Foram entrevistadas 1.931 pessoas com mais de 16 anos de todas as regiões do país (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Percepção da Ciência
Brasileiros defendem investimentos públicos em ciência, aponta pesquisa
17 de maio de 2024

Maioria dos entrevistados na nova edição do estudo sobre “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil” apontou que o governo deve aumentar ou manter os investimentos em pesquisa científica e tecnológica nos próximos anos

Percepção da Ciência
Brasileiros defendem investimentos públicos em ciência, aponta pesquisa

Maioria dos entrevistados na nova edição do estudo sobre “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil” apontou que o governo deve aumentar ou manter os investimentos em pesquisa científica e tecnológica nos próximos anos

17 de maio de 2024

Foram entrevistadas 1.931 pessoas com mais de 16 anos de todas as regiões do país (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

 

Elton Alisson | Agência FAPESP – Apesar de não ter ficado imune às ondas de desinformação e ao negacionismo científico que emergiu no mundo nos últimos anos, o Brasil continua sendo um dos países cuja população declara ter maior interesse e otimismo sobre a ciência e defende que os investimentos públicos nessa área devem ser mantidos ou aumentados, mesmo em anos de crise.

Quase a totalidade (94%) dos entrevistados na nova edição da pesquisa sobre “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil”, lançada quarta-feira (15/05) pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), apontou que o governo deve aumentar ou manter os investimentos em pesquisa científica e tecnológica nos próximos anos, contra apenas 3% que indicaram que é preciso diminuir os investimentos.

A porcentagem dos brasileiros que reconhece a existência das mudanças climáticas também é das mais altas no mundo. A maioria da população (95%) afirma ter consciência de que esse fenômeno está ocorrendo no país e no planeta e 60% acreditam que ele representa um grave perigo.

Os índices de percepção do problema só não foram tão altos no Centro-Oeste e no Sul do país, de acordo com dados do levantamento conduzido pelo CGEE por demanda do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Foram entrevistadas 1.931 pessoas com mais de 16 anos, com cotas por gênero, idade, escolaridade, renda e local de moradia de todas as regiões do país.

Uma das constatações feitas por meio do estudo foi que o nível de interesse da sociedade brasileira sobre ciência e tecnologia tem se mantido estável ao longo das últimas duas décadas de realização do trabalho. Mais da metade dos entrevistados (60%) declararam estar interessados ou muito interessados nesses temas, à frente do interesse por esporte (54,3%); arte e cultura (53,8%); e política (32,6%).

“Embora tenha tido uma pequena queda em momentos de crise social e política, o interesse do brasileiro por ciência e tecnologia, em média, é maior do que o observado em outros países. O fato de mais da metade dos brasileiros dizerem que têm interesse por ciência é um indicador da relevância social que eles atribuem a esse tema, independentemente do fato de eles se sentirem parte ou não dela. Os brasileiros não estão tão distantes da ciência como muitos cientistas e intelectuais acham”, disse Yurij Castelfranchi, coordenador do Observatório de Inovação, Cidadania e Tecnociência (Incite) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante o evento de lançamento do estudo.

A visão positiva que a sociedade brasileira tem sobre a ciência e a tecnologia também tem se mantido alta ao longo das últimas décadas, indicam os resultados do estudo. No total, 66% dos entrevistados disseram que a C&T traz só benefícios ou mais benefícios do que malefícios para a sociedade – um percentual maior do que o registrado em países como o Japão e o Canadá.

“O que mudou nos últimos anos em relação a isso no Brasil – e que foi um impacto da polarização política e radicalização crescentes nas redes sociais – foi um aumento não do número de pessoas que dizem que a ciência é do mal, mas das que avaliam que a ciência traz tanto benefícios como malefícios”, apontou Castelfranchi.

“A fração de brasileiros que alguns chamam de anticiência continua correspondendo a entre 4% e 6%. É uma minoria muito pequena da população. Os brasileiros não são anticiência e não acham que a ciência é perigosa”, afirmou o pesquisador.

Em geral, os brasileiros tendem a perceber as novas tecnologias como mais positivas do que negativas, mesmo as mais controversas, como a nuclear e a nanotecnologia, e consideram que as vacinas são importantes e têm impactos muito positivos na saúde pública. Somente 8% disseram que os impactos delas são negativos, revelou o estudo.

“Os brasileiros têm uma visão de apoio e são relativamente otimistas em relação a qualquer nova tecnologia. Eles querem participar, demandam que os cientistas expliquem e que os riscos das novas tecnologias sejam conhecidos, mas não são contra elas a priori. Muitas pessoas no Brasil [quando questionadas sobre uma nova tecnologia] respondem que não sabem, que não explicaram para elas ou não sabem avaliar o impacto delas, mas não manifestam rejeição. Na União Europeia, por exemplo, não é assim. Os transgênicos são proibidos lá”, comparou Castelfranchi.

