A baía do Sueste é um conhecido ponto de alimentação e berçário de tubarões em Fernando de Noronha. Suas águas rasas e turvas protegem os filhotes, mas são um risco para banhistas e mergulhadores (foto: Fábio Borges)
Registro inédito de caça ao peixe-jaguar foi realizado após fortes chuvas, quando água doce transbordou para a baía do Sueste, área de alimentação da espécie
Registro inédito de caça ao peixe-jaguar foi realizado após fortes chuvas, quando água doce transbordou para a baía do Sueste, área de alimentação da espécie
A baía do Sueste é um conhecido ponto de alimentação e berçário de tubarões em Fernando de Noronha. Suas águas rasas e turvas protegem os filhotes, mas são um risco para banhistas e mergulhadores (foto: Fábio Borges)
André Julião | Agência FAPESP – Pesquisadores apoiados pela FAPESP registraram, pela primeira vez, tubarões-limão (Negaprion brevirostris) predando uma espécie invasora, o peixe-jaguar (Parachromis managuensis). O registro foi realizado em março de 2024, na baía do Sueste, um conhecido ponto de alimentação de tubarões no arquipélago de Fernando de Noronha (PE).
O estudo foi publicado recentemente na revista Environmental Biology of Fishes.
O evento era tido como improvável porque a baía do Sueste é uma entrada do mar na terra, portanto, com água salgada, enquanto o peixe-jaguar é de água doce. No entanto, a baía recebe aportes de água doce de um manguezal próximo após chuvas fortes.
Introduzido em Fernando de Noronha, provavelmente para produção de proteína animal, o peixe-jaguar suporta um certo grau de salinidade, mas se torna estressado a partir de determinado patamar. Os pesquisadores observaram um nado errático do peixe, que facilitou a captura pelos tubarões.
Além da dificuldade em nadar, estudos de outros grupos já haviam demonstrado que salinidades superiores a 25 psu (unidade prática de salinidade) provocam aumento da frequência cardíaca nos peixes-jaguar. Na baía do Sueste, a salinidade pode chegar a 32 psu.
“Esta é uma área de reprodução, berçário e alimentação dos tubarões-limão. Na noite anterior da nossa observação, houve chuvas fortes, fazendo com que o reservatório do Xaréu, em que os peixes vivem, transbordasse para o manguezal, que por sua vez também transbordou e gerou uma ligação com a baía”, conta Bianca Rangel, primeira autora do estudo, que realiza pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) com bolsa da FAPESP.

Desorientados pela salinidade da água, peixes-jaguar tentam fugir de tubarão-limão em Fernando de Noronha (foto: Mariano Correa)
Com águas rasas, quentes e turvas, a baía do Sueste é também um local de alimentação de tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier), a ponto de o banho e o mergulho terem sido proibidos em 2022 após acidentes com turistas.
As observações foram realizadas por meio de drones, durante monitoramento dos tubarões realizado pelos pesquisadores. Nele, os animais são capturados, medidos, pesados e marcados com um microchip, além de terem sangue coletado, antes de serem devolvidos para o ambiente.
Os filhotes de tubarão-limão ficam até um ano na baía depois que nascem, em profundidades de 1 a 6 metros, antes de migrarem para o mar aberto. Assim se protegem de adultos da própria espécie, que podem canibalizá-los. Tanto os filhotes quanto prováveis adultos foram observados comendo os peixes-jaguar.
Para os pesquisadores, os tubarões sozinhos não devem dar conta de eliminar a espécie invasora, mas podem contribuir para reduzir a população ao predar os indivíduos que chegam à baía do Sueste.
Embora não haja estudos sobre o impacto do peixe-jaguar para a biodiversidade do arquipélago, acredita-se que ele possa prejudicar as espécies locais, seja por competição ou predação, como ocorre em outros sistemas aquáticos na presença de invasores (leia mais em: agencia.fapesp.br/51931 e agencia.fapesp.br/55536).

Originário da América Central, peixe-jaguar foi introduzido no Brasil, inclusive em Fernando de Noronha, provavelmente por conta de sua carne (foto: Bianca Rangel/IB-USP)
O trabalho integra o projeto “Impacto das mudanças antropogênicas na fauna: contribuições da fisiologia da conservação”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Fernando Ribeiro Gomes, professor do IB-USP.
Oportunismo
Os autores acreditam que o comportamento dos tubarões seja oportunista, pela razão óbvia de que espécies de água doce não fazem parte de sua dieta. Porém, não se sabe se os peixes-jaguar sempre entram na baía do Sueste depois de fortes chuvas ou se foi a primeira vez em que isso aconteceu.
“Neste ano houve novamente o transbordamento, mas ninguém observou essa interação. Não sabemos se o peixe-jaguar estava em menor quantidade ou simplesmente acabou. Como não há um monitoramento também no mangue e no açude, não temos como saber se o animal ainda está presente”, relata Rangel.
“Caso a entrada do peixe de água doce na baía se torne corriqueira, é possível que os tubarões aprendam que depois das chuvas vai haver comida disponível”, completa.
Há registros de que tubarões podem se alimentar de espécies invasoras como o peixe-leão (Pterois spp.). Porém, não havia registro da predação de peixe-jaguar, nem se havia observado o momento da caça, como fizeram Rangel e seus colaboradores. O monitoramento contínuo poderá constatar se a interação segue existindo e qual pode ser o papel dos tubarões para controlar o invasor.
O artigo Unexpected prey: lemon sharks (Negaprion brevirostris) observed preying on an alien invasive freshwater fish in a remote no‑take marine reserve in the Equatorial Atlantic pode ser lido em: link.springer.com/article/10.1007/s10641-025-01745-0.
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