Especialista em estudos da violência, o antropólogo Gilberto Velho defende que o permanente estado de tensão em que a sociedade está submersa tem provocado a modernização dos costumes (foto: Karin Fusaro)

A vida na clausura
20 de julho de 2005

Especialista em estudos da violência, o antropólogo Gilberto Velho defende que o permanente estado de tensão em que a sociedade está submersa tem provocado a modernização dos costumes

A vida na clausura

Especialista em estudos da violência, o antropólogo Gilberto Velho defende que o permanente estado de tensão em que a sociedade está submersa tem provocado a modernização dos costumes

20 de julho de 2005

Especialista em estudos da violência, o antropólogo Gilberto Velho defende que o permanente estado de tensão em que a sociedade está submersa tem provocado a modernização dos costumes (foto: Karin Fusaro)

 

Por Karin Fusaro, de Fortaleza

Agência FAPESP - Uma das conseqüências mais graves da generalização da violência – quando o medo perde o foco e passa a impregnar todas as esferas do cotidiano – é a perda da sociabilidade. Contaminadas pelo terror, as pessoas deixam de interagir, restringem-se a pequenos grupos ou recolhem-se à completa clausura.

Evidências desse comportamento que se alastra por todas as camadas sociais é o crescimento da vida em condomínios, o aumento da demanda pela segurança privada e descrédito do poder público. A vida atrás das grades não é um sonho de consumo, é uma necessidade que a população se impõe por antever a violência. Em outras palavras: o medo de sentir medo.

Esse cenário foi descrito pelo antropólogo Gilberto Velho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na conferência Violência: uma perspectiva antropológica, realizada na terça-feira (19/7), na 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Fortaleza.

"Os espaços púbicos estão ameaçados. A natureza simbólica da generalização do medo, caracterizada por ameaças de assaltos e assassinatos, gera um quadro extremo de cautela que implica na conseqüente rejeição ao outro e no isolamento social", disse.

De acordo com o antropólogo, o isolamento da classe média é claro. No Rio de Janeiro, onde Velho concentra seus estudos, famílias e amigos organizam excursões para não saírem sozinhos nos horários considerados perigosos.

Enquanto a terceira idade é o setor mais atingido pelo medo, as gerações mais novas, que só conhecem esse ambiente, desenvolvem mapas socioculturais com trilhas e caminhos de sobrevivência. No processo de negociação da sociabilidade entre pais e filhos, a modernização dos costumes surge como conseqüência.

"Hoje, é muito comum pais permitirem que os filhos durmam na casa da namorada e vice-versa. Eles flexibilizam as relações pelo medo de o jovem circular sozinho à noite", afirmou Velho.


Generalização da violência

Analisando a estética da violência na cidade de Porto Alegre, Cornelia Eckert, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, traçou o imaginário da violência e como ele se reflete no cotidiano da população local desde a década de 1960.

O trabalho, apresentado no simpósio Antropologia e imagem: medo e terror, exclusão e violência no contexto contemporâneo, também durante a SBPC, resultou no documentário Cidade sitiada.

Cornelia lembra que, nas décadas de 1950 e 1960, a preocupação era com o aumento da criminalidade e atentado ao patrimônio privado. As casas aparecem com muros baixos numa tentativa de restringir o acesso à porta. Na década de 1970, veio o medo da repressão política. Nos anos 1990, o maior temor era com os latrocínios e a preocupação com o patrimônio se transformou em medo de perder a vida.

Nos últimos cinco anos vem sendo constatado o crescimento do marketing por sistemas de segurança pessoal e familiar. "A população entrevistada demonstrou frustração e sentimento de capitulação diante da possibilidade de violência", disse a pesquisadora. Segundo ela, o desconsolo das pessoas é motivado pela perda da previsibilidade da rotina e da liberdade.

De acordo com Gilberto Velho, a situação das populações mais pobres, moradoras de favelas e periferias dos grandes centros urbanos, é evidentemente pior. Elas estão sujeitas à ação opressora de gangues e sua vulnerabilidade se evidencia diante da ação policial, muitas vezes truculenta e arbitrária, e de grupos de extermínio. Assim, seus movimentos e relações interpessoais são definidos a partir de toques de recolher e pactos de sobrevivência com os grupos criminosos dominantes em tais comunidades.

Nesse cenário de desconfiança, os movimentos artísticos como funk, rap e hip-hop aparecem como brechas, espaços onde as relações sociais se concretizam, ainda que timidamente.

"A dolorosa tomada de consciência e o real exercício da cidadania na cobrança do poder público são a melhor forma de mudar o contexto da generalização da violência", disse Velho.


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