O professor da FAU, Paulo Cesar Pereira
(foto: Eduardo Geraque)

A máquina da construção
15 de janeiro de 2004

Estudo que será publicado em livro no próximo mês discute o mercado da construção civil em São Paulo no período de 1872 a 1914. Naquele tempo, a cidade refutou os caboclos taipeiros para prestigiar a qualificada mão-de-obra imigrante

A máquina da construção

Estudo que será publicado em livro no próximo mês discute o mercado da construção civil em São Paulo no período de 1872 a 1914. Naquele tempo, a cidade refutou os caboclos taipeiros para prestigiar a qualificada mão-de-obra imigrante

15 de janeiro de 2004

O professor da FAU, Paulo Cesar Pereira
(foto: Eduardo Geraque)

 

Agência FAPESP - O próprio centenário casarão da rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, na cidade de São Paulo, pode ser usado como exemplo. Onde hoje funciona a unidade de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) morava a família do conde Antônio Alvares Penteado no início do século passado, em edifício projetado pelo arquiteto sueco Carlos Ekman em 1902.

O terreno era bem maior. As exuberantes escadarias de entrada no palácio, que davam para o imenso jardim, ficaram escondidas com o tempo. Elas estão hoje na parte dos fundos do prédio da FAU-Maranhão. Boa parte do terreno que era usado como área de lazer pelos membros da elite paulistana há pouco menos de 100 anos foi fatiado. A verticalização da cidade, e a valorização daquela região, motivaram uma grande transformação na paisagem.

"O período entre 1872 e 1914 é muito importante. Naquela fase se formou o que podemos chamar de máquina da construção, que funciona até hoje", disse Paulo Cesar Xavier Pereira, coordenador do Laboratório de Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo da FAU, à Agência FAPESP. O pesquisador, cientista social por formação, acaba de terminar o livro São Paulo: a cidade em construção, 1872 a 1914. A obra, editada pela Rima, estará nas livrarias em fevereiro. Além de aproveitar as comemorações dos 450 anos de São Paulo, a publicação também terá o selo do aniversário dos 70 anos da USP.

"O estudo procurou imbricar três enfoques que costumam ser tratados de forma separada: a migração, a industrialização e a urbanização", explica Pereira. Segundo o pesquisador, a palavra "construção" no título do livro não é uma metáfora. "A intenção é realmente estudar o processo da construção. Normalmente, o que se vê é uma preocupação com o projeto e depois com a obra pronta", diz.

O casarão da rua Maranhão, mais uma vez, pode ser lembrado. "Na época, a família de proprietários da área onde estamos agora foi buscar na Europa a mão-de-obra para erguer o prédio. São Paulo ainda estava na fase da europeização", explica o professor da FAU.

A construção do casarão de Higienópolis é conseqüência de um processo que ocorreu nos anos 70 do século 19, que vários urbanistas chamam da segunda fundação da cidade. "São Paulo excluiu a taipa a favor do tijolo. Mas não foi apenas isso. Os próprios negros e caboclos que dominavam as técnicas construtivas do barro foram deixados de lado. A mão-de-obra considerada como qualificada era principalmente formada por italianos", disse Pereira.

O fenômeno de prestigiar uma determinada parcela social, em detrimento de outra, nasceu com a própria máquina da construção em São Paulo. E essa característica causa sérios impactos sociais até os dias de hoje. "Além da necessidade de prestigiar para excluir, a construção de uma nova cidade sempre ocorreu às custas da destruição da outra."

Primeiro se acabou com a cidade de taipa. Depois, a cidade nos moldes europeus, da época desse casarão da FAU, deu lugar para a americanização. Do tijolo se passou para o concreto. "Basta olhar para a nossa volta para perceber isso. Os antigos jardins desse palacete estão cheios de prédios", argumenta Pereira.

A máquina da construção paulista se mostra bastante eficiente quando o assunto é destruição, segundo o pesquisador da FAU. "Não ocorreu apenas a negação aos taipeiros, a taipa e a memória de São Paulo. A natureza, por exemplo, também sempre foi renegada desde aquele tempo". O período analisado no livro coincide, por exemplo, com as canalizações dos rios Tamanduateí e Anhangabaú. "Nunca se preocupou muito com a água, por exemplo, ou mesmo com a qualidade do ar."

Após mergulhar na gênese da construção civil paulistana, e perceber as eternas relações entre terra, capital e trabalho, Pereira não tem dúvidas sobre qual deve ser o melhor caminho para o futuro, quando São Paulo passará a rumar para o seu quinto centenário. "A discussão não é se a cidade deve parar ou não de crescer. O importante é saber quando que São Paulo vai realmente se tornar adulta e ter uma máquina de construção menos destrutiva."


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