Na avaliação de Costa, o uso da inteligência artificial deve aprofundar as desigualdades na ciência (foto: Jose Marcal)
Cresce o interesse de pesquisadores alemães em temas explorados na academia brasileira, como o pensamento indígena e feminista negro, afirmou em entrevista à Agência FAPESP o pesquisador brasileiro Sérgio Costa, titular da Cátedra de Sociologia do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim. Ele é um dos palestrantes da FAPESP Week Alemanha
Cresce o interesse de pesquisadores alemães em temas explorados na academia brasileira, como o pensamento indígena e feminista negro, afirmou em entrevista à Agência FAPESP o pesquisador brasileiro Sérgio Costa, titular da Cátedra de Sociologia do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim. Ele é um dos palestrantes da FAPESP Week Alemanha
Na avaliação de Costa, o uso da inteligência artificial deve aprofundar as desigualdades na ciência (foto: Jose Marcal)
Elton Alisson | Agência FAPESP – A colaboração científica entre a Alemanha e o Brasil no campo das ciências sociais e humanidades tem se tornado mais simétrica. A citação de autores brasileiros em áreas como a literatura e a sociologia, por exemplo, tem aumentado nos últimos anos e há um interesse crescente de pesquisadores alemães em temas explorados no Brasil, como o pensamento indígena e feminista negro.
A avaliação é do pesquisador brasileiro Sérgio Costa, titular da Cátedra de Sociologia do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim.
Em passagem por São Paulo, onde dirige o Centro Mecila – Maria Sibylla Merian Centre Conviviality-Inequality in Latin America, um dos cinco centros internacionais de estudos avançados em ciências humanas e sociais financiados pelo Ministério Federal Alemão de Educação e Pesquisa (BMBF) em cooperação com instituições e agências de financiamento locais –, Costa concedeu uma entrevista à Agência FAPESP.
Um dos palestrantes da FAPESP Week Alemanha – evento que a FAPESP e a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG) realizam a partir de hoje (25/03) na Universidade Livre de Berlim –, o sociólogo analisa as desigualdades mais evidentes na ciência que impactam a produção e a circulação do conhecimento científico.
Agência FAPESP – Em sua palestra na FAPESP Week Alemanha o senhor abordará as desigualdades na ciência. Quais são as mais evidentes e como elas impactam a produção e a circulação do conhecimento científico?
Sérgio Costa – As desigualdades dentro da ciência levam a uma situação em que conhecimentos importantes produzidos em diferentes regiões do mundo tenham possibilidade de serem reconhecidos como relevantes de maneira muito assimétrica. Se um professor vinculado à Universidade de Oxford [na Inglaterra] publica um artigo, independentemente da qualidade do estudo, em razão do autor estar vinculado a essa instituição o trabalho dele terá impacto e difusão muito maiores do que o de outro pesquisador ligado a uma universidade em Araraquara, no interior de São Paulo, por exemplo. Ele pode produzir algo genial, que do ponto de vista da excelência do conhecimento e da qualidade da pesquisa podem ser muito melhores do que o de Oxford, mas vai demorar muito mais e talvez nem consiga publicar seus resultados. Além disso, há desigualdade dentro da ciência por áreas. Se analisarmos os níveis de financiamento das distintas ciências, algumas são obviamente mais caras porque requerem equipamentos mais sofisticados, por exemplo, mas o financiamento das diversas áreas científicas, em quase todos os países, é muito desigual. Nesse sentido, as áreas de ciências sociais e de humanidades são menos financiadas que outras, ainda que possam ter relevância muito maior em países como o Brasil, onde discutir as enormes desigualdades existentes do ponto de vista das ciências sociais é tão fundamental quanto desenvolver tecnologias para certas áreas. Mas, obviamente, na percepção social e política a tecnologia tem um papel muito mais importante e isso se reflete no financiamento desigual.
Agência FAPESP – De que forma a inteligência artificial pode contribuir para o aumento da desigualdade na ciência?
