Keesing: "Precisamos ampliar nossa busca para além de alguns poucos lugares como potenciais iniciadores de pandemias e de alguns poucos animais como os mais prováveis reservatórios" (foto: Erika de Faria/Temporal Filmes)

Escola Interdisciplinar FAPESP
Perda de biodiversidade contribui para o aumento de espécies que são reservatórios de doenças zoonóticas
12 de novembro de 2025

Durante o primeiro dia da Escola Interdisciplinar FAPESP, Felicia Keesing, do Bard College, mostrou que a conservação de áreas naturais deve ser um fator de peso na prevenção de novas pandemias

Escola Interdisciplinar FAPESP
Perda de biodiversidade contribui para o aumento de espécies que são reservatórios de doenças zoonóticas

Durante o primeiro dia da Escola Interdisciplinar FAPESP, Felicia Keesing, do Bard College, mostrou que a conservação de áreas naturais deve ser um fator de peso na prevenção de novas pandemias

12 de novembro de 2025

Keesing: "Precisamos ampliar nossa busca para além de alguns poucos lugares como potenciais iniciadores de pandemias e de alguns poucos animais como os mais prováveis reservatórios" (foto: Erika de Faria/Temporal Filmes)

 

André Julião | Agência FAPESP – Os estudos que tentaram prever pandemias falharam em grande parte, o que obriga cientistas a pensar em novas formas de antecipar o surgimento de novos patógenos que podem se espalhar pelo mundo. Uma abordagem pouco considerada, e que deve ser aprofundada, é o papel da conservação e da restauração da biodiversidade em impedir ou amenizar esses eventos.

Este foi o tema central da fala de Felicia Keesing, professora do Bard College, nos Estados Unidos, durante o primeiro dia de conferências da Escola Interdisciplinar FAPESP: Ciências Exatas e Naturais, Engenharia e Medicina, que começou nesta segunda-feira (10/11) e vai até sexta (14/11), em São Paulo.

Uma vez que 75% das doenças infecciosas emergentes em humanos são zoonóticas, ou seja, causadas por patógenos que podem ser compartilhados entre pessoas e outros animais vertebrados, o foco das ações de saúde pública tem sido nelas. No entanto, segundo a pesquisadora, as estratégias usadas para preveni-las não têm impedido eventos como a pandemia de COVID-19, por exemplo.

Para Keesing, é preciso ir além das abordagens atuais preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de construir resiliência, garantir acesso equitativo a contramedidas e melhorar prevenção, detecção e resposta aos surtos. Todos esses passos são muito importantes, mas insuficientes.

“Precisamos ampliar nossa busca para além de alguns poucos lugares como potenciais iniciadores de pandemias, de apenas vírus como patógenos que podem causá-las e de alguns poucos animais como os mais prováveis reservatórios”, resumiu a pesquisadora, que propões medidas que, segunda ela, podem ser promissoras.

A mais simples seria testar as previsões que foram feitas no passado e tentar entender do que elas não deram conta e por quê. Dessa forma, podem-se melhorar os modelos e ter mais acurácia em novas previsões.

Outra ação necessária é aumentar o espectro das buscas além dos coronavírus, que com razão têm sido foco de atenção principalmente após a pandemia de COVID-19. Isso, porém, não elimina o fato de que um novo surto pode vir de outros vírus e mesmo de bactérias. A pesquisadora, inclusive, aposta que o próximo patógeno que pode se espalhar pelo mundo e causar grandes problemas será uma bactéria resistente aos tratamentos atuais.

Keesing dedica quatro dos sete itens de sua lista de propostas aos animais reservatórios de patógenos. Ela lembrou que a maioria dos microrganismos causadores de doenças – que se instalam tanto em vertebrados humanos como não humanos – não tem apenas um animal favorito, mas vários. Por isso, é preciso avaliar melhor a relevância de certos grupos de animais como reservatórios, pois muitas vezes alguns podem ser superestimados (como morcegos) e outros subestimados (como roedores).

Por fim, é preciso lembrar que patógenos zoonóticos não apenas são transmitidos de animais para humanos, mas também dos humanos para os animais. Aliás, alguns patógenos de animais são mais estudados do que outros justamente porque infectaram humanos, segundo a pesquisadora. Para ela, isso gera um viés nos dados depositados, por exemplo, no GenBank – banco de dados de genomas mais usado globalmente para estudar vírus e bactérias –, restringindo as pesquisas a alguns poucos animais e patógenos.

