Estudo de pesquisadora do Inserm destaca que custo elevado de medicamentos protegidos por patentes pode colocar em risco a continuidade do programa brasileiro de DST e Aids nos próximos anos (foto: Eduardo Cesar)
Estudo de pesquisadora do Inserm destaca que custo elevado de medicamentos protegidos por patentes pode colocar em risco a continuidade do programa brasileiro de DST e Aids nos próximos anos
Estudo de pesquisadora do Inserm destaca que custo elevado de medicamentos protegidos por patentes pode colocar em risco a continuidade do programa brasileiro de DST e Aids nos próximos anos
Estudo de pesquisadora do Inserm destaca que custo elevado de medicamentos protegidos por patentes pode colocar em risco a continuidade do programa brasileiro de DST e Aids nos próximos anos (foto: Eduardo Cesar)
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – Um estudo feito por Constance Milward de Azevedo Meiners, pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm) da França, analisa os desafios impostos pelas patentes farmacêuticas à promoção da saúde pública.
O trabalho, publicado nos Cadernos de Saúde Pública, gira em torno do debate referente ao impacto do regime da propriedade intelectual sobre o acesso à saúde no Brasil, com destaque para o tratamento de portadores de HIV/Aids.
Constance, servidora afastada do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em Brasília, reconhece que a política brasileira de tratamento anti-retroviral tem permitido o alcance de ampla cobertura da população a um tratamento de qualidade, tendo sido inclusive apontada como modelo para outros países.
O problema é que, com o amadurecimento do Programa Nacional de DST e Aids, criado em 1986, os gastos com a compra de anti-retrovirais patenteados para pacientes em tratamento terapêutico passaram a representar um peso crescente no orçamento do programa.
Nos últimos anos, o aumento expressivo desses gastos começou a comprometer a continuidade da política brasileira de acesso ao tratamento anti-retroviral. Segundo o estudo, em 2000, os anti-retrovirais produzidos no Brasil, que hoje representam apenas 20% do total de unidades consumidas pelo programa, ocupavam uma posição equivalente em comparação aos medicamentos importados protegidos por direito de propriedade.
“Mas a progressiva participação de medicamentos patenteados provocou uma ruptura no comportamento de queda do investimento médio anual por paciente para a compra de anti-retrovirais observado até 2004”, disse Constance à Agência FAPESP. “O gasto médio anual por paciente caiu de mais de US$ 6 mil em 1997 para cerca de US$ 1,3 mil em 2004, mas logo voltou a subir, atingindo quase US$ 2,2 mil em 2005.”
Parte do aumento dos gastos nos últimos anos também estaria relacionada ao próprio sucesso do programa, principalmente devido à expansão da cobertura e a sobrevida dos pacientes. “Entre 1997 e 2007, o número de pacientes que recebiam tratamento anti-retroviral pelo Sistema Único de Saúde cresceu em mais de cinco vezes”, disse.
Ao mesmo tempo problemas de adesão e resistência ao tratamento têm gerado a necessidade da incorporação de novos fármacos, em geral patenteados. “E, conforme cresce a proporção de medicamentos com patentes no tratamento anti-retroviral, o custo médio por paciente tende a aumentar, uma vez que o preço dos medicamentos sem proteção patentária é, em média, 73% menor do que o dos patenteados”, afirmou.
Primeira licença compulsória
Segundo Constance, a situação se agrava ainda mais pelo fato de o Brasil ter concedido, em maio de 2007, o licenciamento compulsório sobre as patentes do Efavirenz, anti-retroviral responsável por um consumo considerável do orçamento para medicamentos do Programa Nacional de DST e Aids.
O licenciamento compulsório é uma licença de exploração de um processo ou produto concedida pelo Estado sem o consentimento do detentor da patente. Ele permite o pagamento de preço menor pelo medicamento do que o imposto pelo titular da patente e está previsto no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips) da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A licença é não-exclusiva, com prazo fixo, devendo o titular ser remunerado conforme valor arbitrado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). “No caso das patentes referentes ao Efavirenz, a licença compulsória ocorreu por motivo de interesse público para fins de uso não-comercial, ou seja, para dispensação exclusiva e gratuita do medicamento pelo programa nacional”, disse Constance.
Segundo ela, frustradas as tentativas de negociação do Ministério da Saúde, considerou-se que a compra do produto junto ao titular, em vista do preço praticado, estava comprometendo a viabilidade do programa nacional. “A economia pode chegar a quase 72% com base no preço determinado pelo fabricante”, apontou.
“Pode-se dizer que a licença, neste caso, cumpriu com o interesse público de garantir o acesso universal e gratuito ao tratamento de pessoas portadoras da doença no Brasil”, destacou Constance, lembrando que o prazo da licença foi determinado em cinco anos, renovável por igual período, e a remuneração ao titular foi fixada em 1,5% do custo de produção.
“Vale lembrar ainda que o uso de tal mecanismo vem cercado de fortes pressões por parte da indústria farmacêutica e dos países onde se situam essas empresas”, disse a pesquisadora do Inserm.
Crescimento de sucesso
Por outro lado, além do aumento na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes em tratamento, a redução das taxas de hospitalização possibilitou, desde a criação do Programa Nacional de DST e Aids, em 1986, uma economia estimada em mais de US$ 2 bilhões até 2006, segundo dados do Ministério da Saúde.
O sucesso do programa, aponta Constance, se deve ao emprego de uma combinação de estratégias para baratear o custo do tratamento anti-retroviral, de modo a atender objetivos de cobertura em conformidade com critérios de qualidade estabelecidos previamente.
“O programa nacional distribui atualmente 17 tipos de anti-retrovirais que compõem o tratamento de aproximadamente 200 mil pacientes em todo o Brasil”, estimou. Paralelamente, é feita a distribuição gratuita de preservativos, agulhas e seringas descartáveis.
Essas atividades de prevenção levaram a uma redução na taxa de incidência da doença no país, de 22,2 casos por 100 mil habitantes em 2002 para 17,5 em 2006, de acordo com o Ministério da Saúde.
Mas, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), há cerca de 620 mil pessoas vivendo com a doença no Brasil, o que corresponde a mais de um terço do total de infectados em toda a América Latina. “Calcula-se a ocorrência de, em média, 11 mil óbitos pela doença a cada ano no país, sendo que, entre 1980 e 2006, foram notificados cerca de 193 mil óbitos”, apontou Constance.
Com base nos números expressivos de óbitos, a pesquisadora volta a destacar a hipótese registrada em seu estudo de que, caso se mantenha, o aumento dos gastos com a compra de anti-retrovirais para o programa nacional pode comprometer o acesso ao tratamento contra HIV-Aids no Brasil.
“Medidas urgentes precisam ser tomadas no sentido de garantir a sustentabilidade da política de acesso universal e gratuito ao tratamento contra a doença no Brasil”, disse.
Para ler o artigo Patentes farmacêuticas e saúde pública: desafios à política brasileira de acesso ao tratamento anti-retroviral, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui
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