Costa – O uso da inteligência artificial dentro da ciência já está sendo feito de maneira muito desigual e isso vai se aprofundar. Alguns países e centros de produção científica vão conseguir se beneficiar muito mais dessa tecnologia do que outros. Dessa forma, a tendência não é que a inteligência artificial e as novas tecnologias vão contribuir para diminuir a desigualdade. Ao contrário: elas vão acelerar, multiplicar e potencializar as desigualdades existentes. Uma das razões para isso é que os centros que produzem essas novas tecnologias, que desenvolvem os algoritmos e determinam o que será difundido, por exemplo, não estão situados em países do Sul Global. A possibilidade de um pesquisador do Burundi ou de Gana [na África] efetivamente influenciar esse processo é zero. E a utilização dessas novas tecnologias para fins científicos também está desigualmente distribuída.
Agência FAPESP – Como o processo de publicação de artigos científicos contribui para aprofundar a desigualdade na ciência?
Costa – Há desigualdade no processo de decisão de transformação dos resultados científicos e das descobertas acadêmicas em mercadoria, ou seja, de comoditização e de mercantilização do conhecimento. Há, basicamente, cinco grandes editoras científicas capazes de transformar conhecimento acadêmico em mercadoria, que é vendida a um preço muito caro, ainda que, em geral, o financiamento que gerou a produção desse conhecimento e os pesquisadores foram pagos com recursos públicos. Mas, no fundo, quem se apropria dos benefícios ao vender a publicação são poucas editoras que formam, basicamente, um oligopólio da produção acadêmica. E isso também gera desigualdades. Em resposta a isso, há um grande movimento hoje pela ciência aberta, em relação ao qual sou completamente favorável, acho que deve acontecer, mas, se não for bem conduzido, também pode gerar novas desigualdades, porque a open Science é baseada no mercado de publicações pagas. Portanto, os pesquisadores ou as suas instituições têm de pagar para que os resultados de seus estudos possam ser acessíveis sem custos para o leitor final. E o que vai acontecer – e já está acontecendo – é que países que têm instituições mais fortes e sólidas financeiramente não têm nenhum problema em pagar US$ 2 mil, US$ 5 mil ou até US$ 10 mil para um artigo ser publicado em uma revista indexada importante. Já um país como o Brasil, que até tem financiamento a pesquisa que não é dos piores, terá dificuldade para pagar esse valor para publicar artigos científicos.
Agência FAPESP – Qual seria a alternativa para isso?
Costa – Acho que, nesse caso, a alternativa seria apostar em sistemas abertos que, ao mesmo tempo, não visam lucro. Um dos melhores exemplos mundiais que temos hoje surgiu no Estado de São Paulo, que foi a SciELO [plataforma Scientific Electronic Library Online, lançada em 1997 com apoio da FAPESP]. Isso poderia ser o modelo para divulgação científica no mundo. Dessa forma teríamos, de fato, ciência aberta.
Agência FAPESP – Com base na sua experiência de colaboração científica entre a Alemanha, o Brasil e outros países da América Latina, que mecanismos apontaria como os mais promissores para tentar diminuir as desigualdades na ciência?
Costa – Com base nas minhas experiências, mas também observando iniciativas bem-sucedidas nessa área, eu diria que a grande chave para diminuir desigualdades na ciência são as redes de pesquisa multilaterais, transnacionais. Dessa forma, é possível vincular circuitos de conhecimentos diversos, como resultados de estudos publicados por pesquisadores brasileiros na SciELO, por exemplo, com trabalhos em revistas científicas de maior prestígio internacional divulgados por pesquisadores de outros países, como a Alemanha. Isso permitiria que eles intercambiassem publicações e geraria mecanismos para quebrar essas assimetrias. A ideia das redes de pesquisa multilaterais é dar visibilidade a conhecimentos de excelência que hoje não têm, mas que merecem grande projeção.
Agência FAPESP – A desigualdade na ciência é um tema a que o senhor vem se dedicando a estudar nos últimos anos no Instituto de Estudos Latino-Americanos?
Costa – Na sociologia existe uma subdisciplina denominada sociologia do conhecimento, e eu não sou um sociólogo especializado nesse tema. Minhas reflexões sobre o tema da desigualdade dentro da ciência são muito mais baseadas na minha experiência e vivência como um pesquisador que está muito vinculado tanto à Europa como à América Latina e que, portanto, observa as condições de publicação e circulação de conhecimento nessas duas regiões. Eu não diria que sou um especialista nessa área. As minhas áreas de especialidade são desigualdades sociais e as possibilidades de convivência em contextos plurais. Essas são as linhas originais de pesquisa. Minha reflexão sobre a desigualdade dentro da ciência é mais na condição de ator, que vive isso, e não como alguém que é especializado em estudar esse tema.