Keesing mostrou ainda que os animais menos ameaçados de extinção são os mais propícios a transmitir doenças para os humanos. Algumas das razões são as próprias características biológicas desses animais, como ocupar uma grande área, ter um ciclo de vida curto, maturidade sexual precoce e muitos filhotes de uma só vez. São características opostas às de espécies ameaçadas de extinção. Basta comparar o criticamente ameaçado rinoceronte e o disseminado rato doméstico.

Outras razões para essa correlação ainda não são conhecidas, mas em seus estudos no Quênia Keesing observou que áreas que perderam grandes mamíferos, como girafas e leões, tiveram um aumento de roedores e serpentes venenosas, por exemplo.

Por isso, a pesquisadora credita à conservação e à restauração da biodiversidade um fator de peso para mitigar ou mesmo impedir o surgimento de novas pandemias de doenças zoonóticas.

“A isso devem ser somados o desenvolvimento de antivirais de amplo espectro e novos antibacterianos, o desenvolvimento rápido de vacinas e da confiança da população nelas, além de criação e melhoria de políticas públicas e de uma forte estrutura global de saúde”, encerrou.

Matemática para o desenvolvimento

Marcelo Viana, diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), falou sobre o papel da formação em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês) na renda dos países. Viana listou estudos realizados no exterior sobre o impacto de áreas relacionadas a matemática no Produto Interno Bruto (PIB) de Reino Unido, França, Austrália e Espanha. 

Um desses estudos constatou que, na França, a proporção de empregos cuja principal atividade era relacionada à matemática representava 13% dos trabalhos e 18% do PIB em 2022, comparado a 12% e 16% em 2012. Não existia uma pesquisa dessas no Brasil, até que o Itaú Social resolveu fazê-la usando a metodologia francesa, com apoio do Impa.

A conclusão, publicada em 2024, foi que o rendimento dos profissionais que atuam em áreas ligadas à matemática no Brasil equivale a 4,6% do PIB, e que tais ocupações oferecem salários 119% maiores que a média dos demais trabalhadores. “Ir dos 4,6% atuais para os 18% que a França alcançou adicionaria R$ 1,5 trilhão ao PIB do Brasil”, disse Viana. 

Uma das oportunidades para solucionar essa questão se deu com a inauguração do Impa Tech em 2024, no Rio de Janeiro, que oferece a primeira graduação do instituto voltada justamente para a formação de mão de obra qualificada em áreas dependentes de matemática. 

“São selecionados a partir de resultados das olimpíadas de matemática, não há vestibular. No primeiro ano, os alunos cumprem um ciclo básico e depois optam por continuar em matemática, ciência da computação, ciência de dados ou física”, explicou. 

Ciência em São Paulo

Na abertura do evento, o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, lembrou a liderança do Estado de São Paulo na produção científica nacional, resultado do investimento estável nas universidades estaduais paulistas e na própria FAPESP.

“É preciso destacar que não se trata apenas de investir muito dinheiro, mas de ter estabilidade. É o que nos permite financiar projetos de até dez anos, por exemplo”, ressaltou.


Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, celebrou o sucesso das Escolas Interdisciplinares (foto: Erika de Faria/Temporal Filmes)

Sobre a Escola Interdisciplinar, Zago lembrou o sucesso do formato, que chegou à 5ª edição em 2025. “Acredito muito nessa abordagem e creio que seja algo muito importante para a ciência do Brasil”, disse.

Oswaldo Baffa Filho, organizador do evento, ressaltou que a iniciativa diz respeito à construção de pontes entre diferentes áreas do conhecimento, entre culturas e entre pessoas.

“Temos participantes representando o Norte, Sul, Leste e Oeste do país, assim como pesquisadores internacionais realizando pós-doutorado no Brasil. Formamos uma comunidade diversa e vibrante, unida pela curiosidade e pela busca por conhecimento”, discursou Baffa Filho, que é professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).

Durante a abertura, estiveram presentes ainda Carlos Graeff, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP, Marcio de Castro, diretor científico da FAPESP, e Norma Reggiani, diretora técnica do Instituto Principia.

A edição de 2025 da Escola Interdisciplinar FAPESP: Ciências Exatas e Naturais, Engenharia e Medicina conta com 60 pesquisadores em nível de pós-doutorado, tanto do Estado de São Paulo quanto de outras partes do Brasil.

A programação completa pode ser conferida em: escolafapesp2025exatas.webeventos.tec.br/.
 

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