Áreas anteriormente de baixa densidade, como os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, são palcos da proliferação acelerada de edifícios altos ( foto: Vila Madalena/Rodrigo Paoletti/Wikimedia Commons)
Em vez de abrigarem apartamentos acessíveis, prédios cada vez mais altos, construídos ao redor de estações de trem, metrô e corredores de ônibus, estão se tornando enclaves de alta renda, empurrando populações de menor poder aquisitivo para as periferias
Em vez de abrigarem apartamentos acessíveis, prédios cada vez mais altos, construídos ao redor de estações de trem, metrô e corredores de ônibus, estão se tornando enclaves de alta renda, empurrando populações de menor poder aquisitivo para as periferias
Áreas anteriormente de baixa densidade, como os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, são palcos da proliferação acelerada de edifícios altos ( foto: Vila Madalena/Rodrigo Paoletti/Wikimedia Commons)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um novo surto de verticalização está modificando rapidamente a paisagem urbana da cidade de São Paulo. Intensificado entre 2005 e 2019, o processo retomou seu ímpeto depois da pandemia. Áreas anteriormente de baixa densidade, como a região da avenida Faria Lima e os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, são palcos da proliferação acelerada de edifícios altos e adquirem um novo perfil socioeconômico, a exemplo do que já havia ocorrido tempos atrás nos bairros de Moema e Santana e no vizinho município de Osasco. Trata-se de um fenômeno complexo, que interage com macroestruturas de financeirização global, dinâmicas de mercado imobiliário e políticas de habitação e planejamento urbano.
Com colaborações de vários especialistas, um livro investiga o tema em profundidade, comparando os processos de verticalização de diferentes cidades do mundo. Trata-se de Producing and living the high-rise: New contexts, old questions? [Produzindo e vivendo em high-rise: Novos contextos, velhas questões?], editado por Manoel Rodrigues Alves, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP); Manuel Appert, professor da École Nationale Supérieure d'Architecture de Lyon, França; Christian Montès, professor da Université Lyon 2.
“Adotando um olhar não eurocêntrico, o livro ilustra novas formas de produzir desigualdade por meio da verticalização residencial. E acrescenta uma nova dimensão à distribuição espacial das populações, reexaminando os processos de segregação e fragmentação na cidade”, diz Rodrigues Alves.
E informa que, na cidade de São Paulo, o atual boom de verticalização foi impulsionado por supostos novos modos de morar, mudanças na política de financiamento habitacional e pelas possibilidades encontradas por agentes do mercado imobiliário, em um contexto de financeirização da habitação, com a articulação das grandes corporações imobiliárias com fundos de investimento, que priorizam o retorno financeiro em detrimento de considerações ambientais ou sociais.
“Uma gentrificação acentuada está sendo implementada em municípios empreendedores, que, observando um capitalismo regulatório que é expressão de um urbanismo neoliberal, criam condições que favorecem o controle de empreendedores sobre o espaço urbano e a captação de recursos. Isso tende à mercantilização e financeirização da habitação”, ressalta. Vale lembrar que a palavra “gentrificação” se refere à sobrevalorização de determinadas áreas urbanas e do consequente aumento da desigualdade socioespacial.
O resultado, explica o pesquisador, é uma produção de moradia que não atende às necessidades das populações de distintos perfis socioeconômicos, em particular as de baixa renda, intensificando ainda mais a segregação urbana. Bairros antes acessíveis, representação de uma cidade miscigenada e de uma maior equidade urbana, tornam-se enclaves de alta renda, empurrando populações de menor poder aquisitivo para periferias distantes.
O Plano Diretor Estratégico de São Paulo, de 31 de julho de 2014, visando o adensamento ao longo dos chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, liberou áreas consideráveis ao redor de estações de trem, estações de metrô e corredores de transporte público para a construção de edifícios verticais sem limitação de andares. O objetivo declarado era oferecer opções, por meio do instrumento específico da “Cota Habitação”, de moradia para segmentos sociais de menor renda e promover a concentração populacional em regiões mais bem servidas por transporte público e equipamentos urbanos. “Mas o mercado imobiliário rapidamente encontrou maneiras de perverter o plano”, afirma Rodrigues Alves.
E destaca como agentes do mercado imobiliário, explorando brechas nas regulamentações de normas de planejamento, utilizam os espaços públicos no entorno de novos edifícios residenciais em São Paulo: “Em vez de uma maior equidade urbana, um olhar mais atento mostra como a suposta ‘inclusão’ é trabalhada por esses agentes, por meio de truques projetuais, para a obtenção de permissões das autoridades locais, muitas vezes resultando em uma paisagem urbana caracterizada por espaços urbanos privados e controlados com um certo grau de domínio público”.
O pesquisador dá exemplos: em áreas limitadas a 55 metros quadrados, em vez de apartamentos populares de dois dormitórios, estão sendo construídos estúdios sofisticados, até mesmo financiados para empreendedores por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida; a limitação de uma vaga por apartamento na garagem, conforme proposto pelo Plano Diretor, é contornada com o aluguel, a preços simbólicos, de vagas adicionais nos estacionamentos; a perversão dos “espaços públicos de fruição” no nível da rua ou a forma como é implementada a assim denominada “fachada ativa”, com os estabelecimentos comerciais de alto padrão.
“O processo de gentrificação ocorre inclusive no interior dos edifícios (built-high gentrification), onde os apartamentos mais altos são valorizados e conferem maior status social aos moradores. Em uma cidade de prédios cada vez mais altos, o descortínio visual tornou-se um valor agregado ao imóvel”, comenta Rodrigues Alves.
Paralelamente, a infraestrutura existente muitas vezes não acompanha o ritmo acelerado da construção. Problemas com transporte, saneamento e falta de áreas verdes são exacerbados pelo adensamento populacional. “Estes desafios destacam a necessidade urgente de políticas públicas integradas que considerem não apenas o desenvolvimento imobiliário, mas também a equidade e a sustentabilidade da vida urbana. A análise da verticalização em São Paulo é uma lente através da qual podemos examinar questões mais amplas de sustentabilidade ambiental, equidade urbana e justiça social. As decisões tomadas hoje determinarão o rosto da metrópole nas próximas décadas, afetando não apenas a qualidade de vida em São Paulo, mas também seu papel no cenário global”, alerta o pesquisador.
O estudo que resultou no livro em pauta foi apoiado pela FAPESP por meio do projeto “High-rise living and the inclusive city”, financiado mediante convênio com a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França. Mais informações sobre o livro Producing and living the high-rise: New contexts, old questions? podem ser acessadas em https://vernonpress.com/book/1878.
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