Agência FAPESP – Quando a Universidade Livre de Berlim criou o instituto e quais foram as motivações?
Costa – O Instituto de Estudos Latino-Americanos da Freie Universität Berlin [Universidade Livre de Berlim] foi criado em 1970, em um momento de grande inquietação na Europa marcado pelo maio de 1968 [na França], quando ocorreu uma grande mobilização dos estudantes contra o autoritarismo e aumentou o interesse dos europeus em conhecer melhor outras regiões do mundo. Já naquela altura, existia uma crítica à visão eurocêntrica do mundo, baseada só no olhar dirigido para a Europa ou para os Estados Unidos, e aumentou o interesse em abrir a visão para outras regiões do globo. Foi nesse espírito que nasceu o instituto, que congrega seis disciplinas e, mais recentemente, uma sobre estudos de gênero. Mas as disciplinas originais foram sociologia, economia, história, antropologia, literatura e ciência política, que são até hoje representadas por cátedras. Eu sou catedrático de sociologia do instituto desde 2008. E o nosso interesse é estudar a América Latina, não como uma região desconectada do resto do mundo. Todos os nossos programas de pesquisa enfatizam a relação entre a América Latina e o resto do mundo. Se pensarmos, por exemplo, hoje a transição energética na Europa não é feita sem vínculos com a América Latina. Boa parte das matérias-primas utilizadas para produzir os carros elétricos, por exemplo, sai da América Latina, onde são gerados os custos ambientais, econômicos e sociais. Entender essas conexões sempre esteve no nosso radar – e é isso que a gente continua fazendo até hoje. O objetivo é entender os vínculos, os entrelaçamentos entre as diversas regiões do mundo e o lugar da América Latina dentro deles.
Agência FAPESP – Uma das linhas de pesquisas do Instituto de Estudos Latino-Americanos trata da imigração. Quais aspectos desse tema, que se tornou emergente com a ascensão de políticos ultranacionalistas nos últimos anos, os pesquisadores da instituição têm se dedicado a estudar?
Costa – A especialista em imigração do nosso instituto é a catedrática de antropologia Stephanie Schütze, que também é pesquisadora principal do Mecila. Ela inclusive estudou a presença da imigração boliviana feminina em São Paulo. A ênfase nos estudos sobre o tema da imigração no instituto é entendê-la não como um problema, mas abrir o olhar sobre ela. O que tem acontecido hoje – e isso ficou muito evidente nas últimas eleições do parlamento na Alemanha [em fevereiro] – é como a extrema direita foi capaz de tomar a imigração só pelo seu lado problemático. Obviamente que alguns imigrantes fizeram um grande favor à extrema direita com os atentados cometidos recentemente no país, que, além dos ataques inaceitáveis à vida de civis, tiveram impacto muito negativo do ponto de vista político. Mas o que se percebe em um país como a Alemanha é que ela depende de imigrantes. A Alemanha sem imigrantes não é capaz de manter serviços essenciais básicos. Boa parte dos serviços de cuidado de idosos no país hoje, por exemplo, é realizada por imigrantes e há falta de mão de obra. Se a Alemanha decidir, de fato, interromper o processo migratório está se autocondenando a uma falta de futuro, inclusive pela pirâmide etária, porque é um país de idosos. E quem vai cuidar desses idosos? Sem imigração o país não é sustentável e, portanto, a Alemanha precisa de imigrantes. As próprias lideranças empresariais dizem que precisam de imigração, mas a extrema direita conseguiu dizer que esse é o grande problema da Alemanha hoje e transformou a imigração em um bode expiatório. O país diminuiu muito os investimentos em infraestrutura e em segurança nos últimos anos, mas a extrema direita vocalizou a ideia de que é a imigração que está gerando todos os problemas que a Alemanha tem hoje. Para um conjunto de problemas complexos se encontrou uma explicação muito fácil e, com isso, a extrema direita chegou a mais de 20% dos votos, o que é muito chocante em um país com a história da Alemanha.
