Edísio de Farias Junior durante dois anos das fotografias da editoria de polícia de um jornal popular do Recife (foto: E.Geraque)

A desconstrução da mídia
15 de junho de 2004

Ao se voltarem para a análise dos significados presentes em jornais, antropólogos como Edísio Farias, da UFPB, revelam em Olinda como a imprensa ajuda a reforçar a imagem revestida de naturalidade dos homicídios

A desconstrução da mídia

Ao se voltarem para a análise dos significados presentes em jornais, antropólogos como Edísio Farias, da UFPB, revelam em Olinda como a imprensa ajuda a reforçar a imagem revestida de naturalidade dos homicídios

15 de junho de 2004

Edísio de Farias Junior durante dois anos das fotografias da editoria de polícia de um jornal popular do Recife (foto: E.Geraque)

 

Por Eduardo Geraque, de Olinda

Agência FAPESP - A foto chapada de alguém que acaba de ser morto em uma rua qualquer de uma cidade brasileira, ao mesmo tempo em que choca, ajuda a impulsionar certas imagens destorcidas da sociedade, que acabam entrando cada vez mais no chamado imaginário coletivo. Além, claro, de chamar a atenção do público.

"O que ocorre com essas fotos é que elas acabam tornando, entre outras coisas, o crime algo banal, natural", disse à Agência FAPESP o cientista social Edísio de Farias Junior, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba, durante a Reunião Anual de Antropologia, em Olinda. Na análise feita por ele durante dois anos das fotografias da editoria de polícia de um jornal popular da cidade do Recife, o Diário de Pernambuco, várias outras conclusões puderam ser obtidas.

O que se observa, segundo o cientista social paraibano, é que aquela fotografia, quase sempre instantânea, muito por causa dos prazos exigidos na indústria jornalística moderna, acaba ficando descontextualizada. "Tudo parece uma repetição. Não existe nada revelado pela fotografia exatamente além daquilo do que está sendo visto na imagem", acredita.

Do total de chapas catalogadas por Farias Junior, quase 70% mostravam a imagem de crimes que ocorreram em favelas ou em locais pobres. Cerca de 95% eram de homens. "Mais de 66% eram de menores de 29 anos de idade", disse o sociólogo que está desenvolvendo agora um estudo sobre jovens homicidas.

Se o cenário trazido pelo pesquisador da Paraíba é o Recife, outros trabalhos apresentados em Olinda mostraram realidades semelhantes, mas em outras regiões do Brasil. No caso do estudo de Yuri Costa, da Universidade Federal do Maranhão, os textos publicados na imprensa local sobre crimes também causaram conseqüências sociais. "O discurso midiático sobre o crime implica na naturalização da violência não-estatal, que pode ser exemplificada pelos casos de linchamento, por exemplo", disse.

A imprensa, ao camuflar ou distorcer determinados fatos, segundo Yuri, acaba contribuindo para uma certa legitimização da chamada justiça feita com as próprias mãos. "Além disso, dos mais de 100 casos analisados de linchamento, menos de cinco terminaram em prisões dos linchadores", disse. Esse dado vai levar o pesquisador, agora, a entrar também no mundo do judiciário, além das análises das páginas de jornais.


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