da Baixada Santista. O banco de mexilhões é a área escura que recobre as rochas. A foto de paisagem foi tirada na praia do Guaiúba. A foto em detalhe é uma vista de perto dos mexilhões (fotos: Aline Martinez)
Reação dos animais pode ser sinal de desequilíbrio no ecossistema; levantamento em seis praias do Guarujá, no litoral sul paulista, mostrou que mexilhões intensificam atividade quando expostos a metais presentes na água do mar
Reação dos animais pode ser sinal de desequilíbrio no ecossistema; levantamento em seis praias do Guarujá, no litoral sul paulista, mostrou que mexilhões intensificam atividade quando expostos a metais presentes na água do mar
Exemplo de um banco do mexilhões da espécie Mytilaster solisianus na região do entremarés da Baixada Santista. O banco de mexilhões é a área escura que recobre as rochas. A foto de paisagem foi tirada na praia do Guaiúba. A foto em detalhe é uma vista de perto dos mexilhões (fotos: Aline Martinez)
André Julião | Agência FAPESP – Um estudo realizado em seis praias do Guarujá (SP) sugere que a urbanização pode ser um fator indutor de estresse não apenas para os humanos, mas também para os mexilhões.
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos, e da University of New South Wales, na Austrália, encontraram uma correlação direta entre o grau de urbanização, a contaminação do mar por metais e o possível estresse metabólico que esses contaminantes causam em mexilhões que vivem nessas praias. O estudo, apoiado pela FAPESP, foi publicado no Marine Pollution Bulletin.
O grupo coletou, em seis praias do Guarujá, mexilhões da espécie Mytilaster solisianus, que vive em grandes aglomerados fixada nos costões rochosos. O molusco não é consumido por humanos, mas tem uma característica semelhante à de outras espécies de interesse econômico: filtra a água ao redor para absorver as partículas presentes, que servem de alimento. Por isso, é bastante vulnerável à contaminação.
O experimento mostrou, como esperado, que os animais aumentam a filtração quando a concentração de partículas na água é alta. Diferentemente de estudos feitos por outros grupos, porém, a atividade se manteve alta quando havia poucas partículas (pouco alimento), mas uma concentração alta do chamado grupo cobre, níquel e zinco.
Como são quimicamente bastante parecidos, não há como distinguir esses três metais nas análises. Sabe-se, porém, que o cobre tem efeitos nocivos em diferentes organismos, por isso o interesse no grupo.
O comportamento dos moluscos não foi alterado quando expostos a partículas de ferro e manganês. Os animais foram coletados nas praias de Guaiúba, Astúrias, Morro do Maluf, Mar Casado, Sorocotuba e Iporanga.
“Eles podem estar sob um estresse metabólico, buscando mais alimentos e fazendo mais trocas gasosas em uma tentativa de recuperar energia, perdida ao tentar eliminar os poluentes”, disse Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar (IMar) da Unifesp e supervisor do estudo.
A pesquisa integra o projeto “Força de interações ecológicas e a mediação ambiental em sistemas costeiros”, apoiado pela FAPESP na modalidade Auxílio Regular.
O artigo tem como primeira autora Aline Sbizera Martinez, que realiza pós-doutorado no IMar-Unifesp com bolsa da FAPESP.
Para confirmar a hipótese de um maior estresse metabólico, Martinez realiza agora novos testes que incluem, além da taxa de filtração, medidas de excreção e respiração.
“Quando estão mais estressados, além de filtrar mais, esses animais tendem a excretar e a respirar com mais intensidade. Com essas três medidas, vamos calcular o chamado índice de espaço para crescimento [scope for growth]. Basicamente, ele indica quanto de energia sobra para o animal crescer. Faremos essas medições para detectar se realmente o grupo cobre, níquel e zinco está gerando um efeito fisiológico nos mexilhões”, disse Martinez.
Os pesquisadores mediram ainda a biomassa da fauna associada a essas colônias, formada por animais que se alimentam dos dejetos dos mexilhões. Apesar de os moluscos excretarem mais quando expostos aos metais – afinal, estão se alimentando de forma mais intensa –, a contaminação não alterou a quantidade de animais que normalmente acompanha os mexilhões. Agora, os pesquisadores querem medir se a contaminação afeta a diversidade de espécies dessa fauna associada.
Diferenças na medição
Uma das diferenças do trabalho publicado agora para os realizados anteriormente por outros grupos foi a forma de fazer os experimentos para medir a filtração. Os anteriores, que observaram diminuição quando o ambiente tinha partículas de metais, foram feitos em laboratório, com animais provenientes de áreas relativamente limpas e submetidos a diferentes quantidades de partículas de metais. Os experimentos da Unifesp, por sua vez, foram realizados no próprio local da coleta.
“Esses estudos nos davam um pressuposto de que, quando aumenta a quantidade de poluentes, a filtração diminui. Mas quando fizemos o experimento em campo, no ambiente em que esses animais vivem, a filtração aumentou mesmo com a contaminação alta”, disse Christofoletti.
O experimento consistia em colocar em um balde com quatro litros de água do local de coleta vários mexilhões – 100 cm2, mais ou menos, retirados dos indivíduos presos às rochas.
Os pesquisadores mediam, então, a quantidade de partículas presentes na água imediatamente após os moluscos serem depositados e uma hora depois. A diferença entre as duas medições equivalia à quantidade de partículas retidas pelos mexilhões.
“Em nosso experimento, analisamos animais que estão naquele ambiente, usando a mesma água em que vivem. Eles estão adaptados a uma quantidade maior de partículas desses metais. Coletá-los de uma área prístina para depois acrescentar os metais pode ser um grande choque para os mexilhões. É de se esperar que eles parem de filtrar em um primeiro momento”, explicou.
Efeitos da proximidade do porto
Bastante presente nas águas da Baía de Santos, o grupo de metais formado pelo cobre, níquel e zinco está diretamente ligado à presença do porto naquela área, o maior da América Latina. Parte da composição de tintas anti-incrustantes usadas em navios, esses metais também são encontrados em produtos de uso corrente, como xampu, óleos de carro e mesmo na poluição atmosférica, que se mistura na chuva e chega às galerias de águas pluviais que deságuam nas praias.
A Baixada Santista tem ainda um dos maiores complexos industriais do país e uma grande área urbanizada, com nove cidades altamente populosas e um total de 1,85 milhão de habitantes. Não por acaso, os pesquisadores encontraram uma relação direta entre o grau de urbanização e os níveis desses metais nos moluscos.
Usando imagens do Google Earth, os pesquisadores verificaram quais bairros escoavam suas águas pluviais em cada uma das seis praias analisadas. Em seguida, mediram a taxa de cobertura urbana usando um software especial. Quanto mais urbanizada a área, maior a contaminação na praia correspondente.
“Há uma relação direta entre urbanização e a contaminação dos organismos. Era algo esperado, mas agora temos evidência para o nosso litoral”, disse Martinez.
Os pesquisadores esperam que as pesquisas sirvam como subsídios para políticas públicas na região, a fim de diminuir o impacto da atividade humana nos ecossistemas costeiros e marinhos.
O artigo Functional responses of filter feeders increase with elevated metal contamination: Are these good or bad signs of environmental health? (doi: 10.1016/j.marpolbul.2019.110571), de Aline S. Martinez, Mariana Mayer-Pinto e Ronaldo A. Christofoletti, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0025326X19307155.
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