Cenários possíveis
15 de agosto de 2005

Bolívar Lamounier (foto), Amaury de Souza e outros cientistas discutem em encontro no Instituto de Estudos Avançados o futuro das instituições políticas e o grave problema da corrupção no país

Cenários possíveis

Bolívar Lamounier (foto), Amaury de Souza e outros cientistas discutem em encontro no Instituto de Estudos Avançados o futuro das instituições políticas e o grave problema da corrupção no país

15 de agosto de 2005

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - No lugar de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) ou Gilberto Freire (1900-1987), o pano de fundo teórico para se discutir o futuro das instituições políticas do Brasil, que passa atualmente por "mares revoltos", deve surgir a partir do britânico Thomas Hobbes (1588-1679).

Essa foi uma das idéias apresentadas em debate no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), na semana passada. Foi um encontro que promoveu um diálogo profundo entre os cenários definidos pelo grupo de especialistas, que foram feitos antes da crise política atual, e os últimos desdobramentos que assustam a nação.

"A sociedade brasileira é individualista e competitiva. Em tempos modernos, quando aumentam as ambições e as riquezas, o ambiente para que a corrupção se espalhe está criado", afirmou Bolívar Lamounier, do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo. "As explicações não devem ser feitas a partir das famílias, das origens, como sempre se costuma fazer", disse ao defender a aplicação hobbesiana.

O debate fez parte da programação do ciclo de seminários Brasil: o país no futuro – 2022. O objetivo do projeto é discutir o país no ano do bicentenário da Independência. Com base em uma metodologia bem definida, um grupo de 104 pessoas foi consultado sobre os cenários mais desejáveis, possíveis ou contrastantes, com base em questionários.

"Esses cenários são úteis para melhorar a base de informação e tomar as decisões de futuro, que precisam ser decididas agora", disse James Wright, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e coordenador metodológico do projeto.


Antecipação do Leviatã

Equilíbrio republicano, fragmentação conflituosa e democracia tutelada. Esses são os três grandes cenários que emergem do projeto do IEA. O mapa cognitivo criado pelo grupo de especialistas aponta para três direções.

No primeiro, que seria o caminho mais ideal, o federalismo cooperativo (redivisão de poder e de orçamento entre União, Estado e Município), o fortalecimento do Congresso e a vigilância popular (que poderia ser obtida com uma modernização do Poder Judiciário) seriam pilares inquestionáveis. Mas esse futuro não é o mais certo, na opinião dos especialistas.

"Acho que os cenários que surgiram do estudo podem estar certos. Tudo depende de qual caminho será seguido para se fortalecer as instituições, que não vão tão bem assim como muitos pensam", disse Lamounier, um ainda feroz defensor do sistema parlamentarista.

"Estamos mais no caminho da fragmentação conflituosa", afirmou o cientista político Amaury de Souza, hoje consultor na iniciativa privada. Coube a ele, que participou desde o início do projeto, detalhar os cenários obtidos a partir dos questionários.

"Nesse quadro prevalece o conflito e a competição dentro da Federação e entre os poderes. A corrupção, a barganha de cargos e o uso imoderado de medidas provisórias tornam-se a chave da governança", disse o pesquisador, que participou, em meados dos anos 1960, no Rio de Janeiro, da fundação do Instituto Universitário de Pesquisas (Iuperj).

Segundo Souza, no caso da democracia tutelada, o que ocorre é um espécie de antecipação do Leviatã de Hobbes. "O Executivo federal passa a exercer forte controle sobre a vida institucional e política, justificado por uma agressiva ideologia de centralização das ações de governo sob o pretexto de aumentar a eficácia da política pública", afirmou.


Instituições mais fortes

Também participaram do encontro no IEA Antônio Octávio Cintra, da Câmara dos Deputados, Rogério Arantes, do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Gildo Marçal Brandão, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Entre as várias opiniões e diferentes pontos de vista, algumas concordâncias surgiram para que o quadro a médio e longo prazo se assemelhe mais ao primeiro cenário e não aos outros dois, chamados de contrastantes.

"É fundamental o fortalecimento das instituições com uma reforma política de verdade. Partidos fortes também são importantes para que esse caminho seja trilhado", afirmou Lamounier, concordando não ser essa uma tarefa fácil.

O cientista político acredita que a discussão de uma reforma não pode ser feita apenas dentro do Congresso Nacional, pelos próprios parlamentares. Souza, entretanto, vai além. "Poderia até ser usado o instrumento do referendo popular", defende. Temas como voto distrital misto e a redução dos custos das campanhas políticas também precisam entrar em pauta, segundo os debatedores.

"Esse chamado presidencialismo de coalização existente no Brasil, tanto no governo atual como no anterior, está esgotado", afirmou Brandão. Para ele, em todas as eleições recentes da história do Brasil ocorreu uma espécie de "fraude eleitoral". "O abismo entre as alianças para ganhar uma eleição e depois para se governar é muito grande", avaliou.

"A corrupção é algo moderno, do mundo capitalista e urbano", ponderou Lamounier. Mas, ao mesmo tempo, segundo ele, a democracia no Brasil não é recente, como muitos imaginam. "Ela surgiu com a Constituição de 1824 e com o início do parlamento dois anos depois", disse.

Essa afirmação, segundo o próprio cientista, não é conflitante e nem desmente uma outra frase também dita por ele. "O Brasil não tem passado institucional. É preciso também que se comece a pensar que aquilo que é planejado, criado por decisão nacional, não é algo ruim ou fraco como muitos imaginam", concluiu.


  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.