Vitória não é uma cidade "apagada" em relação às outras capitais brasileiras, ao contrário, tem um valioso patrimônio da perspectiva da comunicação visual urbana. Essa é a conclusão de pesquisa feita na USP que resultou no livro Vitória: cidade e presépio
Vitória não é uma cidade "apagada" em relação às outras capitais brasileiras, ao contrário, tem um valioso patrimônio da perspectiva da comunicação visual urbana. Essa é a conclusão de pesquisa feita na USP que resultou no livro Vitória: cidade e presépio
Agência FAPESP – Do ponto de vista da comunicação visual urbana, cada capital brasileira tem sua própria e inconfundível personalidade. Entretanto, Vitória aparece freqüentemente como uma capital apagada, sem traços de distinção marcantes.
Mas, de acordo com um estudo feito na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), a capital do Espírito Santo tem grande valor visual e urbano-ambiental, que forma um conjunto emblemático de identificação que pode ser resgatado.
A pesquisa foi realizada em 2002 como dissertação de mestrado por Peter Ribon Monteiro, orientada pelo professor Issao Minami. O trabalho teve como resultado o livro Vitória: cidade e presépio – Os vazios visíveis da capital capixaba, lançado no mês passado e que teve apoio da FAPESP, na modalidade Auxílio a Publicação, e da Prefeitura de Vitória.
De acordo com Monteiro, o título remete ao apelido de "cidade presépio" dado a Vitória na década de 1920. Ele analisou o processo de urbanização da capital capixaba desde a conformação geológica e físico-natural da área insular e continental da cidade até os processos de desenvolvimento arquitetônico-urbanístico ocorridos na cidade, da sua fundação no início do século 16 até o fim do século 20.
"O livro faz uma reflexão a respeito da imagem de Vitória, mostrando que ela é uma cidade singela e despretensiosa, mas é visualmente rica e diversificada. Não se trata de uma capital apagada em relação a outras cidades brasileiras, como muita gente pensa", disse Monteiro à Agência FAPESP.
O autor afirma que o intrigava o fato de a cidade não ter uma imagem forte, embora seja uma das mais antigas do país, localizada no centro das regiões que mais se desenvolviam desde o período colonial.
"Para tentar entender os motivos, procurei duas linhas mestras de investigação: um eixo geográfico-físico-natural e um eixo histórico. Além dessa parte teórica, faço uma análise visual para identificar os pontos em que a identidade de Vitória pode ser afirmada ou negada", disse.
A partir da investigação teórica, o pesquisador concluiu que Vitória tem uma característica peculiar: está em uma área de transição e congrega elementos típicos do Nordeste e de outros estados do Sudeste. "Isso acarreta uma dificuldade de leitura que influencia na identidade da cidade", explicou.
Com a pesquisa histórica, Monteiro constatou que, durante o ciclo do ouro, no século 18, a cidade passou a crescer em um ritmo mais modesto do que as outras capitais do Sudeste. O território capixaba, que seria um caminho viável para o escoamento do ouro, foi preterido em relação aos portos do Rio de Janeiro e Parati. Com isso, Vitória foi relegada a segundo plano.
"Em meados do século 19, o Espírito Santo foi desbloqueado para o escoamento dos produtos mineiros e da cultura do café. Com isso, a cidade saiu da letargia pela qual passava. Mas as outras capitais do Sudeste já estavam muito mais desenvolvidas", disse.
No auge dessa época de ascensão, na década de 1920, Vitória ganhou o apelido de "cidade presépio", que remete à representação simbólica da junção de todos os elementos essenciais, à ordenação minuciosa e a um caráter de singeleza.
"O apelido é justamente o que Vitória representa e o que ela pode retomar como característica marcante. É um conjunto harmonioso que compreende a ilha, as montanhas, a vegetação e a arquitetura. Em 1920, a cidade parecia ‘pronta’", disse Monteiro.
Vazio visível
Segundo o pesquisador, a arquitetura de Vitória faz a representação do desenvolvimento do Brasil urbano desde o período colonial. E isso concorre para dar à cidade uma referência secundária em relação às outras.
"Quando se fala em arquitetura colonial do século 16, se pensa em Salvador. O barroco remete às cidades históricas mineiras. O art-déco a Belo Horizonte e Goiânia. O ecletismo lembra o Rio de Janeiro imperial. O modernismo remete a São Paulo. Vitória tem tudo isso e mais um pouco", apontou.
Hoje, o Espírito Santo é um estado promissor, que passa por um crescimento muito acentuado. Sua característica de "cidade presépio", no entanto, é ameaçada pelo crescimento, apontou Peter Ribon Monteiro. "O simbolismo que está no apelido de Vitória é algo que precisa ser desenvolvido. Seria interessante para a cidade valorizar esse simbolismo e resguardar essas características", disse.
Uma das cacterísticas que o crescimento de Vitória pode ameaçar, segundo o pesquisador, é a que ele define pelo conceito de "vazio visível": pontos de interesse de uma cidade relacionados às perspectivas visuais.
"A geografia singular de Vitória valoriza essas perspectivas. Na ausência de grandes referências monumentais, a cidade se destaca pela harmonia de espaços abertos e vistas de morros, pedras e montanhas mais ou menos distantes, com as referências de alguns edifícios que têm uma certa harmonia com o território. É preciso valorizar esse simbolismo e preservar essas vistas", destacou.
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