Dois terços dos cientistas franceses aderem a movimento contra cortes nos orçamentos e falta de apoio do governo do país para pesquisa

Ciência francesa em xeque
19 de março de 2004

Dois terços dos cientistas na França aderem a movimento contra cortes nos orçamentos e falta de apoio do governo Chirac para C&T. Mais de 3 mil dirigentes de centros científicos ameaçam pedir demissão caso nenhuma medida seja feita "para evitar o colapso da pesquisa" no país

Ciência francesa em xeque

Dois terços dos cientistas na França aderem a movimento contra cortes nos orçamentos e falta de apoio do governo Chirac para C&T. Mais de 3 mil dirigentes de centros científicos ameaçam pedir demissão caso nenhuma medida seja feita "para evitar o colapso da pesquisa" no país

19 de março de 2004

Dois terços dos cientistas franceses aderem a movimento contra cortes nos orçamentos e falta de apoio do governo do país para pesquisa

 

Agência FAPESP - De tão grave, a crise que vive a ciência e a tecnologia na França parece sem solução. O que começou em janeiro como um simples protesto de alguns cientistas, que acusavam o governo do país de ter abandonado o apoio à pesquisa, explodiu num movimento sem precedentes.

Um espantoso número de cientistas com poder de decisão colocou seus postos à disposição. São até o momento 1.332 diretores e 1.958 chefes de equipe de laboratórios e centros de pesquisa dispostos a deixar seus cargos administrativos se o governo não adotar medidas que indiquem uma mudança nos rumos atuais do setor.

O movimento, chamado "Salvemos a pesquisa", também já conseguiu reunir mais de 70 mil assinaturas de cientistas e demais profissionais que trabalham no setor, o que equivale a dois terços do total, além de cerca de 200 mil assinaturas de simpatizantes.

O apoio surge individualmente e não se deve a sindicatos ou associações. O mais notável é que vem dos mais variados escalões, de estudantes a dirigentes como Etienne Baulieu, presidente da Academia Francesa de Ciências, ou Jean-Louis Virelizier, diretor científico do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm). Nomes famosos como o do filósofo Jacques Derrida, ou o do sociólogo Alain Touraine, também engrossam a lista.

Na maior ação dos manifestantes, marcada para esta sexta-feira (19/3), centros de pesquisa de 25 cidades do país estarão paralisando suas atividades normais por algumas horas para discutir ações e medidas que possam fortalecer o movimento que, por enquanto, não parece ter sensibilizado o governo.

"O comprometimento com a pesquisa deve ser histórico", disse o presidente Jacques Chirac, em 2002, quando se comprometeu a aumentar o investimento no setor de 2,2% para 3% do PIB em oito anos. A revista Nature ironizou a afirmação em editorial recente, dizendo que deve entrar para os anais não o crescimento prometido, mas o mau trato generalizado da ciência. "Suas medidas realmente têm sido históricas: cortes históricos nos orçamentos, cortes históricos nas oportunidades para jovens cientistas e um número histórico de cientistas protestando nas ruas", escreveu a publicação.

O governo francês alega que os valores dispendidos pelo país em ciência e tecnologia são altos e estão muito acima da média na União Européia. Os pesquisadores discordam. Segundo eles, a maior parte do orçamento vai para os setores nuclear, aeronáutico e espacial. "Apesar das declarações oficiais de que a pesquisa é uma prioridade nacional, o governo da França está em meio a um processo de acabar com o setor público de pesquisa, sem levar em consideração que não há nada para substitui-lo", diz o manifesto do movimento.

Além dos cortes efetuados nos orçamentos das instituições estatais de pesquisa, os manifestantes mencionam o atraso no repasse dos orçamentos. O Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), por exemplo, ainda não recebeu cerca de 50% do orçamento previsto para 2002. Os editores da Nature dão razão aos pesquisadores. "O governo francês não tem uma visão de longo prazo para a pesquisa básica e não há motivos para acreditar que terá a intenção de desenvolver uma".

Como o pouco caso com a ciência tem sido constante há pelo menos duas décadas no país, os cientistas acham difícil acreditar na promessa de aumento no orçamento feito por Chirac e em melhorias no sistema a curto ou médio prazo. "Sinto como se estivéssemos à beira de um abismo. Se não mudarmos de direção, certamente despencaremos", disse Alain Trautmann, diretor do departamento de biologia celular do Instituto Cochin e um dos líderes do movimento, à revista Science.

O apoio aos franceses tem chegado de toda parte. O alemão Erwin Neher, prêmio Nobel de Medicina de 1991, o japonês Harunori Ohmori, presidente do conselho do departamento de fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Kyoto, e o norte-americano Robert Malenka Pritzker, diretor do Laboratório Nancy Pritzker, da Universidade de Stanford, são apenas alguns dos mais de 600 cientistas de outros países que assinaram a petição francesa.

Diversos pesquisadores brasileiros também já manifestaram sua solidariedade. "Em um momento extremamente difícil como este, todo apoio conta. Colegas da França nos pediram para divulgar o movimento e é o que estamos fazendo", disse o professor Geraldo Passos, do Grupo de Imunogenética Molecular da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, à Agência FAPESP.

Os organizadores do "Salvemos a pesquisa" montaram um site (http://recherche-en-danger.apinc.org), em que trazem notícias, o manifesto e informações sobre o movimento, além de demonstrações de apoio aos pesquisadores franceses.


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