Ciência para o desenvolvimento
11 de julho de 2003

Há 55 anos, a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, segundo maior encontro científico no mundo, apresenta resultados de pesquisas, discute políticas científicas e tecnológicas e se confirma como fórum demócratico

Ciência para o desenvolvimento

Há 55 anos, a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, segundo maior encontro científico no mundo, apresenta resultados de pesquisas, discute políticas científicas e tecnológicas e se confirma como fórum demócratico

11 de julho de 2003

 

Por Fernando Cunha


Criada por cientistas em 1948 para defender seus interesses e lutar pelo avanço da ciência no país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) viveu períodos de maior ou menor mobilização em torno de temas políticos. E cresceu. Dos pouco mais de cem participantes da reunião realizada em Campinas, em 1949, a primeira organizada a partir do movimento pela manutenção da atividade de pesquisa científica no Instituto Butantan, decisivo para a criação da Sociedade, um público acima de 12 mil pessoas é esperado no encontro deste ano, em Recife.

Na maratona científica de simpósios, conferências e minicursos da reunião que acontece de 13 a 18/7, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, o tema central Educação, Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social é uma demonstração de que a ciência e problemas sociais e econômicos são assuntos que a SBPC não separa.

Para Glaci Zancan, da Universidade Federal do Paraná, que deixa a presidência da Sociedade depois de dois mandatos consecutivos na próxima quinta-feira, o que se quer é ver a experiência de pesquisadores a serviço da solução de problemas que afetam a sociedade brasileira e dar visibilidade para as questões levantadas na reunião.

"O encontro deste ano é muito centrado nas ciências humanas, pelo tema. Então, os debates deverão ser polêmicos, assim eu espero", disse Glaci em entrevista à Agência FAPESP. "O encontro do ano passado foi focado na agricultura, mas parece que a mídia não percebeu as diversas atividades sobre o tema."

Nos primeiros anos de atividade, sob a presidência de Jorge Americano, a SBPC procurou integrar comunidades científicas internacionais e, por sugestão da Organização da Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) adotou, nos encontros anuais, temas centrais.

Nos final dos anos 40, a alimentação e a industrialização às margens de matas, por exemplo, eram as principais preocupações dos cientistas. A questão nuclear, que seria o centro do conflito entre cientistas e o regime militar a partir dos anos 70, foi o tema discutido na reunião de 1958.

A década de 50 foi marcada pela politização da Sociedade. Discutia-se a revalorização do CNPq, a criação de um ministério de ciência e tecnologia e, principalmente, a definição de uma política científica para o país, tendência acirrada com o golpe de 1964 e com as ameaças do regime autoritário aos cientistas que resultaram numa sucessão de aposentadorias compulsórias.

Na abertura da reunião de 1966, o presidente da SBPC Maurício Rocha e Silva declarou seu desprezo por essas medidas. Uma das bandeiras da entidade era uma reforma universitária adequada às necessidades de desenvolvimento do país. Na crise de 1968, a Sociedade divulgou um documento que denunciava a insatisfação da comunidade científica e de intelectuais com a "estrutura arcaica das nossas instituições universidades e métodos obsoletos de ensino nos cursos médio e até primário".

Nos anos 70, ciência nas sociedades capitalistas, ecologia, energia nuclear, povos indígenas, subnutrição, demografia e, nos anos seguintes, a luta pela readmissão de cientistas afastados e até um pedido de renúncia do presidente Fernando Collor de Mello marcaram os congressos.

Mudanças

Em 55 anos, a SBPC atraiu mais de 4.800 associados e aproximou também estudantes de primeiro grau, com a diversificação de atividades que promoveu. A reunião tornou-se o maior encontro sobre ciência do hemisfério Sul e só perde, no mundo, para a da American Association for the Advancement of Science (AAAS), sua irmã norte-americana fundada em 1848.

Mesmo com o crescimento e a mudança do perfil de seus associados, a SBPC se mantém um fórum democrático, com o mesmo rigor na avaliação dos trabalhos aceitos em cada congresso. Para Aldo Malavasi, que organiza os encontros desde 1994 e há 5 anos coordena as reuniões anuais, o que se vê hoje é uma maior abertura para a participação de trabalhos de iniciação científica, que hoje representam mais da metade dos 3.870 inscritos. "A reunião é uma chance para o pessoal que ainda está na graduação ter contato com cientistas sêniores de todas as áreas", explica.

Da mesma forma, Malavasi vê formas de ampliar a ação da Sociedade na criação da Expociência, que há dez anos aproxima universidades, instituições de pesquisa e empresas, na SBPC Jovem, voltada para alunos do ensino médio, e na Jornada de Iniciação Científica, onde os melhores trabalhos das universidades brasileiras são também apresentados.

Carlos Vogt, vice-presidente da SPBC e presidente da FAPESP, entende que na multidisciplinaridade da programação está uma atuação mais forte no que diz respeito às políticas de ciência e tecnologia. Nesse sentido, a Sociedade está reencontrando seu sólido papel na sociedade, ou seja, sua função social na organização do sistema de pesquisa brasileiro. "A SBPC, depois dos anos duros da ditadura, em que teve papel de fórum político importante, voltou a ser um fórum de apresentação de resultados de pesquisa, ao mesmo tempo em que discute políticas de ciência e tecnologia no país", diz.

Sobre o tema desta 55ª reunião, Glaci Zancan vê na descentralização da ciência uma forma de vencer a desigualdade social. "Não existe ciência de terceiro mundo ou de quarto mundo, existe ciência. Ela pode ser boa ou ruim. Se é boa, vai ser de ponta, vai tentar encontrar soluções. Se você olhar o portfólio de pesquisas do CNPq, ou mesmo da FAPESP, você vai ver que há pesquisadores buscando resolver grandes problemas, grande perguntas do Brasil. Se você tiver os estudantes universitários fazendo iniciação científica voltados para os problemas locais, se você tiver inovação tecnológica, promovendo o empreendedorismo nas universidades, usando o conhecimento científico para resolver problemas, você vai fazer desenvolvimento social", diz.


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