No alto, um tambaqui recém-saído de tanque normal de criação. Logo abaixo, o mesmo animal mais estressado e escuro depois de 10 dias em tanque de confinamento de 2 mil litros (foto: Celma Lemos/Caunesp)

Piscicultura
Avaliação por inteligência artificial indica nível de estresse de peixe amazônico cultivado
22 de agosto de 2025

Pesquisadores da Unesp com colaboração da Embrapa desenvolvem ferramenta que pode ser usada para aumentar bem-estar animal ao avaliar tambaquis por meio da coloração da metade inferior do corpo; Brasil é o maior produtor mundial da espécie

Piscicultura
Avaliação por inteligência artificial indica nível de estresse de peixe amazônico cultivado

Pesquisadores da Unesp com colaboração da Embrapa desenvolvem ferramenta que pode ser usada para aumentar bem-estar animal ao avaliar tambaquis por meio da coloração da metade inferior do corpo; Brasil é o maior produtor mundial da espécie

22 de agosto de 2025

No alto, um tambaqui recém-saído de tanque normal de criação. Logo abaixo, o mesmo animal mais estressado e escuro depois de 10 dias em tanque de confinamento de 2 mil litros (foto: Celma Lemos/Caunesp)

 

André Julião | Agência FAPESP – Um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal, em colaboração com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), desenvolveu uma ferramenta de inteligência artificial (IA) para avaliar o estresse do tambaqui (Colossoma macropomum), peixe nativo mais produzido no Brasil. O estudo foi publicado na revista Aquaculture.

Os resultados podem ter impacto tanto para o aumento do bem-estar dos animais quanto para a seleção de exemplares mais tolerantes ao ambiente de cultivo. O tambaqui é uma espécie amazônica cultivada sobretudo nos Estados da região Norte. O Brasil é o maior produtor mundial da espécie, fornecendo 110 mil toneladas em 2022 (leia mais em: agencia.fapesp.br/54167 e agencia.fapesp.br/37902).

“Primeiro verificamos que, em uma condição estressante, ou seja, em um ambiente mais confinado do que o normal, os peixes ficavam mais escuros. Depois, que a adição de um hormônio ligado ao estresse também alterava a coloração nas escamas. Então treinamos um software com mais de 3 mil imagens para chegarmos num limiar de estresse que pudesse orientar piscicultores e programas de seleção genética, pois vimos que essa é uma característica herdável”, explica Diogo Hashimoto, professor do Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp), que coordenou o estudo.

O trabalho tem como primeira autora Celma Lemos, que realiza doutorado na instituição, e integra projeto apoiado pela FAPESP no âmbito de um acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

Para desenvolver a ferramenta, os pesquisadores fotografaram 3.780 tambaquis de duas populações, uma do Caunesp (1.280 indivíduos) e outra da Embrapa Pesca e Aquicultura, em Palmas, no Tocantins (2.500 indivíduos), com a colaboração da equipe coordenada pela pesquisadora Luciana Shiotsuki.

Em seguida, cada imagem teve marcada a região que deveria ser avaliada pelo software, a metade inferior do corpo. O contraste com a coloração da parte superior é bastante comum em peixes, provavelmente um atributo da seleção natural, que resultou numa espécie de camuflagem. O “countershading”, como é chamado em inglês, pode ser observado, por exemplo, em tubarões, que têm o ventre mais claro do que as costas.

Os pesquisadores treinaram então um modelo de aprendizado profundo (deep learning) para chegar a um limiar que indica, pelo número de pixels pretos em relação aos brancos da imagem, o grau de estresse dos tambaquis.

Uma vez que os exemplares do Tocantins tinham sido marcados quanto à sua ascendência, foi possível saber quanto a característica pode ser passada adiante. “Calculamos que a tolerância ao estresse é uma característica moderada a altamente herdável. Isso se reflete em ganho de peso e tolerância a doenças, abrindo caminho para termos gerações com cada vez mais bem-estar em ambiente de cultivo”, avalia Hashimoto.

Mecanismos fisiológicos

A mudança na coloração sob estresse é uma característica encontrada em diversas espécies de peixe, mas ainda não havia sido comprovada no tambaqui. No caso das que se tornam mais escuras à medida que estão mais estressadas, como a tilápia (Oreochromis niloticus), um hormônio envolvido no estresse promove a expansão dos melanóforos, células que, a olho nu, são pequenas pintas pretas.

Para comprovar o efeito no tambaqui, os pesquisadores coletaram escamas de seis indivíduos, da população de Jaboticabal, e as mergulharam em duas soluções. Numa delas, havia uma solução neutra e o α-MSH, uma versão do hormônio estimulante de melanóforos. Na outra, apenas a solução neutra. Depois de 30 minutos, os autores observaram que as banhadas no hormônio estavam mais escuras, com os melanóforos expandidos.


Escamas antes e depois de 30 minutos mergulhadas em solução com hormônio ligado a estresse: indicado pela seta, expansão de melanóforos gera coloração mais escura (foto: Celma Lemos/Caunesp)

Em outro experimento, seis tambaquis foram retirados dos tanques normais de criação, de 200 metros quadrados, fotografados e divididos em três reservatórios redondos muito menores, de 2 mil litros (85 centímetros de altura e 1,66 metro de diâmetro). Depois de dez dias, foram novamente fotografados e a diferença de coloração era evidente, confirmando que a espécie também fica mais escura à medida que se estressa.

“A ferramenta de IA pode ser usada para monitorar o estresse dos peixes cultivados, num momento em que se cobra cada vez mais bem-estar animal. Apenas avaliando as fotos dos animais, seria possível obter essa medida e melhorar as práticas quando necessário, como reduzir o número de indivíduos por tanque, por exemplo”, diz o pesquisador.

O artigo Deep learning approach for genetic selection of stress response in the Amazon fish Colossoma macropomum pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0044848625007343.
 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.