Biofilme microcosmo cariogênico não tratado com terapia fotodinâmica mostrando um aglomerado de diferentes tipos de microrganismos recobrindo totalmente a dentina (imagem: Arquivo da pesquisadora Juliana Campos Junqueira)

Terapia fotodinâmica com clorina e-6 pode ser eficaz no tratamento contra a cárie dentária
06 de janeiro de 2022
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Pesquisa da Unesp de São José dos Campos mostrou que técnica inibe atividade de bactérias e pode ser aplicada em consultórios

Terapia fotodinâmica com clorina e-6 pode ser eficaz no tratamento contra a cárie dentária

Pesquisa da Unesp de São José dos Campos mostrou que técnica inibe atividade de bactérias e pode ser aplicada em consultórios

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Biofilme microcosmo cariogênico não tratado com terapia fotodinâmica mostrando um aglomerado de diferentes tipos de microrganismos recobrindo totalmente a dentina (imagem: Arquivo da pesquisadora Juliana Campos Junqueira)

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – A terapia fotodinâmica com o uso de clorina e-6, um fotossensibilizador comercializado no Brasil, se mostrou eficaz no tratamento auxiliar de cárie dentária, podendo ser aplicada em consultórios. A técnica teve efeitos antimicrobianos, inibindo, in vitro, a atividade de placa bacteriana (biofilme) com vários tipos de microrganismos cariogênicos, entre eles o Streptococcus mutans, um dos mais comuns.

O resultado foi obtido em pesquisa realizada no âmbito das bolsas FAPESP de Iniciação Científica de Rafael Araújo da Costa Ward e de Nathália Maria Ferreira Gonçalves, sob a orientação da professora Juliana Campos Junqueira, do Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São José dos Campos. O trabalho foi publicado em novembro de 2021 em artigo na revista científica Pharmaceutics.

Os pesquisadores coletaram amostras de tecidos de dentes (dentina) contaminados por cárie de três diferentes pacientes para formar, in vitro, os biofilmes. Eles apresentaram variações na composição microbiana, sendo formados por estreptococos, lactobacilos e leveduras.

Esses biofilmes foram tratados com terapia fotodinâmica associada à irradiação LED, mediada pelo fotossensibilizador derivado da clorina e-6 (Fotoenticine), e depois analisados pela contagem das unidades formadoras de colônias (log10 UFC) em meios de cultura seletivos e não seletivos.

No geral, a terapia fotodinâmica erradicou a bactéria Streptococcus mutans. Além disso, diminuiu até 3,7 unidades (log10 UFC) de microrganismos totais. No caso de estreptococos, a redução foi de 2,8 log10 UFC e, no de lactobacilos e leveduras, 3,2 log10 UFC em cada um deles. Essas reduções em log indicaram uma eficácia de atividade antimicrobiana de aproximadamente 99%.

O tratamento também conseguiu desagregar a placa bacteriana, reduzindo a concentração de ácido que ajuda a provocar a cárie (queda de 1,1 a 1,9 mmol de lactato/L). Para avaliar a estrutura do biofilme e a produção de ácido pelos microrganismos, os pesquisadores usaram análises microscópicas e espectrofotométricas, respectivamente.

A cárie consiste em uma deterioração do dente, influenciada pelo estilo de vida do indivíduo, incluindo o que come, como cuida da saúde bucal e a presença de flúor, seja na água ingerida ou no creme dental. A hereditariedade também tem um papel importante.

"A odontologia avançou muito nos últimos anos, mas até hoje a cárie ainda precisa ser tratada utilizando aparelhos rotatórios e brocas, que podem ser desconfortáveis para o paciente. A terapia fotodinâmica é um tratamento auxiliar. Em crianças, por exemplo, com lesões extensas de cárie, o uso de brocas pode gerar inquietação do paciente e levar à perda de estrutura do dente não afetado. Uma alternativa é fazer a remoção manual da cárie e usar a terapia fotodinâmica com clorina, possibilitando um tratamento rápido, sem dor e com maior preservação da estrutura do dente", explica Junqueira, autora correspondente da pesquisa.

Os tratamentos contra a cárie incluem aplicação de flúor, obturações e colocação de coroas, sendo que os casos graves podem precisar de tratamento de canal ou remoção do dente.

