Ana Maria de Moraes Belluzzo, coordenadora do projeto Arte no Brasil – Textos Críticos do Século 20, fala sobre o uso de documentos fundamentais para a reconstrução da historicidade da arte contemporânea feita no país

A arte por trás da obra
18 de maio de 2007

Ana Maria de Moraes Belluzzo, coordenadora do projeto Arte no Brasil – Textos Críticos do Século 20, fala sobre o uso de documentos fundamentais para a reconstrução da historicidade da arte contemporânea feita no país

A arte por trás da obra

Ana Maria de Moraes Belluzzo, coordenadora do projeto Arte no Brasil – Textos Críticos do Século 20, fala sobre o uso de documentos fundamentais para a reconstrução da historicidade da arte contemporânea feita no país

18 de maio de 2007

Ana Maria de Moraes Belluzzo, coordenadora do projeto Arte no Brasil – Textos Críticos do Século 20, fala sobre o uso de documentos fundamentais para a reconstrução da historicidade da arte contemporânea feita no país

 

Por Karin Fusaro

Agência FAPESP – Organizar documentos para que se possa refletir sobre a arte e buscar seus sentidos. Essa é a proposta do projeto Arte no Brasil – Textos Críticos do Século 20, coordenado pela historiadora da arte Ana Maria de Moraes Belluzzo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Com o apoio da FAPESP e do norte-americano The Museum of Fine Arts, Houston (MFAH), Arte no Brasil é a vertente brasileira de um projeto internacional para o resgate e digitalização de documentos primários e raros, tais como manuscritos, cartas e manifestos, deixados por artistas e críticos latino-americanos e de origem latino-americana nos Estados Unidos entre as primeiras décadas do século 20 e os anos 1980.

Trata-se do projeto Documentos do Século 20 – Arte Latino-americana e Latino-norteamericana, coordenado desde 2003 por The International Center for the Arts of the Americas (ICAA), do MFAH, na Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, além dos Estados Unidos. O material estará disponível para consulta pública no portal do MFAH em 2008.

Em entrevista à Agência FAPESP, Ana Maria de Moraes Belluzzo falou sobre a importância de se pensar a obra a partir de seus escritos, trazendo, assim, novas contribuições para a história da arte produzida no país.


Agência FAPESP – Como é feita a escolha dos documentos que serão digitalizados pelo projeto?
Ana Belluzzo – Em geral, para fazer uma boa seleção é preciso ter temas definidos e não andar de acervo em acervo sem critério. As publicações sairão por tópicos, como "Imaginários nacionais e identidades cosmopolitas", ‘Reciclagens e hibridizações na arte da América Latina" e "Arte, ativismo político e câmbio social". E é assim que estamos fazendo a busca de documentos. Os textos de todos os grupos de países participantes do programa do ICAA serão selecionados por um comitê editorial e publicados pelo MFAH na ordem dos tópicos.

Agência FAPESP – Quantos documentos já foram estudados pelo Arte no Brasil?
Ana Belluzzo – Temos perto de 200 pré-selecionados para trabalhar. É mais vantajoso e importante fazer um trabalho seletivo e não só quantitativo. Precisamos de textos considerados fundamentais, que apresentam os fundamentos de uma questão artística, e não de material acessório. Muitos textos abordam o mesmo assunto, mas o bom documento é aquele capaz de organizar o pensamento. Por isso, não interessa a quantidade da documentação, porque a informação fica fragmentada, esparsa e ilegível. Estamos dando prioridade para os textos que fazem reflexão.

