Experimentos realizados com o estorninho europeu mostraram que esses animais seguem a racionalidade econômica
Estudo realizado por etóloga brasileira mostra que a aplicação indiscriminada de conceitos da economia em experimentos biológicos gera conclusões erradas. A irracionalidade econômica presente nos humanos, ao contrário do que defendem alguns pesquisadores, talvez não esteja presente no mundo animal
Estudo realizado por etóloga brasileira mostra que a aplicação indiscriminada de conceitos da economia em experimentos biológicos gera conclusões erradas. A irracionalidade econômica presente nos humanos, ao contrário do que defendem alguns pesquisadores, talvez não esteja presente no mundo animal
Experimentos realizados com o estorninho europeu mostraram que esses animais seguem a racionalidade econômica
Agência FAPESP - Nem todo ser humano acerta quando toma uma decisão econômica em sua vida. Ao contrário de usar apenas princípios consistentes, com o objetivo de maximizar os seus ganhos, as pessoas se deixam levar pelo lado psicológico ou pelo método da tentativa e erro e acabam se comportando como seres irracionais.
E no mundo animal, essa racionalidade econômica também está ausente em alguns casos? Será que a seleção natural não escolhe apenas aqueles espécimes que são mais aptos para a reprodução? Muitos economistas e biológos se debruçaram sobre esse problema nos últimos anos. Em 2002, inclusive, o psicólogo experimental Daniel Kahneman ganhou o prêmio Nobel de Economia por demonstrar, no homem, violações dos princípios da racionalidade econômica.
Uma das formas de se medir essa cobiçada racionalidade econômica – apesar do termo, ele nada tem a ver com capacidade de raciocínio, uso da lógica ou dedução – é pelo princípio da transitividade. Ou seja, se uma pessoa prefere usar o carro em vez de ônibus, e andar de ônibus em vez de bicicleta, necessariamente, no momento de uma escolha, o carro será mais importante que o ônibus que será mais importante que a bicicleta.
Ao tentar fazer essas medições em animais, em aves, por exemplo, muitos economistas aplicaram os princípios econômicos sobre resultados obtidos com base na observação animal. Em grande parte deles, o veredicto veio de forma direta. As aves, ao escolherem seus alimentos, por exemplo, também estariam pegando alguns atalhos. Elas também seriam irracionais, como os seres humanos.
A etóloga brasileira (estudiosa do comportamento animal) Cynthia Schuck-Paim, que depois de um período de estudos na Universidade de Oxford está agora no Grupo de Etologia Cognitiva do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, resolveu verificar os resultados dos economistas. Um dos artigos dela, publicado na edição de dezembro da revista PloS (Public Library of Science) Biology, recolocou, pelo menos por enquanto, a racionalidade no mundo animal.
"O que critico no meu artigo é a aplicação indiscriminada dos conceitos e metodologias econômicas em contextos biológicos, sem que os devidos ajustes e controles sejam realizados", disse Cynthia à Agência FAPESP. "O nosso estudo mostra que as conclusões obtidas por tais experimentos não têm sólidos fundamentos empíricos, devido aos problemas de delineamento experimental e de interpretação, sem parcimônia, dos resultados", adverte a pesquisadora.
No caso específico do estudo desenvolvido pela brasileira e colaboradores, estorninhos europeus foram treinados para escolher entre três fontes de alimentos. Duas eram ricas em nutrientes (A e B) e a terceira pobre (armadilha). Dois contextos diferentes foram montados. A diferença entre os dois cenários estava na constituição do alimento com baixo valor nutritivo (armadilha 1 e 2). Essa variação, portanto, alterava o estado energético das aves entre as duas situações.
"Mostramos que as preferências por A e B foram diferentes entre os dois contextos, em aparente violação do princípio da racionalidade econômica", explica Cynthia. "Isso ocorreu, entretanto, apenas na situação em que as diferenças energéticas entre os contextos, geradas pela presença das opções armadilha 1 e 2, não foram controladas." Para o grupo dos etólogos, a falta de controle do estado energético dos animais é um dos grandes erros cometidos pelos economistas.
"Imagine que uma pessoa prefere salada à carne no início de uma refeição e carne à fruta no meio de seu processo alimentar. E, no final, ela pudesse optar entre salada e fruta." Pelo princípio da transitividade econômica, explica Cynthia, era esperado que esse ser humano preferisse salada no lugar da fruta, uma vez que na ordem de escolha dele, salada veio antes da carne que, veio antes da fruta. "No entanto, ao longo da refeição, o estado dessa pessoa mudou e, portanto, ele escolheu fruta."
No exemplo dado acima, a conclusão mais direta é afirmar que a racionalidade foi quebrada, o que está errado segundo a pesquisadora brasileira. "Essa seria uma análise equivocada, a coerência no padrão de preferência só pode ser analisada se forem mantidos todos os outros fatores iguais", argumenta Cynthia. No caso do experimento realizado por ela, o controle do estado energético das aves foi feito com adição de complementos alimentares.
Apesar da crítica feita aos estudos econômicos que tentaram encontrar a irracionalidade entre as aves, a pesquisadora brasileira lembra que o histórico dos estudos etológicos mostra que idéias surgidas no contexto econômico já deram muitos frutos. "No que se refere ao entendimento do desenvolvimento do comportamento animal, por exemplo, temos o caso da teoria dos jogos, formada em um contexto econômico, que é usada para explicar a evolução de conflitos entre os animais. Como o caso da agressividade entre cervos e antílopes."
Para ler, na íntegra, o artigo na PLOS-Biology, clique aqui.
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