Celina Gorre, diretora executiva da Global Alliance for Chronic Diseases, fala da importância da ciência de implementação no combate às doenças crônicas (foto: Felipe Maeda / Agência FAPESP)

Como reduzir a lacuna entre descobertas científicas e sua implementação em políticas públicas
23 de novembro de 2018

Celina Gorre, diretora executiva da Global Alliance for Chronic Diseases, fala da importância da ciência de implementação no combate às doenças crônicas

Como reduzir a lacuna entre descobertas científicas e sua implementação em políticas públicas

Celina Gorre, diretora executiva da Global Alliance for Chronic Diseases, fala da importância da ciência de implementação no combate às doenças crônicas

23 de novembro de 2018

Celina Gorre, diretora executiva da Global Alliance for Chronic Diseases, fala da importância da ciência de implementação no combate às doenças crônicas (foto: Felipe Maeda / Agência FAPESP)

 

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – “Você quer ter só razão ou ser efetivo?”. É essa pergunta que Celina Gorre, diretora executiva da Global Alliance for Chronic Diseases (GACD), costuma fazer. O consórcio que reúne 14 agências de fomento de diversos países, entre as quais a FAPESP, promove a colaboração de pesquisas entre países de alta renda e de baixa ou média renda na luta contra doenças crônicas.

Com um orçamento de US$ 174 milhões e 83 projetos correndo pelo mundo, a GACD promove uma área da ciência chamada Implementation Science (Ciência da Implementação), cujo objetivo principal é buscar metodologias e estratégias para reduzir a lacuna existente entre as descobertas científicas e sua implementação nos programas de saúde. São cerca de 900 pesquisadores trabalhando em projetos apoiados pela GACD em 66 países no mundo.

No Brasil para participar do 10º Workshop e da 7ª Reunião Anual da GACD, Gorre conversou com a Agência FAPESP. Para ela, é importante que pesquisadores, comunidade e formuladores de políticas públicas estejam articulados para que projetos de combate às doenças crônicas – como câncer, diabetes do tipo 2, doenças mentais, pulmonares e cardiovasculares – tornem-se efetivos.

“Vemos que muitas vezes o pesquisador considera o valor do seu trabalho inerente apenas às suas descobertas ou à consistência do trabalho. Como se isso fosse o bastante para atrair a atenção para seus resultados, mas é preciso fazer mais que isso”, disse.

Agência FAPESP: Por que os projetos da GACD de combate às doenças crônicas são trabalhados sempre em colaboração entre países de alta renda e de baixa ou média renda?
Celina Gorre: É preciso lembrar que, em geral, a ciência avança mais rápido quando há diversidade. Se todos vêm do mesmo lugar não é possível testar hipóteses em uma variedade de contextos. Em um projeto desenvolvido em São Paulo, com uma equipe de São Paulo, é provável que o desenho de intervenção escolhido ou as decisões passem a ser reforçadas ao longo do projeto. No entanto, se existem participantes de outras partes do mundo algum deles pode dizer: “Espere um minuto, isso não funcionou muito bem no contexto de Bangkok. Lá os setores socioeconômicos e a população são diferentes. Também não temos esse hábito alimentar lá”. Portanto, quanto mais diverso for o grupo, mais desafios serão quebrados e as dúvidas ou perguntas ao longo do projeto serão respondidas mais rapidamente. Pelo menos, é isso que temos visto ocorrer.

Agência FAPESP: Isso também vale para a experiência e idade dos integrantes do projeto?
Gorre: Sim. Essa mistura de interações precisa ser amplificada não apenas em diversidade de regiões, mas também em grupos formados por diferentes níveis de cientistas. Por isso, é importante que em nossos projetos haja cientistas seniores e juniores trabalhando em equipe. Recentemente, passamos a exigir que cada projeto envie para os nossos encontros [workshops e reuniões anuais] não só os pesquisadores mais experientes, mas também os mais novos. Porque eu entendo que é muito tentador para o projeto mandar apenas os líderes. Há uma lógica nisso, mas fizemos um pedido explícito para todos os 84 projetos individualmente. Aprendemos com o tempo que isso é importante e faz diferença.

