Representação esquemática dos sistemas de spins considerados no estudo, mostrando a configuração inicial (fase clássica antiferromagnética) e final (fase quântica ferromagnética emaranhada) do sistema durante a evolução digitalizada no tempo. A figura foi montada sobre a imagem do dispositivo quântico real de qubits supercondutores usado no experimento (ilustração: Alan Santos)

Computação
Computador quântico simula quebra espontânea de simetria em temperatura zero
23 de maio de 2025

Experimento inédito reproduz transição de fase em sistema com interações de curto alcance, desafiando previsões tradicionais da física

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Experimento inédito reproduz transição de fase em sistema com interações de curto alcance, desafiando previsões tradicionais da física

23 de maio de 2025

Representação esquemática dos sistemas de spins considerados no estudo, mostrando a configuração inicial (fase clássica antiferromagnética) e final (fase quântica ferromagnética emaranhada) do sistema durante a evolução digitalizada no tempo. A figura foi montada sobre a imagem do dispositivo quântico real de qubits supercondutores usado no experimento (ilustração: Alan Santos)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Uma equipe internacional de cientistas conseguiu, pela primeira vez, simular experimentalmente a quebra espontânea de simetria (SSB, na sigla em inglês) em temperatura zero usando um processador quântico supercondutor. O feito foi alcançado com fidelidade superior a 80% e representa um marco, tanto para a computação quântica quanto para a física da matéria condensada.

O sistema partiu de um estado clássico antiferromagnético (no qual as partículas apresentam alternadamente spins orientados em um sentido e no sentido oposto) e evoluiu para o estado quântico ferromagnético (no qual todas as partículas apresentam spins orientados no mesmo sentido, à medida que também estabelecem correlações quânticas).

“O sistema começou com uma configuração flip-flop de spins alternados e, espontaneamente, evoluiu, reconfigurando-se com spins alinhados na mesma direção e sentido. Essa transição de fase se deve à quebra de simetria”, resume o físico Alan Santos, hoje pesquisador no Instituto de Física Fundamental do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), da Espanha, e coorganizador da equipe teórica envolvida no estudo. À época do desenvolvimento do trabalho, Santos era bolsista FAPESP de pós-doutorado no Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A pesquisa foi conduzida por cientistas da Southern University of Science and Technology, de Shenzhen, China; da Aarhus University, de Aarhus, Dinamarca; e da UFSCar. E publicada na revista Nature Communications.

“O ponto crucial foi a simulação da dinâmica em temperatura zero. Já havia estudos anteriores sobre esse tipo de transição, mas sempre com temperaturas diferentes de zero. O que mostramos foi que, zerando a temperatura, é possível observar a quebra de simetria mesmo em interações locais de partículas, entre primeiros vizinhos”, informa Santos.

Vale lembrar que o zero absoluto não pode ser alcançado fisicamente, porque equivale a uma total imobilidade do sistema material. O que os pesquisadores fizeram foi simular, por meio de computação quântica, o que aconteceria com o sistema em temperatura zero. O experimento utilizou um circuito quântico de sete qubits dispostos em uma configuração que permite interações apenas entre vizinhos imediatos. E foi aplicado um algoritmo para simular a evolução adiabática em temperatura zero. “Nós projetamos o circuito e os experimentadores na China o implementaram fisicamente”, diz Santos.

A transição de fase foi identificada por meio de funções de correlação e da entropia de Rényi, que evidenciaram a formação de padrões ordenados e emaranhamento quântico. O emaranhamento é uma das propriedades mais características e importantes da mecânica quântica. Refere-se a uma situação na qual dois conjuntos de partículas ficam correlacionados de tal forma que o estado de um determina instantaneamente o estado do outro, mesmo que estejam separados por grandes distâncias. A entropia de Rényi, introduzida pelo matemático húngaro Alfréd Rényi (1921-1970) nos anos 1960, é usada para quantificar o grau de emaranhamento e como ele se distribui entre partes de um sistema quântico. Ela permite medir quão emaranhados estão os subsistemas.

Santos destaca que o emaranhamento e a superposição são dois recursos centrais para a computação quântica: “A superposição permite que um sistema exista em múltiplos estados simultaneamente, chamados de paralelismo quântico. O emaranhamento é um tipo de correlação que não é possível reproduzir em computadores clássicos. Para dar uma ideia intuitiva, imagine que você tem um molho de chaves e precisa descobrir qual chave abre a fechadura. Um computador clássico testa as chaves uma a uma. Já o computador quântico pode testar várias delas ao mesmo tempo, o que acelera o processamento”, compara Santos.

Em termos práticos, a diferença entre um computador clássico e um computador quântico decorre essencialmente do desempenho. Em teoria, ambos conseguem resolver os mesmos problemas matematicamente formuláveis. A questão é quanto tempo levam para resolver. Alguns cálculos, como a fatoração de números gigantescos em dois números primos, que demandariam milhões de anos em computadores clássicos, podem ser executados de forma muito mais rápida em computadores quânticos.

Usar um computador clássico para simular sistemas quânticos seria um contrassenso. E, por vezes, uma missão impossível. O estudo em pauta mostrou a plausibilidade de usar, para tais simulações, recursos de computação quântica, com o experimento sendo realizado na Southern University of Science and Technology, de Shenzhen. Vale lembrar que Shenzhen é atualmente um dos mais avançados polos científicos, tecnológicos e industriais do planeta. Escolhida em 1980 como primeira “zona econômica especial” da China, a cidade evoluiu de uma vila de pescadores com cerca de 30 mil habitantes para uma metrópole com mais de 17 milhões. E concentra empresas gigantescas com liderança global.

A implementação foi feita com qubits supercondutores, baseados em ligas de alumínio e nióbio, operando em temperaturas da ordem de milikelvin. “A vantagem dos qubits supercondutores é a escalabilidade: é tecnicamente possível construir chips com centenas deles”, afirma Santos.

O conceito de quebra de simetria está presente em todas as áreas da física. Toda a física se estrutura em torno de simetrias e de sua ruptura. “A simetria nos dá as leis de conservação. A quebra de simetria permite que estruturas complexas surjam”, resume Santos.

O artigo Digital simulation of zero-temperature spontaneous symmetry breaking in a superconducting lattice processor pode ser acessado em: www.nature.com/articles/s41467-025-57812-8.
 

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