Encontro também foi palco do lançamento de livro organizado pelos pesquisadores Ricardo Abramovay e Arilson Favareto (foto: Luciana Constantino/Agência FAPESP)
Em evento paralelo à COP30, pesquisadores discutem desafios e caminhos para fazer frente à urgência climática
Em evento paralelo à COP30, pesquisadores discutem desafios e caminhos para fazer frente à urgência climática
Encontro também foi palco do lançamento de livro organizado pelos pesquisadores Ricardo Abramovay e Arilson Favareto (foto: Luciana Constantino/Agência FAPESP)
Luciana Constantino, de Belém | Agência FAPESP – Um dos focos dos dias temáticos da COP30, a transição do sistema agroalimentar já conta com inovações tecnológicas, institucionais e produtivas, mas que ainda são adotadas de forma lenta e ambígua diante da urgência climática. Ao mesmo tempo em que as tecnologias sinalizam para uma economia de baixo carbono, há um aumento de práticas pressionando a biodiversidade e o ambiente. O caminho para mudanças inclui a identificação de bloqueios que restringem o avanço das inovações, ampliando escala no curto prazo.
Esses foram alguns dos temas colocados na roda de conversa “Para que a comida não alimente a crise climática”, realizada em evento paralelo à COP30 pela Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
O encontro também foi palco do lançamento em Belém (PA) do livro Caminhos para a transição do sistema agroalimentar: desafios para o Brasil, organizado pelos pesquisadores Ricardo Abramovay e Arilson Favareto.
O livro reúne uma coletânea de artigos escritos por cientistas da FSP-USP e convidados, que tratam como os sistemas agrícolas atuais e as formas de produção e consumo de alimentos ameaçam o equilíbrio ambiental e a saúde humana.
“Já tínhamos um diagnóstico feito pelo professor Ricardo Abramovay de que um traço marcante dos sistemas agroalimentares é a monotonia. Então precisamos refletir sobre onde estamos e quais bloqueios precisam ser removidos para deixarmos para trás esse traço atual. Fizemos reflexões ao longo de um ano, que estão reunidas no livro”, disse Favareto, professor titular da cátedra.
Essa monotonia é caracterizada pela pouca diversidade dos sistemas alimentares. Por exemplo: segundo relatório do Royal Botanic Gardens Kew, das mais de 7 mil plantas comestíveis catalogadas, 90% da humanidade usa apenas 15 delas.
Para Abramovay, é preciso fortalecer sistemas de produção baseados na vida – do solo aos microrganismos – e na diversidade.
“O sistema agroalimentar contemporâneo está baseado em um conjunto de tecnologias com fundamento científico do século 20 e que, com a Revolução Verde após a Segunda Guerra, permitiu que o mundo cumprisse uma missão civilizatória fundamental: a redução da fome. Em 1960, tínhamos um em cada três habitantes do planeta passando fome. Hoje é uma vergonha que ainda tenhamos 800 milhões de pessoas nessa condição, mas isso representa um em cada dez habitantes. É um progresso extraordinário e alguém poderia dizer: ‘Essas tecnologias têm de ser um pouco melhoradas, mas são as do futuro’. Infelizmente não. São do passado”, contextualizou Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP, que também foi titular da cátedra.
Ele destacou que a agricultura do século 20 olhava para o que se encontra acima do solo e a do século 21 foca o que está embaixo, ou seja, microrganismos e a interação entre fungos e raízes das plantas, entre outros. “Quando falamos em agricultura regenerativa, o olho não está no retrovisor. Não é voltar a criar galinha no fundo do quintal. Ao contrário, é utilizar a biologia mais avançada para compreender a interação entre os seres vivos e fazer da vida a base fundamental do aumento da produção e da produtividade”, completou.
A forma como os alimentos são produzidos e consumidos influencia diretamente o clima, a saúde e a biodiversidade. A agricultura regenerativa, com práticas que recuperam o solo e aumentam a biodiversidade, vem sendo vista como uma das ferramentas para modelos mais sustentáveis.
Atualmente, os sistemas agroalimentares englobam um conjunto de redes e relações envolvendo desde a produção até o processamento e distribuição de alimentos. Estudos científicos apontam que esse modelo é responsável por um terço das emissões de gases de efeito estufa no mundo, especialmente derivadas da alteração do uso da terra.
Por outro lado, a crise climática vem afetando cada vez mais as cadeias de produção, com impactos como a redução das chuvas e o aumento da frequência de eventos climáticos extremos.
Diálogos
Integrante do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens-USP) e atual diretora socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Tereza Campello destacou a importância de levar à sociedade em geral esse tipo de debate.
“Sabemos que há uma urgência e não estamos trilhando a transição na velocidade necessária. Mas como fazer o tema entrar na política pública, que é um disparador? Não basta um governo querer fazer essa transição. Precisamos ganhar também a população para ter apoio para que esses processos possam ser acelerados”, afirmou.
Nesse sentido, a coordenadora científica do Nupens, Patricia Jaime, que mediou a roda de conversa e é uma das autoras de capítulo do livro, destacou a necessidade de participação das comunidades locais, academia, sociedade civil, governos e setor privado no debate do tema.
“Trazer esse livro para a COP30 foi um esforço de diálogo. É uma busca para que tenhamos uma alimentação saudável e sustentável, sem ultraprocessados, integrada às ações climáticas”, ressaltou.
Jaime é pesquisadora responsável pelo Projeto Temático “Ambientes alimentares saudáveis e obesidade na infância e adolescência: compreendendo e superando os desafios para implementação das políticas públicas mais eficazes”, apoiado pela FAPESP.
Criado em 1990, o Nupens desenvolve pesquisas populacionais em nutrição e saúde. Tem entre os objetivos o desenvolvimento de diagnósticos aplicáveis, análise de tendências de indicadores, além da formulação de intervenções e avaliação da efetividade de serviços e programas na área. Seu coordenador emérito é o professor Carlos Augusto Monteiro, criador do conceito de alimentos ultraprocessados, a partir da chamada Classificação Nova.
A classificação é a base para o Guia Alimentar para a População Brasileira e divide os alimentos em quatro categorias: in natura (carnes, frutas, legumes, vegetais), ingredientes culinários (óleos, farinhas), processados (pães, queijos, frutas em conserva) e ultraprocessados, formados com fragmentos de alimentos e aditivos por meio de processos industriais que não podem ser replicados em casa.
Também participaram das discussões André Degenszajn, diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga, e os pesquisadores Ludmila Rattis, Judson Valentim e Fernanda Marrocos, autores de capítulos do livro.
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