Agência FAPESP: A diversidade é importante, mas é preciso pensar também no contexto local, certo?
Gorre: Sim. Vejo as doenças crônicas, entre outros pontos, como uma comorbidade do sucesso econômico. Quando ocorre um mínimo crescimento econômico em uma família, por exemplo, ele é refletido rapidamente no consumo de uma TV, de um carro, em sedentarismo ou no consumo de alimentos mais caros, mas menos saudáveis. O que estamos fazendo em nossos projetos é focar em hábitos locais como forma de combate às doenças crônicas. Sabemos que existem comportamentos locais que são saudáveis e que acabam ficando em segundo plano. O que é saudável na cultura indígena? Qual o contexto local? Não necessariamente são aulas de ioga ou suco verde detox [sendo este último controverso]. Estive domingo na avenida Paulista e estavam realizando aulas de dança e as famílias participavam ativamente. Esse é o conceito: hábitos saudáveis locais. Foi uma boa experiência ver isso em ação.

Agência FAPESP: Como são feitos os projetos na GACD?
Gorre: Não necessariamente o projeto precisa ser feito pelo cientista que fez uma descoberta. Implementação da ciência, por definição, é pegar algo que funciona em algum lugar – como uma política pública de um determinado país ou algo descoberto em laboratório – e introduzir em um contexto diferente. Trabalhamos com chamadas de propostas anuais e, voltando ao fato que temos 14 agencias no consórcio – e todas elas têm suas estratégias próprias –, buscamos justamente as justaposições dessas estratégias para definir o tema das chamadas. Em 2017, a chamada foi de projetos em saúde mental. Neste ano, é hipertensão e diabetes. Como nem sempre é possível ter todas as 14 agências participando o tempo todo, buscamos escolher áreas prioritárias para a maioria das agências.

Agência FAPESP: Um problema discutido no workshop foi que nem sempre a qualidade dos projetos submetidos supera as expectativas da GACD.
Gorre: Isso tem mais a ver com o fato de que ainda estamos crescendo como comunidade em Ciência da Implementação e o mecanismo que temos para fazer isso é o financiamento de pesquisa. Acredito que, quanto mais continuarmos a nutrir essa comunidade [de pesquisa em implementação da ciência em políticas públicas ligadas ao combate de doenças crônicas] e fazer essa comunidade crescer, a ciência que vier disso será melhor.

Agência FAPESP: Poderia dar exemplos de projetos efetivos?
Gorre: Gosto particularmente de dois projetos. Ambos são sobre a redução do consumo de sódio, portanto podem envolver uma perspectiva de a importância do desenho de projeto estar de acordo com o contexto local. O primeiro é um projeto muito bonito feito em uma província da China. Nossa hipótese era que com a política do filho único era comum que a criança se tornasse o centro da casa e que tanto pais e avós ouviam muito essas crianças. A intervenção estava relacionada com a inclusão do tema redução do consumo de sal no currículo escolar de crianças de 8 anos, porém o resultado do projeto era medido na mudança de consumo dos adultos. É um modelo fascinante, pois assume a dinâmica e a direção de influência de uma criança de 8 anos na família, o que é culturalmente muito específico dentro de um país que passou anos com a política do filho único. O resultado desse programa foi tão significativo que houve de fato um decréscimo no consumo de sal. O programa foi escalonado para mais escolas em uma parte da China.

Agência FAPESP: E o outro projeto?
Gorre: O outro foi em Fuji, também para a redução do consumo de sódio, porém buscou atingir esse objetivo no nível de políticas públicas. Esse projeto mostra particularmente a importância da relação de pesquisadores com formuladores de políticas públicas. Os pesquisadores trabalharam não só com o ministério da saúde, mas também com a Organização Mundial da Saúde. Com isso, eles conseguiram escolher muito bem quais eram os melhores mensageiros para a comunidade. Em vez das autoridades, eles escolheram pessoas comuns de Fuji que falaram de suas próprias experiências sobre consumo de sal e redução. No fim, isso se tornou um programa nacional. Gosto desses dois projetos, pois eles mostram a importância de conhecer o contexto em que se está trabalhando.

Agência FAPESP: É comum ver pesquisadores incluírem a Ciência da Implementação em seus projetos de pesquisa?
Gorre: Infelizmente ainda não é o mais comum. Acho que o pesquisador tradicional considera que o valor do seu trabalho é inerente apenas às suas descobertas ou à consistência do trabalho. Como se isso fosse o bastante para atrair a atenção para seus resultados, seja da imprensa, da comunidade ou dos formadores de políticas públicas. É preciso fazer mais. Sempre faço essa pergunta para as pessoas que trabalham comigo: você quer só ter razão ou ser efetivo? Ciência da Implementação tem a ver com ser efetivo, reduzir a lacuna entre o conhecimento científico e sua aplicação em políticas públicas.
 

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