Agência FAPESP – Os imigrantes também deram e continuam contribuindo muito para o avanço da ciência e a tecnologia da Alemanha. O exemplo mais recente foi o da startup alemã BioNTech, fundada por um casal de cientistas de ascendência turca, que se associou à Pfizer para desenvolver uma das primeiras vacinas contra a COVID-19. Nesse sentido, o impacto da imigração para o avanço da ciência em países como a Alemanha não tem sido devidamente reconhecido?
Costa – Esse exemplo carrega uma simbologia muito grande porque, em um momento em que o país e o mundo estavam afundados em uma crise sanitária, descendentes de imigrantes conseguiram, de fato, desenvolver uma vacina, inclusive gerando não só prestígio acadêmico e político, mas também muitos recursos econômicos para o país. A cidade de Meinz [onde está sediada a BioNTech] se tornou rica por causa dessa startup.
Agência FAPESP – Os impactos das novas políticas migratórias já têm sido percebidos na ciência alemã?
Costa – É difícil oferecer uma resposta válida, de maneira geral, para essa pergunta. Eu acho que há casos isolados de pessoas que são desencorajadas a ir para a Alemanha – no caso dos Estados Unidos isso é muito mais evidente – pelo fato de temerem ser perseguidas, por exemplo. O impacto estatístico ou quantitativo disso é muito difícil de ser avaliado, sobretudo porque é complicado na ciência analisar algo que não aconteceu, ou seja, saber quantas pessoas deixaram de ir para a Alemanha para trabalhar nas universidades, por exemplo, por esse temor. É muito mais fácil computar quem veio, mas quem deixou de ir é tecnicamente muito difícil de saber. Mas acho que é mais fácil detectar o desconforto que isso tem causado para as pessoas que já estão lá. De fato, há professores que evitam trabalhar em determinadas universidades que estão situadas em cidades muito marcadas pelo extremismo de direita, por exemplo. Além disso, há também um impacto na agenda acadêmica. Há uma grande pressão, por exemplo, sobre colegas da área de estudos de gênero. A extrema direita busca cancelar essas pessoas, dizer que o que estudam é ideologia, sendo que existe uma desigualdade de gênero que é muito marcada ainda na Alemanha e é fundamental estudar isso e saber como superar. Mas a extrema direita é capaz de transformar isso em ideologia que não faz sentido, descredibilizando todos os estudos dessa área. E isso afeta os pesquisadores desse tema. Isso também acontece com pesquisadores que estudam outros temas, como a própria migração, e que estão sendo acusados de forma totalmente descabida de favorecer a invasão da Alemanha por imigrantes, por exemplo.
Agência FAPESP – Alguns cientistas políticos avaliam que uma das razões pelas quais os líderes ultranacionalistas têm atacado os imigrantes é que, uma vez que os grandes problemas com os quais os países estão lidando hoje, como as mudanças climáticas, transbordam as fronteiras dos países e, portanto, requerem ação coordenada e em escala global, a imigração é uma questão doméstica para a qual é possível cumprirem a promessa de campanha de que vão combater. Essa mesma lógica se aplica no caso da Alemanha?
Costa – Isso é verdade. Em um evento realizado recentemente no Centro Mecila sobre clima, com a participação de um jornalista alemão, ele falou algo muito interessante. Disse que a política não propõe problemas para os quais ela não tem resposta. Isso casa muito bem com a sua colocação, ou seja, que políticos da extrema direita formulam problemas que acreditam que podem ser resolvidos. No caso de banir a imigração isso teria consequências e não seria tão fácil de ser implementado, porque tem o direito europeu e o nacional que impediriam simplesmente de fechar as fronteiras da Alemanha, por exemplo. Mas de alguma maneira, ao observar o que Trump está fazendo nos Estados Unidos, com pleno desrespeito aos direitos humanos, de alguma maneira ele está cumprindo suas promessas de campanha. Isso obviamente não vai resolver os problemas dos Estados Unidos, mas para esse problema que ele formulou ele está dando uma resposta. Então, de fato existe esse mecanismo. E se tomarmos as dimensões da imigração no mundo, são 4% da população mundial que migrou ou que é migrante. Os outros 96% não são migrantes. Ou seja, será que de fato esses 4% podem ser responsáveis por todos os problemas do mundo contemporâneo? Certamente não. Acho que os migrantes hoje são muito mais uma solução do que um problema para países como a Alemanha, com pirâmides etárias envelhecidas.
