Após dois dias de debates no Ministério do Meio Ambiente, consulta sobre biodiversidade feita pelo governo federal a cientistas resulta na priorização do debate interno. Posição brasileira na CBD e no Imoseb não foi decidida
Após dois dias de debates no Ministério do Meio Ambiente, consulta sobre biodiversidade feita pelo governo federal a cientistas resulta na priorização do debate interno. Posição brasileira na CBD e no Imoseb não foi decidida
Agência FAPESP – Após dois dias de debates no Ministério do Meio Ambiente (MMA), em Brasília, na semana passada, a consulta sobre biodiversidade feita pelo governo federal a cientistas resultou na priorização do debate interno.
Isso significa que, por enquanto, nada será decidido a respeito da posição brasileira sobre os mecanismos de consulta à comunidade científica no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e do Mecanismo Internacional de Expertise Científica em Biodiversidade (Imoseb).
O governo estimulou a decisão. Antes da abertura das discussões em grupos, nas quais foram divididos cerca de 30 pesquisadores ligados ao tema biodiversidade, o representante do MMA, Bráulio Dias, recomendou que eles priorizassem a estruturação do aconselhamento interno em relação ao externo.
Depois da apresentação das propostas dos três grupos, Dias ressaltou a "coincidência" entre elas, no que se refere exatamente à prioridade dada à organização do debate no próprio país. A reunião foi coordenada pelo MMA e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
"O balanço que fazemos é que foi dada ênfase à estruturação da relação governo-academia primeiro no Brasil, e que não saiu nenhuma proposta concreta que detalhasse a estruturação no plano internacional", disse Dias à Agência FAPESP logo após o encerramento do evento, no dia 22.
Na prática, isso significa que o Brasil seguirá reticente em relação ao Imoseb. Era a posição do Itamaraty, que teme um esvaziamento da CDB no caso da criação de outra instância internacional. Os defensores do Imoseb alegam que o braço científico da CDB, o SBSSTA (em português, Órgão Subsidiário de Assessoramento Técnico, Científico e Tecnológico), está ocupado muito mais por políticos do que por cientistas, não sendo tão eficiente em termos de divulgação e pressão como o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC).
"Vimos que o mais importante será solucionar nossos problemas internos. Precisamos retomar e reconstruir a relação entre comunidade científica e governo e, com isso, criar uma confiança mútua. Só a partir daí poderemos pensar em uma inserção internacional", disse Carlos Alfredo Joly, professor do Departamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo Ione Zegler, coordenadora geral de biodiversidade do MCT, a reunião foi positiva porque, tradicionalmente, os pesquisadores brasileiros não se envolvem muito na esfera do aconselhamento aos governos, diferente do que ocorre em outros países. "A academia brasileira precisa se acostumar a participar do processo de assessoramento", afirmou.
Fórum de pesquisas
Os pesquisadores apresentarão daqui a 15 dias ao governo uma síntese das propostas feitas pelos três grupos. A Agência FAPESP foi o único órgão da imprensa presente na plenária final, realizada no auditório do Ministério da Cultura, e adianta algumas das conclusões.
Uma proposta que atinge diretamente as decisões do poder público se refere às pesquisas demandadas pelos órgãos ambientais, para efeito de licenciamento ambiental, como o Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental. Os pesquisadores defendem a criação de uma força-tarefa para criar um sistema de monitoramento dessas pesquisas, com a padronização de metodologias.
"A reunião mostrou que um dos impedimentos para o avanço das discussões – principalmente da perspectiva de botânicos, zoólogos e ecólogos – são os entraves burocráticos que existem hoje em relação à coleta de materal biológico e acesso ao patrimônio genético", afirmou Joly.
"Há um impasse entre os órgãos que emitem essas licenças e a comunidade científica, que vê necessidade de mudanças. Nós trabalhamos e cooperamos com esses órgãos para elaborar projetos de lei, minutas de resoluções referentes a licenças de coleta e não vimos nosso esforço refletido em mudanças concretas na legislação", disse o professor da Unicamp.
Segundo Joly, que representou o programa Biota-FAPESP na reunião no MMA, essas dificuldades geraram um processo de desgaste entre a comunidade e o governo, representado pelos ministérios que regulam as ações da área ambiental.
A origem desse impasse vem do inicio do primeiro mandato do atual governo quando, por solicitação do MMA e do MCT, a comunidade científica se articulou para elaboração de um anteprojeto de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos. Concluído em outubro de 2003, o texto encalhou na Casa Civil e não foi enviado ao Congresso Nacional.
As esperanças foram renovadas no período que antecedeu a COP 8 em Curitiba [Oitava Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica, realizada em abril de 2006], quando o governo sinalizou que, aproveitando o momento positivo das questões associadas a biodiversidade, o texto seguiria para o Congresso, o que não ocorreu.
"A nova promessa é que o texto deste APL será colocado para consulta pública agora e todos interessados terão 30 dias para apresentação de críticas e sugestões. O de fato sediar a COP nos deu todo um espaço e um interesse – inclusive uma inserção midiática e no Congresso Nacional – para um avanço na questão da biodiversidade. Foi um momento importante que se perdeu porque as inciativas não ocorreram", destacou Joly.
"Nova decepção da comunidade ocorreu com o desfecho das reuniões do Comitê de Assessoramento Técnico do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (CAT-Sisbio), criado para viabilizar a implantação das Instruções Normativas de Coleta e Coleções, mas que acabou gerando um impasse entre os representantes das sociedades científicas e os órgãos responsáveis pela concessão das licenças, Ibama e, mais recentemente, o Instituto Chico Mendes", disse Joly.
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