Espiral ascendente
23 de junho de 2003

O presidente da FAPESP, Carlos Vogt, fala sobre o lançamento da Agência FAPESP e apresenta uma nova teoria para entender a evolução da cultura científica

Espiral ascendente

O presidente da FAPESP, Carlos Vogt, fala sobre o lançamento da Agência FAPESP e apresenta uma nova teoria para entender a evolução da cultura científica

23 de junho de 2003

 

Carlos Vogt, 60, é um dos nomes mais atuantes dentro do cenário brasileiro de ciência e tecnologia, tanto do lado prático como do teórico. O primeiro pode ser representado pela presidência da FAPESP, que ocupa desde 2002, pela reitoria de Universidade Estadual de Campinas, a qual esteve à frente de 1990 e 1994, ou pelo Instituto Uniemp, onde foi diretor-executivo até 2001. Como estudioso da ciência, Vogt, natural de Sales Oliveira (SP), é professor titular em Semântica Língüistica da Unicamp, cadeira que ocupa desde 1969, coordena o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), na mesma universidade, é diretor de redação da revista eletrônica ComCiência e foi recentemente reeleito vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Mais que cientista, professor, lingüista, poeta, jornalista, dirigente e administrador, Vogt é um pensador da ciência, sempre preocupado com a sua evolução, como se vê em sua idéia de criar a Agência FAPESP ou na teoria da "espiral da cultura científica", a representação da dinâmica científica, que explica pela primeira vez nesta entrevista.


Agência FAPESP: Qual o sr. considera o principal objetivo da Agência FAPESP?
CARLOS VOGT: O papel maior da Agência FAPESP é o de difundir a cultura da ciência. Ela deve ajudar a entender a dinâmica do processo cultural próprio da ciência e surge como uma necessidade natural. É importante tentar entender como a ciência se faz, mas é mais importante ainda compreender como a ciência se desenvolve e como ela evolui.

Agência FAPESP: Entender a ciência como fenômeno cultural.

VOGT: Exato. José Reis Reis (médico, pesquisador, jornalista científico, fundador da SBPC, 1907–2002) sempre disse isso. É impressionante como ele tinha uma noção exata dessa importância, tanto que aplicou como idéia central para a revista Ciência e Cultura, que leva no título a cultura, em estreita relação com a ciência. É importante notar que, quando se fala em cultura científica, é preciso entender pelo menos três possibilidades de sentido que se oferecem pela própria estrutura lingüística da expressão, que são a cultura da ciência, a cultura pela ciência e a cultura para a ciência. Nesta última, caberia duas possibilidades: a cultura voltada para a produção da ciência e a cultura voltada para a socialização da ciência. A dinâmica da cultura científica pode ser mais bem compreendida se a visualizássemos na forma de uma espiral, a espiral da cultura científica, como podemos chamá-la. Uma espiral que representa a dinâmica constitutiva das relações inerentes e necessárias entre ciência e cultura. Trata-se de uma idéia que tive recentemente, enquanto almoçava com alguns colegas da FAPESP. A espiral pode ser representada em duas dimensões que evoluem sobre dois eixos, um horizontal, o do tempo, e um vertical, o do espaço. Em cada quadrante, podemos estabelecer não apenas as categorias constitutitivas, mas também os atores principais que o movimento da espiral vai, graficamente, desenhando e, conceitualmente, definindo.

Agência FAPESP: Quais seriam os atores em cada quadrante?

VOGT: Cada um dos quadrantes caracteriza-se por um conjunto de elementos que, pela evolução da espiral, contribuem também para melhor entender a dinâmica do processo da cultura científica. No primeiro quadrante teríamos como destinadores e destinatários da ciência os próprios cientistas; no segundo, como destinadores, cientistas e professores, e, como destinatários, os estudantes; no terceiro, cientistas, professores, diretores de museus, animadores culturais da ciência seriam os destinadores, sendo destinatários os estudantes e, mais amplamente, o público jovem; no quarto quadrante, jornalistas e cientistas seriam os destinadores e os destinatários seriam constituídos pela sociedade em geral e, de modo mais específico, pela sociedade organizada em suas diferentes instituições, inclusive, e principalmente, as da sociedade civil, o que tornaria o cidadão o destinatário principal dessa interlocução da cultura científica. Ao mesmo tempo, teríamos outros atores distribuídos pelos quadrantes.

Agência FAPESP: Como se dá o movimento da espiral da cultura científica?

VOGT: Tomando-se como ponto de partida a dinâmica da produção e da circulação do conhecimento científico entre pares, isto é, da difusão científica, a espiral desenha, em sua evolução, um segundo quadrante, o do ensino da ciência e da formação de cientistas. Ao seguir para o terceiro quadrante, ela configura o conjunto de ações e predicados do ensino para a ciência. No quarto quadrante completa o ciclo, retornando ao eixo de partida, para identificar aí as atividades próprias da divulgação científica.

Agência FAPESP: Após completar o ciclo, o que acontece, começa-se um novo?

VOGT: Sim. É importante observar que a espiral, ao cumprir o ciclo de sua evolução, retornando ao eixo inicial, não regressa ao mesmo ponto de partida, mas sim a um ponto alargado de conhecimento e de participação da cidadania no processo dinâmico da ciência e de suas relações com a sociedade. Ela abre com a sua chegada ao ponto de partida, em não havendo descontinuidade no processo, um novo ciclo de enriquecimento e de participação ativa dos atores em cada um dos momentos de sua evolução. Como resultado desse movimento que a espiral da cultura científica representa vale a pena registrar o nascimento de instituições voltadas para as questões de ciência e tecnologia e que têm fortes componentes de participação da cidadania, como é o caso, no Brasil por exemplo, da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e de suas atribuições regulativas no que diz respeito à nossa biodiversidade.

Agência FAPESP: Dentro deste novo conceito que o sr. propõe, qual seria a importância para a FAPESP em lançar uma agência de notícias?

VOGT: A Agência FAPESP é uma agência de notícias da FAPESP, mas não para a FAPESP. Não fará uma cobertura relacionada apenas à Fundação, mas de assuntos que são relevantes para a ciência não apenas em todo o Brasil como em outros países. Pode ser algo novo para a FAPESP do ponto de vista da novidade pontual, mas não do ponto de vista da cultura da instituição, que sempre esteve voltada para este tipo de preocupação. A divulgação científica sempre foi um dos principais objetivos da Fundação. A FAPESP está no primeiro quadrante da espiral da cultura científica, financiando a pesquisa. Ela está no segundo quadrante, financiando bolsas, no processo de desenvolvimento do ensino. Está também no terceiro, no processo de educação da ciência, e no quarto, da divulgação científica, com a revista Pesquisa FAPESP e, a partir de agora, também com a Agência FAPESP. Acho que a FAPESP exerce plenamente as suas funções, do fomento da pesquisa até a divulgação. Ela fecha completamente o ciclo da espiral, e se realimenta disso. Por isso, acho natural que a agência se constitua dentro desse processo. Trata-se de uma evolução, de uma dinâmica dentro da própria instituição.


Por Heitor Shimizu (com Maria da Graça Mascarenhas e André Muggiati)
Foto: André Muggiati


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