Os relatórios produzidos no último ano pelos integrantes da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos são apresentados à comunidade acadêmica e à sociedade em evento realizado na Unicamp (foto: Antoninho Perri)
Os relatórios produzidos no último ano pelos integrantes da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos são apresentados à comunidade acadêmica e à sociedade em evento realizado na Unicamp
Os relatórios produzidos no último ano pelos integrantes da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos são apresentados à comunidade acadêmica e à sociedade em evento realizado na Unicamp
Os relatórios produzidos no último ano pelos integrantes da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos são apresentados à comunidade acadêmica e à sociedade em evento realizado na Unicamp (foto: Antoninho Perri)
Allison Almeida | Agência FAPESP – Ao longo dos anos de 2018 e 2019, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) – grupo de trabalho formado por mais de 80 cientistas de todo o país – lançou o 1º Diagnóstico Brasileiro para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e também um conjunto de relatórios temáticos que abordam questões como mudanças climáticas, conservação da água, restauração de paisagens e polinização.
Com o objetivo de discutir as principais conclusões desses documentos com a comunidade acadêmica e a sociedade em geral, foi realizado em Campinas, no dia 4 de novembro, o encontro “Biodiversidade não é problema, é solução!”. O evento ocorreu no Centro de Convenções da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“O momento político é extremamente oportuno para este debate. O Brasil teve de enfrentar este ano dois grandes problemas ambientais: a questão das queimadas – que era previsível e, portanto, evitável – e o derramamento de óleo, uma fatalidade que acaba de atingir a costa brasileira. Esses eventos mostraram como o país está despreparado para lidar com situações críticas rapidamente, de modo a mitigar os efeitos danosos ao ambiente”, disse Carlos Joly, membro da coordenação da BPBES e também do Programa BIOTA-FAPESP.
Por meio de uma revisão crítica da literatura científica e de outras formas de conhecimento, como o tradicional e o indígena, os autores do 1º Diagnóstico traçaram um panorama atual da biodiversidade brasileira e estabeleceram parâmetros para exploração econômica sustentável dos serviços ecossistêmicos. O estudo apontou que os seis biomas do país – Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Pampas e Caatinga – estão ameaçados pela ação humana em maior ou menor grau. Projeções estabelecidas por modelagens climáticas indicam que, se o nível de depredação ambiental não for revertido, a temperatura poderá subir mais de 3º C até 2070. Essa mudança causaria graves prejuízos, como a subtração de até 9% da bacia amazônica e de até 35% da bacia do rio São Francisco.
Mais do que conscientizar sobre a importância da conservação das espécies e dos biomas, o 1º Diagnóstico visa informar que a manutenção dos serviços ecossistêmicos também é relevante para a economia e a cultura do país.
“O valor agregado dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade das Américas equivale ao produto interno bruto de todas as Américas, sem considerar fatores que não podem ser monetizados, como o bem-estar humano. Desse modo, sua preservação é estratégica”, disse Cristiana Seixas, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e supervisora científica do relatório.
Com o objetivo de circular a informação além das universidades e centros de pesquisa, a equipe da BPBES também produziu um sumário voltado aos tomadores de decisão e ao público em geral, que apresenta as discussões atuais de modo mais didático e acessível. Além de cientistas, os autores consultaram organizações não governamentais, o setor empresarial e as comunidades tradicionais, como povos indígenas e quilombolas. A elaboração do trabalho contou com a participação de 164 autores de diversos estados brasileiros.
“Nosso objetivo era produzir um documento plural, com opções de governança e cenários decorrentes de ações que podem ser tomadas pelo poder público e privado. É um balizamento que fornece melhorias de gestão para questões ambientais”, disse Joly.
Como começou
Durante sua apresentação, Joly relembrou as origens da BPBES, criada oficialmente em fevereiro de 2017 com a missão de reunir o que há de melhor na produção científica nacional sobre biodiversidade e aliar essas informações com os saberes tradicionais – de modo a auxiliar os tomadores de decisão na elaboração e na implementação de ações voltadas à conservação e ao desenvolvimento sustentável. A FAPESP apoia a iniciativa no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.
A criação da BPBES foi um desdobramento de uma força-tarefa organizada no âmbito da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) para a elaboração de relatórios sobre o status da biodiversidade nas Américas.
“Havia brasileiros trabalhando em todas as instâncias da IPBES, pois temos uma comunidade científica relevante estudando biodiversidade. Percebemos que existia massa crítica suficiente para fazer um relatório nacional, que pudesse servir como ferramenta para a comunidade brasileira”, contou Joly.
