Segundo a poeta, escritora e economista franco-guienense, não se deve tratar a floresta como um espaço vazio (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Conferências FAPESP 2025
A Amazônia é plural e a voz de suas populações precisa ser levada em conta, afirma Christiane Taubira
23 de outubro de 2025

Com a aproximação da COP30 em Belém, as ideias da ex-ministra da Justiça da França ganham força e convidam a repensar o multilateralismo e a estrutura das instituições que moldam o mundo

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Com a aproximação da COP30 em Belém, as ideias da ex-ministra da Justiça da França ganham força e convidam a repensar o multilateralismo e a estrutura das instituições que moldam o mundo

23 de outubro de 2025

Segundo a poeta, escritora e economista franco-guienense, não se deve tratar a floresta como um espaço vazio (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

 

COP30

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Em um cenário internacional marcado por tensões crescentes e pelo enfraquecimento de instituições multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU), a economista e ex-ministra da Justiça da França Christiane Taubira propõe uma abordagem centrada na justiça social para pensar a Amazônia.

Com a COP30 se aproximando em Belém, as ideias da franco-guienense ganham força como um convite ao diálogo e à reimaginação das estruturas que moldam o mundo, partindo da floresta, e não apenas olhando para ela de fora.

“A Amazônia é plural. É uma grande entidade geográfica, fragmentada em nove histórias nacionais diferentes. A floresta não é apenas uma paisagem natural, mas um espaço de vida, cultura e história. Existem vidas nas Amazônias, cidades muito modernas, que ainda preservam tradições”, afirmou Taubira durante a 8ª Conferência FAPESP, realizada na segunda-feira (20/10), com o tema “A Amazônia Contemporânea e os Desafios da Justiça Social”.

A economista criticou as instituições multilaterais que, segundo ela, tratam a floresta como um espaço vazio. “Fala-se em proteger ‘o pulmão do mundo’, mas as Nações Unidas pensam em proteger a Amazônia como se fosse um lugar deserto, ignorando que há vidas e modos de existência enraizados ali”, completou.

Taubira, que é amazônida, destacou uma frase atribuída a Nelson Mandela: "O que vocês fazem por nós sem nós, vocês fazem contra nós". E relembrou uma de suas primeiras lutas, ainda como militante em Caiena, na Guiana Francesa. Ela participava da Rio 92, quando ficou sabendo da intenção de o governo francês criar um parque que abrangeria 40% do território da Guiana Francesa.

“Lutei para que não fosse chamado de parque nacional, como são chamados os parques da França, onde não há ninguém vivendo dentro deles. Eu estava preocupada com a preservação ao mesmo tempo que se respeitassem os modos de vida das pessoas que viviam naquele ambiente”, contou.

Anos mais tarde, quando já era deputada e morava na França, o parque foi criado com o nome de Parque Amazônico da Guiana.

Com uma trajetória política marcante – 19 anos no parlamento francês e cinco no europeu – Taubira se destacou pela aprovação de leis que reconhecem a escravidão como crime contra a humanidade, proíbem minas terrestres e responsabilizam os testes nucleares franceses.

Entre 2012 e 2016, ela atuou como ministra da Justiça no governo de François Hollande e liderou reformas importantes, como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o fortalecimento do combate à corrupção.

Sua conexão com o Brasil se aprofundou neste ano, ao ocupar a 12ª Cátedra José Bonifácio da Universidade de São Paulo (USP). Na cátedra, ela está desenvolvendo a pesquisa “Sociedades amazônicas: Realidades plurais, um destino comum?”, que deu origem ao livro Amazônias: Espaço Vivo, Social, Político, lançado nesta semana. A obra é coordenada por Taubira, organizada por Camila Perruso e Djamila Delannon e conta com contribuições da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, do advogado Pedro Dallari, do ex-primeiro ministro da França Laurent Fabius, da historiadora franco-tunisiana Sophie Bessis e do antropologo indígena Almires Martins Machado.

O livro será apresentado na COP30, com a intenção de contribuir para dar visibilidade aos povos da região durante a reunião multilateral.

Estruturas desconectadas da realidade

Para Taubira, as estruturas de poder globais parecem estar desconectadas da realidade atual. “A governança multilateral que temos hoje é um reflexo do mundo pós-Segunda Guerra, um clube de aproximadamente 60 países em um cenário de impérios. O mundo de hoje, com suas 195 nações, tornou essa arquitetura impotente e incapaz de assegurar uma ordem mundial", disse.

A ex-deputada, que também é poeta, defende a poesia como uma forma de ouvir o outro, ouvir a todos. “Quando o debate político se torna áspero, é a poesia que nos permite compreender o outro e fazer a justiça social. A poesia nos convida a ir constantemente em direção ao outro e a reconhecer que o outro carrega um pouco de nós.”

Nessa inconsistência do multilateralismo, ela também defende a importância da língua, “que é mais do que meras palavras, é o imaginário, uma forma de dizer o mundo”.

A palestra “A Amazônia Contemporânea e os Desafios da Justiça Social” pode ser vista em: youtu.be/fVwsTBQYH6U.
 

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