Livro investiga os periódicos e folhetos avulsos publicados em Lisboa e Madri durante a Guerra da Restauração (1640-1668), que emancipou Portugal do domínio espanhol
Livro investiga os periódicos e folhetos avulsos publicados em Lisboa e Madri durante a Guerra da Restauração (1640-1668), que emancipou Portugal do domínio espanhol
Livro investiga os periódicos e folhetos avulsos publicados em Lisboa e Madri durante a Guerra da Restauração (1640-1668), que emancipou Portugal do domínio espanhol
Livro investiga os periódicos e folhetos avulsos publicados em Lisboa e Madri durante a Guerra da Restauração (1640-1668), que emancipou Portugal do domínio espanhol
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A imprensa exerceu notável influência em vários processos históricos. Entre os exemplos precursores, destaca-se seu papel no curso da Revolução Francesa. Das poucas publicações existentes na França em 1789, o número de jornais alcançou cerca de 1350 títulos em 1809. E seu conteúdo político-ideológico evoluiu do reformismo moderado de Mirabeau, em seu Courrier de Provence, às posições muito mais radicais de Marat, em L'Ami du peuple, e de Hébert, em Le Père Duchesne.
Bem antes disso, ainda no século XVII, a Península Ibérica conheceu um breve surto de publicações impressas, durante a Guerra da Restauração (1640-1668), que emancipou Portugal do domínio espanhol. Nas cidades de Lisboa e Madri, periódicos de notícias, com edições regulares, e folhetos avulsos, centrados em um único acontecimento, chamados de “relações de sucesso”, foram utilizados pelos dois lados, para defender seus interesses no conflito. Infelizmente, essa imprensa embrionária jamais escapou da tutela da Coroa, portuguesa ou espanhola. E teve vida curta, vindo a desaparecer com o final da guerra.
Um livro dedicado ao assunto foi publicado recentemente em Portugal. Trata-se de Nos Prelos da Restauração Portuguesa. “Dar ao mundo verdadeira notícia”, escrito pela historiadora brasileira Caroline Garcia Mendes.
O livro resultou da tese de doutorado de Mendes, desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa FAPESP de Doutorado no Brasil e Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior.
O estudo analisou dois periódicos de notícias publicados em Lisboa – Gazeta da Restauração e Mercurio Portuguez [com as palavras do título grafadas dessa maneira, sem acentuação] – e um periódico publicado em Madri – Gazeta Nueva. E também enfocou folhetos avulsos (“relações de sucesso”) que circularam no mesmo contexto histórico.
“Investigamos os acontecimentos que levaram Portugal a fazer parte dos domínios espanhóis, entre os anos de 1580 e 1640, e analisamos as publicações de notícias impressas sobre a Guerra da Restauração, que se estendeu de 1640 a 1668”, diz Mendes.
A historiadora enfatiza a importância da escrita na Época Moderna, informando que grande parte da população das cidades, mesmo que não soubesse ler e escrever, tinha acesso a ela. “As notícias eram lidas em voz alta em locais específicos, como portos, praças e em frente às igrejas. As pessoas discutiam sobre o que ocorria e havia, inclusive, espaços públicos especialmente dedicados a esses encontros. Os cegos eram os responsáveis por vender impressos pelas ruas, recitando em voz alta o que estava escrito nos papéis”, afirma Mendes.
O livro apresenta o manual de um impressor do século XVII, que ensina o seu ofício e exalta a importância da imprensa, pela possibilidade de multiplicar as publicações e dar maior acesso à população. E descreve as funções dentro da oficina impressora, o papel que era empregado, a importância da ortografia e do formato do impresso. “Mas é preciso dizer que, mesmo com a invenção da prensa móvel, o manuscrito continuou a ser utilizado naquelas sociedades, não havendo uma adoção abrupta da nova tecnologia”, ressalva a historiadora.
Outro tópico importante tratado no livro diz respeito à posição social dos impressores das notícias e a como estes se relacionavam com o governo e a censura. Vale lembrar que a Inquisição era muito ativa tanto na Espanha como em Portugal, sempre ocupada em vigiar e atormentar a vida das pessoas em nome da religião.
“Em Lisboa, todos os impressores da cidade produziram materiais sobre o conflito, sendo necessário passar os impressos pela censura. Isso envolvia enviar previamente o manuscrito que se queria imprimir. E, depois de o manuscrito ser aprovado e a impressão autorizada, retornar à presença da censura, para a comparação entre o manuscrito aprovado e o impresso produzido”, relata Mendes.
A historiadora destaca que, naquele contexto, houve impressores que foram chamados diante do Santo Ofício, para dar explicações sobre impressos que não haviam passado por todos os trâmites exigidos.
É importante notar que essa vigilância estreita ocorria a despeito de os periódicos serem não apenas patrocinados pelos respectivos governos, mas também escritos por personagens altamente situados nas esferas do poder.
O Mercurio Portuguez, publicado em Lisboa entre 1663 e 1667, era escrito por Antonio de Sousa de Macedo, secretário do rei Afonso VI. E a Gazeta Nueva, publicada em Madri entre 1661 e 1663, era escrita por Fabro Bremundan, secretário de Dom Juan José de Áustria, filho bastardo do rei Felipe IV.
Como seria de esperar, essas publicações esmeravam-se em exaltar o próprio lado e fustigar o lado contrário. E, muitas vezes, um impresso “respondia” a outro, que havia sido publicado pelo inimigo.
Porém, Mendes descobriu em sua pesquisa uma diferença relevante entre os conteúdos. “Enquanto os castelhanos eram todos descritos nos papéis portugueses como inimigos a serem combatidos, possuidores de diversas características negativas, como violência, covardia e heresia, os portugueses não eram todos atacados nos papéis castelhanos, tendo em vista que ainda eram considerados vassalos de Felipe IV. A imprensa espanhola centrava o ataque na pessoa do ‘rebelde’ ou ‘tirano’ de Portugal Dom João IV, em seu sucessor, Dom Afonso VI, e em seu grupo de seguidores”, informa.
Nos Prelos da Restauração Portuguesa. “Dar ao mundo verdadeira notícia”
Autora: Caroline Garcia Mendes
Editora: Cravo, Portugal, 2021
Número de páginas no formato kindle: 235
Preço no formato kindle: R$ 24,99
Mais informações: https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink
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