Niéde Guidon afirma que se não tiver apoio financeiro do governo federal deixará o trabalho na Serra da Capivara (foto: E.Geraque)
A arqueóloga Niéde Guidon está irredutível. Sem os R$ 400 mil mensais para a manutenção do Parque Nacional da Serra da Capivara ela larga tudo e, no fim do ano, vai embora para a França. A pesquisadora dedica-se à região há mais de 30 anos
A arqueóloga Niéde Guidon está irredutível. Sem os R$ 400 mil mensais para a manutenção do Parque Nacional da Serra da Capivara ela larga tudo e, no fim do ano, vai embora para a França. A pesquisadora dedica-se à região há mais de 30 anos
Niéde Guidon afirma que se não tiver apoio financeiro do governo federal deixará o trabalho na Serra da Capivara (foto: E.Geraque)
Agência FAPESP - Há 33 anos, a arqueóloga Niéde Guidon explorou pela primeira vez a região da Serra da Capivara, no Piauí. Nunca mais quis estudar outro lugar. A região, que antes conhecia apenas de poucas fotos, revelou conter muito mais informações do que esperava, especialmente do ponto de vista científico.
Paulista de Jaú, formada pela Universidade de São Paulo, Niéde deixou o Brasil em 1964, aos 33 anos. Foi para a França, cursar pós-graduação na Sorbonne. Foi como integrante de uma equipe franco-brasileira que ela visitou pela primeira vez a área de onde nunca mais sairia. Pelo menos por enquanto.
Esse casamento, segundo confirmou a arqueóloga à Agência FAPESP, está prestes a ser desfeito. Há algumas semanas, ela havia anunciado a decisão de deixar a Serra da Capivara. E o discurso apresentado durante a 58ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Florianópolis, mostrou que está irredutível. "Preciso de R$ 400 mil mensais para manter o parque. Sem isso, vou para a França no fim do ano", disse.
Apesar de o governo federal estar ciente da situação, o Ministério do Meio Ambiente, que reconhece o trabalho feito no Piauí, declarou que não pode dar tratamento diferenciado para o parque nacional lá existente. Nenhuma das instituições brasileiras do tipo recebe um orçamento fixo.
Na contabilidade apresentada por Niéde, há dois anos o Ibama não repassa um centavo para a região. A última vez foi em 2004, com R$ 764 mil. "Seriam necessários pelo menos 300 funcionários para fazer todo o serviço", disse.
Em termos de infra-estrutura há outro problema. Como a região tem vocação nata para o ecoturismo, segundo Niéde, seria fundamental a construção de um aeroporto no local. Hoje, a forma mais fácil de chegar a São Raimundo Nonato é descer de avião em Petrolina (PE) e enfrentar uma estrada de 300 quilômetros, "em péssimas condicões", até o parque. "Tenho notícia de que foram liberados, desde 1996, R$ 21 milhões para o aeroporto. O máximo que existe é o local, já desmatado, onde seria construída a pista", disse.
O Parque Nacional da Serra da Capivara tem elevada importância por causa de pinturas rupestres e sítios arqueológicos intrigantes, encontrados na região pela própria equipe de Niéde. Mas, se a pesquisadora tem unanimidade quando o assunto é a luta pela preservação ambiental de uma área e pela preservação social de uma comunidade, o mesmo não ocorre quando o assunto são as teorias científicas defendidas por ela.
Segundo Niéde, os sítios arqueológicos datados em até 100 mil anos e os ossos humanos de 15 mil encontrados na região podem ser explicados de forma simples. "A migração humana veio da África para o Norte do Brasil. E, depois, começou a se espalhar para o resto do continente", disse. Para a pesquisadora, formada na escola européia, a tese de que o homem chegou às Américas pelo estreito de Bering não é uma teoria mundial da antropologia. "Essa é uma visão extremamente norte-americana", afirma.
Divergências teóricas com outros cientistas à parte, os sítios arqueológicos da Serra da Capivara são um importante e rico registro da pré-história do homem na América, que não pode ser abandonado.
A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.