Os pesquisadores também constataram que tem aumentado muito, desde 2010, o número de brasileiros que acham que a ciência brasileira está atrasada, e atribuem esse fenômeno à crise política vivenciada pelo país nos últimos anos. “A ausência de uma política sólida e coerente levou, a meu ver, os brasileiros a enxergarem um perigo para a ciência brasileira”, afirmou Castelfranchi.

Somente 15% dos brasileiros avaliaram na pesquisa que a ciência brasileira é avançada e 35% opinaram que ela é intermediária. Porém, esses números apontam não para uma crítica, mas para a necessidade que os brasileiros enxergam de aumentar os investimentos em ciência, avaliou o pesquisador.

“Quando eles dizem que a ciência brasileira não é suficientemente avançada não estão dizendo que ela é ruim, mas que precisamos fazê-la avançar mais”, sublinhou.

Baixo conhecimento

A despeito do interesse e das atitudes dos brasileiros em relação à ciência e a tecnologia serem mais positivos em comparação com países mais ricos, o conhecimento dos brasileiros sobre o tema ainda é muito baixo. A maioria não sabe dizer o nome de uma instituição científica ou de um cientista brasileiro, ponderou o pesquisador.

Esse quadro mudou após a pandemia de COVID-19, em que aumentou a visibilidade da ciência brasileira e as instituições de pesquisa envolvidas no desenvolvimento de vacinas receberam ampla cobertura midiática. Mesmo assim, o percentual de pessoas que conseguem lembrar o nome de alguma instituição de pesquisa científica ou de algum cientista do país é muito baixo e está entre o menor da América Latina, apontou o estudo.

“Teve um pulo muito grande [no número de pessoas que souberam citar uma instituição científica ou cientista brasileiro importante] após a pandemia. Isso, a meu ver, foi devido a um esforço heroico de cientistas irem a campo, aos holofotes, além de jovens graduandos, mestrandos e doutorandos se inventarem nas redes sociais, tornando-se divulgadores brilhantes. Esse esforço levou a esse resultado”, afirmou.

“Além disso, a produção de vacinas [contra a COVID-19] por institutos como o Butantan e a Fiocruz permitiu dar um pulo muito grande na visibilidade da ciência brasileira no país após a pandemia”, completou.

Os hábitos culturais e o acesso a informações sobre ciência e tecnologia pelos brasileiros, caracterizados por visitas a zoológicos, museus de ciência, tecnologia e de artes e feiras científicas, por exemplo, também melhoraram, aponta o estudo.

A visita a museus de ciência, que em 2019 tinha regredido ao que era há uma década, voltou a crescer em 2023. Esses espaços passaram a ser frequentados, porém, por pessoas jovens, com escolaridade superior e renda familiar acima de cinco salários mínimos (mais de R$ 7 mil), pondera Castelfranchi.

“Estamos alcançando principalmente os jovens e ricos. Apesar de ter sido feito um esforço gigantesco pelos museus brasileiros de alcançar as escolas públicas, atrair milhões de visitantes, as pessoas que fazem visitação espontânea a esses espaços representam uma elite da população brasileira”, disse.

Vítimas da desinformação

O estudo também apontou que o percentual de pessoas que declaram não ter nenhum interesse em ciência no Brasil diminuiu, mas o perfil delas se manteve inalterado ao longo das últimas décadas: têm pouca escolaridade e baixíssima renda, em geral. É para essa parcela da população que devem ser priorizadas políticas de letramento científico, apontou o pesquisador.

“Não há pessoas anticiência no Brasil. Há os excluídos, os exilados da cidadania científica. A cidadania contemporânea é científica. Não tem como exercer cidadania sem participar ativamente da cultura científica, e há essa fração da população que não tem acesso a esse direito no Brasil”, avaliou Castelfranchi.

São esses exilados da cidadania científica no país que são mais vulneráveis a se tornarem vítimas da desinformação e de movimentos negacionistas como o climático e o antivacinas, recebendo e propagando notícias falsas, apontam dados do estudo.

“As pessoas com maiores níveis de escolaridade são as que mais checam e comparam as notícias que recebem e as que têm maior familiaridade com a ciência tendem a dizer menos que as mudanças climáticas não existem”, disse o pesquisador.

Entretanto, o conhecimento científico não é relevante na adesão a outras teorias conspiratórias, como o terraplanismo, porque esse problema está muito mais relacionado a questões ideológicas do que com a alfabetização científica, ponderou Castelfranchi.

“As pessoas que discordam totalmente que a Terra seja redonda têm os mesmos índices de conhecimento de ciência das pessoas que concordam. Há mais mestres e doutores terraplanistas no Brasil do que analfabetos porque a desinformação é um fenômeno político, de identidade política, em muitos casos”, disse.

A fim de combater a desinformação e as desigualdades no exercício da cidadania científica no Brasil é preciso focar em mecanismos específicos de letramento midiático e científico por região e classe social, avaliou o pesquisador.

O resumo da pesquisa “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil” pode ser acessado em: www.cgee.org.br/documents/10195/4686075/CGEE_OCTI_Resumo_Executivo-Perc_Pub_CT_Br_2023.pdf.
 

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