Em conferência magna, o professor da USP Ismail Xavier apontou que fotógrafos e cinegrafistas não participaram do grande evento modernista, nem como artistas, nem como documentadores. E também destacou a atuação de Mário de Andrade como crítico de cinema (Marta Arretche e Ismail Xavier; imagem: reprodução)

Cinema e fotografia estiveram ausentes da Semana de Arte Moderna
21 de fevereiro de 2022

Em conferência magna, o professor da USP Ismail Xavier apontou que fotógrafos e cinegrafistas não participaram do grande evento modernista, nem como artistas, nem como documentadores. E também destacou a atuação de Mário de Andrade como crítico de cinema

Cinema e fotografia estiveram ausentes da Semana de Arte Moderna

Em conferência magna, o professor da USP Ismail Xavier apontou que fotógrafos e cinegrafistas não participaram do grande evento modernista, nem como artistas, nem como documentadores. E também destacou a atuação de Mário de Andrade como crítico de cinema

21 de fevereiro de 2022

Em conferência magna, o professor da USP Ismail Xavier apontou que fotógrafos e cinegrafistas não participaram do grande evento modernista, nem como artistas, nem como documentadores. E também destacou a atuação de Mário de Andrade como crítico de cinema (Marta Arretche e Ismail Xavier; imagem: reprodução)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – “Homem de sete instrumentos”, como se dizia antigamente, ou “trezentos, trezentos e cinquenta”, como ele mesmo se autodefiniu em um poema famoso, Mário de Andrade (1893-1945) foi de tudo um pouco, ou de tudo um muito. Poeta e romancista, cronista e crítico, musicólogo e historiador da arte, folclorista e etnólogo, agitador e gestor cultural, o principal nome do assim chamado modernismo brasileiro produziu uma obra prodigiosa em seus exíguos 51 anos de vida.

Um aspecto de sua produção polifônica foi a crítica de cinema, que exerceu como articulista da revista mensal Klaxon, criada em São Paulo três meses depois da Semana de Arte Moderna. Essa faceta menos conhecida do autor de Pauliceia Desvairada foi comentada por Ismail Xavier em sua conferência magna “Modernismo e Cinema”, apresentada durante o ciclo de eventos on-line “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura”, promovido pela FAPESP.

Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e considerado um dos principais pesquisadores no campo dos estudos cinematográficos, Xavier começou sua conferência destacando a ausência do cinema e da fotografia na Semana de Arte Moderna de 1922: ausência tanto como expressão artística quanto como documentação.

“Não houve fotografia como documentação na Semana. A famosa foto em que aparecem alguns dos principais modernistas não é de 1922, mas de uma homenagem prestada a Paulo Prado em 1924”, disse.

Nessa foto, em que só se veem homens, todos devidamente engravatados, os modernistas distribuem-se de forma aproximadamente simétrica ao redor do milionário escritor Paulo Prado (1869-1943), descendente de uma das mais aristocráticas famílias paulistas, cafeicultor, investidor e mecenas, que custeava todas as extravagâncias dos jovens artistas. Na composição algo teatral da cena, Oswald de Andrade aparece sentado no chão à frente do grupo, em uma atitude que ele mesmo deve ter considerado muito ousada para os padrões comportamentais da época.

Xavier ressaltou que é curioso o fato de os modernistas não terem se preocupado em documentar fotográfica ou cinematograficamente a Semana, pois havia fotógrafos e cinegrafistas profissionais de qualidade. E isso, no caso dos fotógrafos, desde o século 19. Exemplo da documentação de um acontecimento bastante infeliz, citado por Xavier, foi o registro fotográfico do corpo morto de Antônio Conselheiro (1830-1897), líder espiritual e temporal da rebelião de Canudos, feito em 1897 pelo fotógrafo Augusto Flavio de Barros.

“No próprio ano de 1922, por ocasião do centenário da Independência do Brasil, houve filmes nas comemorações realizadas em setembro”, afirmou o pesquisador. E mencionou também um filme de uma hora de duração sobre a empresa Votorantim, fundada em 1918 por José Ermírio de Moraes.

Xavier comentou que fotógrafos e cinegrafistas poderiam ter sido contratados para documentar a Semana, mas, por algum motivo desconhecido, não o foram. Quanto à participação desses profissionais como artistas, isso é outra questão. O pesquisador ressalvou que, a despeito do apuro técnico e do valor documental de fotografias e filmes feitos no período, seus autores não tinham pretensões artísticas. E muito menos pretensões vanguardistas. Eram profissionais sempre batalhando por clientes capazes de pagar por seus serviços. “Mesmo na França, o cinema só se desenvolveu como arte de vanguarda a partir da década de 1920”, falou.

Como exemplos precursores do vanguardismo no campo da fotografia, Xavier mencionou o chamado “fotodinamismo futurista”, protagonizado principalmente pelo italiano Umberto Boccioni (1882-1916), com suas colagens fotográficas procurando retratar vários momentos da ação para transmitir uma ideia de movimento – procedimento que Boccioni adotou também em suas pinturas. E citou ainda as fotos altamente inovadoras de Man Ray (1890-1976), realizadas primeiro em Nova York e depois em Paris, baseadas em conceitos dadaístas e, mais tarde, surrealistas.

O próprio Mário de Andrade dedicou-se à fotografia, principalmente no período entre 1927 e 1929, época de suas viagens ao Norte e ao Nordeste. Já antes disso, ele estava bastante informado sobre as tendências vanguardistas em fotografia por meio da leitura de revistas europeias – principalmente a alemã Der Querschnitt. Quanto ao cinema, Xavier apontou que ele era um “cinéfilo contumaz” e um “crítico de extrema sensibilidade”.

Suas críticas, afirmou o pesquisador, eram muito argutas na apreciação do tema, da construção dos personagens e do desenvolvimento da trama, mas, publicadas como artigos breves na Klaxon, não se detinham nas questões mais específicas da linguagem cinematográfica: coisas como plano, cena, sequência etc.

Moderada por Marta Arretche, a conferência “Modernismo e Cinema” pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=d-j-Cu0s6-k.

Os demais eventos do ciclo “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura” podem ser conferidos em: fapesp.br/eventos/semanartemoderna.
 

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