“Sempre pensei em Sátántangó como um Grande sertão: Veredas húngaro, em que em vez de seca os personagens enfrentam chuva intermitente", comenta o tradutor Paulo Schiller (ilustração: Niklas Elmehed/Nobel Prize Outreach)

Prêmio
Célebre pelas frases longas, László Krasznahorkai vence o Nobel de Literatura
13 de outubro de 2025

Escritor húngaro trata de personagens desfavorecidos, que não têm lugar no mundo. A venezuelana María Corina Machado recebeu o Nobel da Paz

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Célebre pelas frases longas, László Krasznahorkai vence o Nobel de Literatura

Escritor húngaro trata de personagens desfavorecidos, que não têm lugar no mundo. A venezuelana María Corina Machado recebeu o Nobel da Paz

13 de outubro de 2025

“Sempre pensei em Sátántangó como um Grande sertão: Veredas húngaro, em que em vez de seca os personagens enfrentam chuva intermitente", comenta o tradutor Paulo Schiller (ilustração: Niklas Elmehed/Nobel Prize Outreach)

 

Ana Paula Orlandi | Pesquisa FAPESP – O escritor húngaro László Krasznahorkai é o laureado pelo prêmio Nobel de Literatura de 2025, concedido na quinta-feira (09/10). Com 40 anos de carreira, ele tem apenas um livro publicado no Brasil, o romance Sátántangó (1985). “É um escritor bastante desafiador”, diz Manoel Ricardo de Lima, professor da Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). “Sua escrita é pautada por frases longas, que acompanham o fluxo de consciência dos personagens, e nas histórias trata das pessoas desvalidas, dos famintos, dos miseráveis, de quem não tem lugar no mundo”, prossegue Lima, um dos autores de artigo sobre Krasznahorkai e o escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924) publicado em 2020 na revista acadêmica Dobra, de Portugal.

Nascido em 1954, em Gyula, no interior da Hungria, Krasznahorkai estreou na literatura com Sátántangó. A ação se concentra na chegada de um forasteiro a um vilarejo decadente húngaro durante o regime comunista, que é acolhido como uma espécie de salvador da pátria pelos moradores. A obra teve repercussão na Hungria, mas só ganhou uma versão em inglês na década de 2010. Em 2013, recebeu o prêmio de Melhor Livro Traduzido em Língua Inglesa (Best Translated Book Award).

No Brasil, Sátántangó saiu em 2022, pela editora Companhia das Letras, com título original e em edição vertida do húngaro para o português pelo tradutor e psicanalista paulista Paulo Schiller. “Sempre pensei em Sátántangó como um Grande sertão: Veredas húngaro, em que em vez de seca os personagens enfrentam chuva intermitente”, compara Schiller, cujo trabalho foi premiado pela Fundação Biblioteca Nacional em 2023. “László costuma dizer que pensa suas frases e só as escreve quando já estão mentalmente finalizadas. São frases densas, muitas vezes sem pontuação, que se estendem por páginas e tornam a tradução muito trabalhosa.”

Schiller conta que começou o trabalho de tradução em 2017, mas desistiu. “Alguns conhecidos do meio literário húngaro já me alertavam de que o livro havia ‘derrubado’ muitos tradutores em outros lugares do mundo”, lembra. Mudou de ideia após assistir à versão cinematográfica do livro, lançada em 1994 pelo cineasta Béla Tarr, conterrâneo e amigo do escritor. No Brasil, o longa ganhou o título O tango de Satã. “Fiquei encantado pelo filme e por causa disso voltei a traduzir o livro em 2019. Foi meu trabalho na pandemia”, relata e acrescenta: “Sátántangó é uma magnífica alegoria sobre o perigo dos regimes populistas sobre o poder de manipulação de uma figura autoritária.”

Em preto e branco, a película é um tour de force: tem quase sete horas e meia de duração. “É um filme lento, com planos longos, que exige bastante do espectador”, diz a crítica de cinema Lídia Mello, autora do livro Do cinema de Béla Tarr (Editora Ramalhete, 2019). A obra é resultado da tese de doutorado que defendeu dois anos antes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Durante a pesquisa, realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mello viveu temporadas na Hungria e visitou locações dos filmes do realizador húngaro, além de ter entrevistado Tarr e sua equipe.

Juntos, o cineasta e o escritor possuem cinco colaborações para o cinema, segundo a pesquisadora. A parceria começou em 1987 com o filme A condenação, em que Krasznahorkai é corroteirista. E passa também pela recriação de outro livro do autor, Az ellenállás melankóliája (ou A melancolia da resistência), de 1989, cujo filme ficou com o título As harmonias de Werckmeister (2000). O trabalho mais recente da dupla é O cavalo de Turim (2011), que venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim. “Trata-se de um encontro de dois criadores que atravessaram o mesmo período juntos, em um país com história política conturbada e que só teve eleições democráticas em 1994”, observa Mello.

Krasznahorkai estudou direito e letras na Hungria e trabalhou até 1984 como editor de livros. Ele deixou a terra natal, ainda sob o jugo comunista, pela primeira vez em 1987, aos 33 anos. Viveu um ano em Berlim Ocidental e também passou pela Ásia e Estados Unidos. Atualmente, mora na Hungria. O escritor é pouco estudado no Brasil. “Quem conhece seu trabalho é, em geral, por meio dos filmes de Béla Tarr ou das edições em inglês”, comenta Caio Russo, que atualmente faz pesquisa de doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), com apoio da FAPESP.

No estudo, o pesquisador investiga a obra do escritor Mircea Cărtărescu, da Romênia, país vizinho à Hungria, e outro nome cotado para o Nobel de Literatura deste ano. “Krasznahorkai merece ser mais conhecido no Brasil. Ele se situa em uma longa tradição da literatura da Europa Central e do Leste Europeu, que inclui Gogol e Kafka”, defende. A editora Companhia das Letras promete para o ano que vem o lançamento de mais dois romances do autor: O retorno do Barão Wenckheim (2016) e Herscht 07769 (2021).

Nobel da Paz

O Prêmio Nobel da Paz foi atribuído sexta-feira (10/10) a María Corina Machado, engenheira industrial, ex-deputada da Assembleia Nacional da Venezuela e líder da oposição a Nicolas Maduro, “por seu trabalho incansável promovendo os direitos democráticos do povo da Venezuela e sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.

No anúncio oficial da premiação, a organização do Nobel declarou que “no último ano, Machado foi forçada a viver escondida. Apesar das sérias ameaças à sua vida, ela permaneceu no país, uma escolha que inspirou milhões de pessoas. Ela uniu a oposição do seu país [e] nunca vacilou em resistir à militarização da sociedade venezuelana” (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/nobel-da-paz-vai-para-venezuelana-opositora-do-chavismo/).

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