Maíra Padgurschi, secretária-executiva da BPBES, afirmou que os estudos relacionados aos serviços ecossistêmicos são recentes no Brasil. A primeira publicação a abordar o tema é de 2004. Desde 2010, a produção científica na área vem crescendo gradativamente. Na avaliação da cientista, o grande desafio é aumentar o número de trabalhos voltados a medir os impactos dos serviços ecossistêmicos na qualidade de vida dos brasileiros. Outro problema apontado por Padgurschi é a concentração dos estudos em determinados biomas, como Mata Atlântica e Amazônia, em detrimento de outros, como Pantanal e Pampas.
Seixas focou em sua apresentação a importância da preservação dos serviços ecossistêmicos para o país e disse ser preciso ir além das Unidades de Conservação. “Há estudos mostrando que as terras indígenas podem até ser mais eficazes no controle do desmatamento ilegal e das queimadas, pois as Unidades de Conservação, principalmente na Amazônia, são áreas imensas e com déficit de funcionários para o monitoramento. A população indígena, por outro lado, consegue conter melhor focos de desmatamentos e de fogo”, disse.
A situação dos agentes polinizadores e sua relação com a produção de alimentos no Brasil foi o tema abordado por Kayna Agostini, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Segundo ela, 78% da polinização é realizada por abelhas no país, mas morcegos, aves e insetos também contribuem para a manutenção da biodiversidade e o melhoramento da qualidade dos alimentos.
Os serviços prestados pelos polinizadores têm um impacto relevante na economia, contribuindo com R$ 43 bilhões do PIB brasileiro em 2018, mas sofrem ameaças relacionadas às mudanças climáticas, espécies invasoras e ao uso exacerbado de agrotóxicos.
“No Brasil não existe legislação específica para a conservação dos agentes polinizadores. O diagnóstico elaborado por nós está sendo usado para a discussão de projetos de lei que abordem a preservação dos polinizadores”, contou Agostini.
As possibilidades de aumentar a produção agropecuária sem o decréscimo da vegetação nativa foram apresentadas na palestra de Renato Crouzeilles, membro do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). Para o especialista, é falsa a ideia que existe um antagonismo entre restauração e crescimento econômico.
“A mensagem mais importante do relatório [temático sobre restauração de paisagens] é que não existe disputa entre restauração e o uso da terra para a agricultura e pastagem. O que precisa é de uma gestão integrada da paisagem. É necessário achar locais com maior aptidão para cada tipo de cultura e alocar a restauração nas áreas marginais, evitando a competição”, disse Crouzeilles.
O documento revelou que, além da importância biológica, a restauração é importante também em termos econômicos. “Cada mil hectares restaurados podem gerar até 200 empregos. Um hectare em pé da Amazônia rende até R$ 3.500 por ano em serviços ecossistêmicos. O Cerrado pode render até R$ 2.300. Valores superiores à soja, que rende, em média, R$ 1.200 por hectare”, exemplificou.
Vinícius Farjalla, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), detalhou a situação dos recursos hídricos. Apesar de o Brasil possuir cerca de 12% da água doce do planeta, a situação atual requer bastante atenção dos governantes.
“Até 2030, o governo tinha o compromisso de levar saneamento para mais de 90% dos lares. Hoje, pouco mais da metade da população tem acesso a algum tratamento de esgoto”, disse Farjalla.
A escassez de água, segundo o pesquisador, também deve se acentuar se não forem adotadas medidas preventivas. “O Plano Nacional de Segurança Hídrica olha para o futuro e já entende que o Brasil terá um problema de segurança hídrica. Estima-se que, caso não haja um investimento em infraestrutura, faltará água para mais de 74 milhões de brasileiros até 2035”, ressaltou.
O levantamento feito no âmbito do Diagnóstico Brasileiro para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos indica que o Brasil tem uma série de planos e políticas públicas para o enfrentamento da situação, mas que o grande desafio é integrá-las. A questão ambiental deve ser considerada em políticas das áreas de economia e desenvolvimento, pois a sustentabilidade deveria perpassar todo o planejamento econômico do país.
“Temos uma série de políticas públicas que pouco conversam entre si e, em alguns casos, propõem ideias antagônicas. Em geral, as políticas públicas também não levam em consideração outros usos paras as águas, como a manutenção de serviços ecossistêmicos. Apenas focam no consumo humano”, disse Farjalla.
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