Ceticismo juvenil
11 de novembro de 2003

Pesquisa feita entre jovens paulistanos constata que a percepção das desigualdades sociais no meio em que vivem impede a idealização de melhores condições de vida

Ceticismo juvenil

Pesquisa feita entre jovens paulistanos constata que a percepção das desigualdades sociais no meio em que vivem impede a idealização de melhores condições de vida

11 de novembro de 2003

 

Por Kárin Fusaro

Agência FAPESP - O jovem paulistano é cético em relação ao futuro. Ele tem dificuldades para acreditar na diminuição da violência e na melhora das condições de emprego, entre outros problemas. As constatações são do psicanalista Tiago Corbisier Matheus, que analisou grupos de adolescentes de três comunidades de classes média baixa e baixa na capital paulista.

O estudo foi realizado a partir de conversas e atividades lúdicas com 50 jovens, entre 13 e 17 anos, selecionados em escolas públicas. Moradores de Paraisópolis, Bixiga e Monte Azul, bairros populares de São Paulo, eles foram divididos em três grupos e falaram sobre seus interesses, angústias e expectativas.

A conclusão do estudo, realizado como dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), é de que, apesar da descrença em relação ao futuro, baseado em referências absorvidas no seu meio social, o adolescente se esforça para construir projetos que vão além das conquistas pessoais.

"O traço comum nas três comunidades foi a descrença a respeito de grandes mudanças, como a situação do país e o comportamento dos políticos", disse Matheus à Agência FAPESP. "Em relação às mudanças pessoais, como entrar no mercado de trabalho ou constituir uma família, as respostas dos jovens oscilaram de acordo com a bagagem e trajetória de vida de cada um."

Os entrevistados em torno da favela Monte Azul se mostraram menos céticos. O motivo, segundo o pesquisador, seria o processo de reurbanização e incrementação do comércio pelo qual passa a região, com a instalação de empresas e o aumento da oferta de emprego. Esse movimento daria ao jovem do local a sensação de inclusão social maior do que a vivida pelos moradores de regiões menos favorecidas. Os jovens de Monte Azul também fizeram alusão a organizações familiares mais presentes e integradas.

Os adolescentes dos bairros de Paraisópolis e Bixiga – onde a violência é mais intensa e as desigualdades sociais mais perceptíveis – tiveram dificuldades de interagir em grupo, provocando disputas internas e demonstrando falta de flexibilidade nas relações.

Segundo dados da pesquisa, de modo geral o jovem não crê na possibilidade de mudanças positivas no meio em que vive. Não acredita também que terá oportunidades de inserção social. Porém, o desejo de acreditar em algo permanece presente. Enquanto o trabalho qualificado representa condição para a conquista do reconhecimento social, a escolaridade é tida como pré-condição para atingir a meta.

"Todos os jovens vivem situações conflituosas e tendem a reproduzir em suas relações o que apreendem do meio em que vivem", disse Matheus, que integra o Núcleo Sociedade e Pscicanálise da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Para o pesquisador, o fato de pertencer a uma classe privilegiada não livra o adolescente de angústias, já que o jovem pode perceber os desníveis e as ameaças que o cercam.

O trabalho de Matheus resultou no livro Ideais na adolescência – Falta (d)e perspectivas na virada do século (Anablume/FAPESP). O estudo, publicado também pela revista Psicologia USP, no artigo O discurso adolescente numa sociedade na virada do século está disponível na biblioteca eletrônica SciELO. Para ler, clique aqui.


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