Centolla e bosques de Kelps na região subantártica chilena (foto: Mathias Hune)

Mudança Climática
Colaboração Chile-Brasil avalia impactos da mudança climática em um dos locais mais intocados do mundo
01 de março de 2024
EN ES

Por meio de parceria com cientistas da Universidade de Magallanes, do Chile, pesquisadores brasileiros realizam estudos na região subantártica chilena

Mudança Climática
Colaboração Chile-Brasil avalia impactos da mudança climática em um dos locais mais intocados do mundo

Por meio de parceria com cientistas da Universidade de Magallanes, do Chile, pesquisadores brasileiros realizam estudos na região subantártica chilena

01 de março de 2024
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Centolla e bosques de Kelps na região subantártica chilena (foto: Mathias Hune)

 

Elton Alisson | Agência FAPESP – No extremo Sul das Américas está situada a região subantártica chilena, um dos lugares mais intocados do mundo. Por isso o local, onde está localizado o Cabo de Hornos, é considerado um laboratório natural para observar as causas e as consequências das mudanças climáticas globais em um ambiente pouco alterado diretamente pela ação humana.

Por meio da colaboração com cientistas da Universidade de Magallanes, do Chile, pesquisadores brasileiros têm realizado estudos na região desde o ano 2000.

A parceira, que já resultou na publicação de diversos artigos científicos, livros e convênios, ganhou impulso com a inauguração, em maio de 2023, do Centro Internacional do Cabo Horn para Estudos de Mudança Global e Conservação Biocultural (CHIC, na sigla em inglês).

Localizado em Porto Williams, no norte da Ilha Navarino, no arquipélago da Terra do Fogo, o CHIC servirá como uma base estratégica para a realização de pesquisas transdisciplinares em áreas como climatologia, biodiversidade marinha, glaciologia, biologia terrestre e educação.

Com um investimento de mais de 10 bilhões de pesos chilenos – equivalente a R$ 300 milhões – por um período de dez anos, renovável por mais cinco anos, o projeto representa um dos maiores investimentos já feitos em ciência e tecnologia na região.

“Por meio do CHIC um grupo de mais de 80 pesquisadores, vinculados à Universidade de Magallanes e a outras instituições internacionais, tem desenvolvido um trabalho interdisciplinar inédito, que integra ciências, educação, artes e ética ambiental em programas de pesquisa, educação ambiental, conservação e turismo sustentável”, diz à Agência FAPESP Flávio Berchez, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e um dos participantes do projeto.

Em outubro de 2023, Berchez e mais seis pesquisadores brasileiros participaram no CHIC de um workshop da rede binacional Chile-Brasil para Estudos dos Ecossistemas Marinhos Subantárticos com o objetivo de planejar novas linhas de pesquisa colaborativa.

Um dos estudos que os pesquisadores pretendem realizar por meio dos projetos em parceria será voltado a investigar os padrões de distribuição de espécies de algas marinhas e microrganismos associados a elas ao longo da costa do Atlântico Sul, por exemplo.

Com as mudanças climáticas globais, espécies de algas marinhas e seus microrganismos associados podem migrar para regiões com temperaturas mais amenas, explica Mariana Cabral de Oliveira, professora do IB-USP e integrante da colaboração.

“Seria muito interessante verificar as barreiras biogeográficas existentes para essa migração no Atlântico Sul de massas de algas pardas flutuantes, presentes no Brasil e no Chile, por exemplo. É importante avaliar o impacto da chegada dessas massas na flora local”, indica a pesquisadora.

Ameaça às algas gigantes

De acordo com Oliveira, no Cabo de Hornos são encontrados bosques submarinos de kelps, formados por espécies de algas gigantes que chegam a medir até 60 metros.

Consideradas “engenheiras ambientais”, por estruturar ecossistemas inteiros, essas algas fornecem continuamente abrigo, alimento, proteção e acomodação para reprodução de diversos organismos, dentre eles muitos de interesse pesqueiro, como peixes e caranguejos como a Centolla ou “caranguejo-rei”. Além disso, estudos mostram que as algas gigantes constituem protetores naturais contra a radiação ultravioleta (UV) para diversos organismos marinhos ao filtrar a radiação solar.

Devido a uma diferença genética, esses bosques submarinos no Cabo de Hornos são perenes, ao contrário dos demais do Chile. Alguns estudos têm mostrado, contudo, que eles já podem estar sendo afetados pelas mudanças climáticas.

O derretimento de geleiras a um ritmo mais acelerado tem levado uma quantidade maior de sedimentos de água doce para regiões costeiras. Na coluna d’água, a presença desses sedimentos pode sombrear as populações de algas gigantes.

“Isso pode causar a perda ou outros efeitos negativos nessas algas. Precisamos estudar isso agora com maior nível de detalhe porque essas mudanças já estão ocorrendo”, afirma Oliveira.

O aumento da temperatura do mar também tem causado a diminuição da disponibilidade de nutrientes, encontrados em maior abundância em águas mais frias, e afetado o crescimento das algas gigantes.

Sob temperaturas mais quentes, esses organismos também aumentam a taxa respiratória e, consequentemente, têm crescimento mais lento, explica Berchez.

“Esses e outros fatores podem impactar os bosques de algas gigantes naquela região. Esse fenômeno foi detectado, pela primeira vez, na Austrália, em 2011, e também ocorre em outros lugares. É preciso avaliar se já está ocorrendo na região do Cabo de Hornos”, sublinha.

Emissão de gases de efeito estufa

Além do ambiente marinho, as mudanças climáticas devem impactar o ambiente terrestre da região, também altamente isolado geograficamente, tendo ao lado norte tanto a região dos Andes e seus glaciares permanentes como também a região extremamente seca da Patagônia argentina e, nas demais direções, o oceano.

Uma das principais preocupações está relacionada ao aumento da temperatura nas extensas áreas da região cobertas por turfeiras (a turfa é um material de origem vegetal, parcialmente decomposto, encontrado geralmente em regiões pantanosas e também em montanhas). O aquecimento tem causado o degelo e a decomposição das turfeiras e, consequentemente, a emissão de metano, um dos mais potentes gases de efeito estufa (GEE).

“Isso já está ocorrendo em lugares como a Sibéria. No início do processo de decomposição, as turfeiras passam a emitir metano, que é um gás de efeito estufa muito mais intenso do que o dióxido de carbono. Essas emissões já vêm sendo medidas”, afirma Berchez.

A colaboração brasileira também é integrada por Pio Colepicolo Neto, professor do Instituto de Química da USP; e Luiz Mafra, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), além de Oreste Alarcon e Paulo Horta, professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
 

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