Segundo a professora, a terapia fotodinâmica já é aplicada em clínicas de odontologia, mas o fotossensibilizador mais usado é o azul de metileno, que é um corante e, por isso, há uma concentração limite de uso para evitar manchar os dentes.

"Temos buscado outras opções de fotossensibilizadores, e a clorina e-6 mostrou bons resultados. Entre as vantagens estão o fato de não ser um corante, por isso não mancha, e poder usar a luz no comprimento de onda em torno de 650 a 660 nanômetros (nm), faixa obtida por equipamentos que os dentistas já contam nos consultórios", explica Junqueira, que foi orientadora de pós-graduação da primeira autora do artigo, Maíra Terra Garcia, juntamente com a professora Juliana Ferreira-Strixino.

Coordenadora do Laboratório de Fotobiologia Aplicada à Saúde (Fotobios), da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos, Ferreira-Strixino foi uma das autoras de um estudo publicado no início de 2021 mostrando que a terapia fotodinâmica com o uso da curcumina, substância encontrada no açafrão da terra (curcuma longa), foi eficaz na redução da carga parasitária e até na eliminação do protozoário Leishmania (Mais informações em https://agencia.fapesp.br/36604/).

"A terapia fotodinâmica tem sido bastante estudada para várias aplicações, entre elas contra a leishmaniose, infecções cutâneas e até câncer, mas também vem sendo pesquisada na utilização contra microrganismos. Além disso, sua aplicação localizada permite tratar lesões na cavidade bucal, o que nos levou a trabalhar com ela", diz Junqueira.

A terapia fotodinâmica (PDT, na sigla em inglês) consiste em um processo fotoquímico decorrente da interação de luz, oxigênio e um composto sensível à luminosidade (fotossensibilizador). Baseia-se na administração desse composto, na forma tópica ou injetável.

Após um determinado período, o tecido é irradiado por meio de uma fonte de luz, com comprimento de onda específico para o composto usado. A luminosidade deixa o composto em um estado excitado, possibilitando que reaja com as estruturas da célula dos microrganismos e tenha ação antimicrobiana.

A professora explica que um diferencial da pesquisa é o tipo de biofilme utilizado, um microcosmo, desenvolvido a partir de amostras colhidas dos pacientes selecionados em clínicas odontológicas da cidade de São José dos Campos. Eles estavam na faixa etária dos 20 aos 40 anos e tinham pelo menos uma lesão de cárie dentária em molar.

O material coletado foi usado, in vitro, para reproduzir um biofilme com vários tipos de microrganismos. O total de espécies microbianas encontradas na cavidade bucal humana pode chegar a 700, das quais pelo menos 40 já foram associadas com a cárie.

"Há uma dificuldade de reproduzir em laboratório o ambiente real dos microrganismos na cavidade bucal dos pacientes, como na saliva e no biofilme. Em nosso trabalho conseguimos fazer isso e analisar a ação que a terapia fotodinâmica com clorina e-6 pode ter sobre ele", resume Junqueira à Agência FAPESP.

No país, ainda há poucos dados sobre a saúde bucal da população. O projeto SB Brasil, realizado dentro da Política Nacional de Saúde Bucal, teve a execução ampliada por causa da pandemia de COVID-19 e só apresentará resultados no final de 2022.

O último levantamento nacional feito pelo Ministério da Saúde, em 2010, apontava que 46,6% das crianças aos 5 anos estavam livres de cárie nos primeiros dentes (chamada de dentição decídua) e 43,5% apresentavam a mesma condição aos 12 anos, na dentição permanente. Já nas faixas etárias de 15 a 19; 35 a 44 e 65 a 74 anos, os percentuais caíram para 23,9%, 0,9% e 0,2%, respectivamente.

O artigo Susceptibility of Dental Caries Microcosm Biofilms to Photodynamic Therapy Mediated by Fotoenticine, dos pesquisadores Maíra Terra Garcia, Rafael Araújo da Costa Ward, Nathália Maria Ferreira Gonçalves, Lara Luise Castro Pedroso, José Vieira da Silva Neto, Juliana Ferreira Strixino e Juliana Campos Junqueira, pode ser lido em https://www.mdpi.com/1999-4923/13/11/1907/htm.

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