Agência FAPESP – Quais são as dificuldades de chegar aos acervos e coleções?
Ana Belluzzo – Esse é um projeto artesanal que dá uma série de pequenos trabalhos. Os arquivos brasileiros são muito diversificados, não reúnem no mesmo acervo documentos de um período específico da arte. Além disso, os arquivos estão espalhados pelo Brasil, o que exige deslocamento. Outro problema é o acesso aos documentos. Se eles ainda não são de domínio público, é necessária a autorização da família do artista ou do próprio artista para se estudar o material. Essa negociação leva tempo. Por isso, a ferramenta digital será um avanço enorme para o interessado em arte, porque vai aproximar documentos distantes e permitir a reflexão dentro de um contexto. Sem contar a utilidade de consultar documentos de artistas da América Latina e dos Estados Unidos.

Agência FAPESP – Essa dispersão de arquivos é um problema que existe também em outros países?
Ana Belluzzo – Em cada lugar é de um jeito. O México, por exemplo, tem mais atenção com essas questões artísticas e culturais. Em geral, se a estrutura da coleção está descentralizada, a documentação também estará descentralizada.

Agência FAPESP – A reflexão feita a partir dos documentos permitirá o alcance de novos significados da arte produzida no Brasil?
Ana Belluzzo – Sem dúvida haverá uma nova valorização de certos momentos artísticos e críticos do século passado. O documento é o meio, não o fim, porque os textos de arte são sempre referentes à obra, mesmo que não a cite. A história da arte é uma relação entre obra e texto. Reunindo documentos fundamentais, o projeto permitirá que a história desse período do século 20 possa ser repensada e escrita de forma diferente. Será possível pensar a partir da visão que os artistas tinham na época e ver como certas questões se repetem ao longo das décadas. Porque não podemos pensar com a cabeça de 2007 o que aconteceu em 1930. Vamos constituir uma historiografia da arte brasileira.

Agência FAPESP – O projeto do MFAH vai focar a arte produzida pela população de origem latina nos Estados Unidos. Qual é a importância desse estudo?
Ana Belluzzo – É a primeira vez que a arte feita pela população de origem latino-americana que vive nos Estados Unidos será estudada. Então, será a primeira escritura da história da arte nesse contexto. A questão é que não existe uma arte brasileira ou uma arte latino-americana. O que existe é uma arte no Brasil, na América Latina. A arte é internacional, um diálogo entre os vários centros.

Agência FAPESP – Existe diferença entre o historiador da arte e o crítico?
Ana Belluzzo – Em princípio, qualquer historiador da arte há que ser crítico, assim como o crítico precisa ter idéia da historicidade da obra. São duas faces da mesma moeda. A indústria cultural cria a segmentação e muitas vezes acabamos chamando de crítica o que é notícia sobre acontecimentos artísticos. A crítica é, em si, reflexão, reconhecimento.

Agência FAPESP – Em que sentido os documentos deixados por artistas ajudam na compreensão da arte em um determinado período?
Ana Belluzzo – Os escritos de artistas são muito importantes para a pesquisa porque se baseiam na experimentação e traçam análises que a crítica jamais poderia supor. O artista traça hipóteses sobre cor, plano, formas de solução da obra que são bastante peculiares. Essas contribuições são valiosas.

Agência FAPESP – É possível dizer que o Brasil produziu uma arte de vanguarda?
Ana Belluzzo – Vanguarda é um conceito discutível hoje. De alguma maneira, o Brasil pôde criar com bastante originalidade e dialogar com os centros internacionais. Houve uma grande renovação interna e as respostas brasileiras surpreenderam internacionalmente. Exemplos disso estão na obra de Vicente do Rego Monteiro [1899-1970], inspirada na cerâmica marajoara, e o que se fez no Brasil a partir de 1940. O interessante é fazer arte na mesma condição dos países periféricos, por isso o esforço de países como Argentina, Brasil e Uruguai, por exemplo, é muito reconhecido. Em relação aos grandes centros, sempre tivemos mais vínculo com a cultura européia e, mesmo com a emergência de outras tradições, como a norte-americana, nunca fomos replicantes. Quando se trata de enfrentar as questões artísticas, somos auto-suficientes. Estamos menos colonizados culturalmente.


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