Agência FAPESP – Como foi sua trajetória científica e acadêmica até se estabelecer na Alemanha?
Costa – Fui para a Alemanha fazer doutorado com bolsa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e voltei ao Brasil, onde fiquei mais quatro anos. Depois disso surgiu um convite para voltar para a Alemanha e fazer a livre-docência e eu aceitei com a expectativa de depois retornar ao Brasil novamente, uma vez que a carreira acadêmica na Alemanha é muito ingrata para os pesquisadores. Até a livre-docência, em geral, os pesquisadores lá não têm contrato permanente de trabalho. São contratos temporários. Então eu deixei um contrato permanente no Brasil com o objetivo de fazer livre-docência, com um contrato ainda temporário. Mas, em 2007, quando tinha terminado a livre-docência, por uma boa coincidência foi aberto um concurso para um cargo permanente na Universidade Livre de Berlim, para o qual me candidatei e, felizmente, fui escolhido. Esses concursos são bastante competitivos. Mas, dada a minha trajetória acadêmica na Alemanha e a experiência em pesquisa no Brasil, isso me credenciou para a cátedra que ocupo hoje e que, aliás, na sociologia, é a única de estudos sobre a América Latina na Alemanha. Isso mostra um pouco o quão fechado é o mercado de trabalho acadêmico na Alemanha. Obviamente que há outros pesquisadores e professores das ciências sociais na Alemanha que pesquisam sobre a América Latina, mas não em uma cátedra específica.
Agência FAPESP – Como avalia a colaboração científica entre o Brasil e a Alemanha no campo das ciências sociais e humanidades?
Costa – De maneira geral, há um intercâmbio intenso tanto em termos de números de estudantes que se formam na Alemanha e voltam para o Brasil quanto em termos de intercâmbio e de projetos conjuntos. Já a coautoria não é um bom fator para medir o nível de densidade da colaboração nas ciências sociais e humanidades porque, em geral, são muito mais raras do que nas áreas das ciências “duras”. A exemplo do Brasil, a economia e a ciência política na Alemanha também são mais anglófonas e eu diria também anglófilas. Ainda assim, há muita cooperação entre os dois países também nessas áreas mais dominadas pela produção sobretudo dos Estados Unidos. Destaco ainda a literatura, onde há muitos estudos, citação de autores dos dois países e há uma quantidade expressiva de pesquisadores na Alemanha que estudam literatura brasileira. A filosofia e a sociologia também são campos tradicionais em que há um intercâmbio intenso. O que eu acho que felizmente está acontecendo atualmente é um pouco mais de simetria nesse intercâmbio, porque antes a visão que se tinha é que estudantes brasileiros iam para a Alemanha e voltavam para o Brasil para aplicar os métodos e teorias aprendidas. Em partes isso ainda ocorre, mas em algumas áreas mudou bastante. Temos muito mais simetria e colaboração. Grandes autores alemães que são muito citados, como o Niklas Luhmann [1927-1998, sociólogo alemão apontado como um dos principais autores das teorias sociais do século 20] ou o Jürgen Habermas [sociólogo e filósofo alemão vinculado à teoria crítica, nascido em 1929] morreram ou já encerraram sua vida acadêmica. Eles continuam sendo citados, mas não mais com a mesma frequência de antes. Por outro lado, estão sendo introduzidas novas áreas nas ciências sociais e humanidades na Alemanha que não existiam antes. O interesse, por exemplo, pelo pensamento indígena, que há 20 anos era quase desconhecido, hoje atrai muita atenção. O livro A queda do céu, escrito por Davi Kopenawa em parceria com Bruce Albert [antropólogo francês], por exemplo, acabou de ser traduzido, ganhou uma edição ampliada em alemão e, guardados os devidos termos, é um grande sucesso editorial na Alemanha. Além disso, existem novas áreas que foram sendo abertas, como a sobre o pensamento feminista negro brasileiro. É algo que há 20 anos era muito pouco conhecido no país. Hoje tem muita gente na Alemanha estudando Lélia Gonzalez [1935-1994, filósofa e antropóloga brasileira] e Sueli Carneiro [filósofa brasileira]. São novidades muito interessantes que temos observado. Isso permite estabelecer, de fato, um fluxo de mão dupla e não apenas transferência de conhecimento da Alemanha para o Brasil.
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