Microchip fotônico sendo excitado por luz conduzida em uma fibra óptica afunilada (foto: Eduardo Cesar Soares Faria de Oliveira)

Fotônica
Fotônica é ingrediente central da 2ª revolução quântica, diz pesquisador
19 de setembro de 2025

Gustavo Wiederhecker, diretor do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias da Unicamp, vai desenvolver o tema na 7ª Conferência Internacional de Óptica e Fotônica. Evento começa neste domingo

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Fotônica é ingrediente central da 2ª revolução quântica, diz pesquisador

Gustavo Wiederhecker, diretor do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias da Unicamp, vai desenvolver o tema na 7ª Conferência Internacional de Óptica e Fotônica. Evento começa neste domingo

19 de setembro de 2025

Microchip fotônico sendo excitado por luz conduzida em uma fibra óptica afunilada (foto: Eduardo Cesar Soares Faria de Oliveira)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A primeira revolução quântica, iniciada no começo do século 20, foi a descoberta e aplicação das leis da mecânica quântica para explicar fenômenos da matéria e da luz. Ela possibilitou a compreensão da estrutura atômica e molecular e abriu caminho para aplicações tecnológicas, como o transistor, o laser e a ressonância magnética nuclear.

A segunda, em curso desde o fim do século 20, envolve o controle direto de estados quânticos individuais (como fótons, átomos, íons e qubits) e a exploração de fenômenos tipicamente quânticos (como superposição, emaranhamento e tunelamento) para criar novas tecnologias.

Entre os principais campos de aplicação, destacam-se computação quântica – processadores que usam qubits para realizar cálculos impraticáveis com computadores clássicos –, criptografia quântica – transmissão de informações com extrema segurança baseada em princípios como a distribuição aleatória de chaves criptográficas –, sensores e metrologia quântica – aparelhos de altíssima precisão para medir tempo, campos magnéticos, campos gravitacionais e outros parâmetros – e simuladores quânticos – dispositivos para estudar e operacionalizar sistemas complexos, como novas moléculas e materiais.

Na primeira revolução, a eletrônica foi o grande veículo que transformou os fundamentos da mecânica quântica em tecnologias concretas. No ciclo atual, a fotônica é considerada um dos ingredientes indispensáveis. A fotônica é a disciplina que estuda, manipula e aplica a luz. Reúne princípios da física, engenharia e ciência dos materiais, dando origem a dispositivos que hoje permeiam setores estratégicos da economia. De displays de celulares a painéis fotovoltaicos, de fibras ópticas a lasers usados em medicina, a fotônica tornou-se uma tecnologia quase onipresente no cotidiano da sociedade contemporânea. O mercado global deve saltar de US$ 1,09 trilhão em 2025 para US$ 1,48 trilhão em 2030, crescendo a uma taxa anual de 6,3%. A expansão é puxada por demandas crescentes em redes 5G, data centers, agricultura de precisão, saúde e energia limpa.

“A eletrônica foi o maior protagonista da primeira revolução quântica. Boa parte do modelo econômico do mundo atual apoia-se nela. A fotônica talvez não tenha um alcance tão amplo. E não deve ser vista como único análogo da eletrônica na nova etapa. Mas é, sem dúvida, um ingrediente muito importante, porque permeia praticamente todas as plataformas da segunda geração de tecnologias quânticas”, diz Gustavo Wiederhecker, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias (CCSNano).

Wiederhecker será um dos participantes da 7ª Conferência Internacional de Óptica e Fotônica (IOPC, na sigla em inglês), que ocorre de domingo a quarta-feira (21 a 24/09) na cidade de São Pedro (SP). Organizado pela Sociedade Brasileira de Óptica e Fotônica (SBFoton) e pela Embrapa Instrumentação, o IOPC é um dos mais importantes fóruns latino-americanos dedicados a esse campo emergente da ciência e da tecnologia. O evento reunirá pesquisadores, professores, estudantes e representantes da indústria para debater avanços recentes e delinear estratégias de cooperação internacional.

A conferência de Wiederhecker é aguardada com especial interesse devido à natureza do trabalho desenvolvido por seu grupo no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp e no CCSNano. A equipe atua na subárea de fotônica integrada, que busca trazer para a escala de um microchip elementos que antes ocupavam bancadas inteiras, compostos por espelhos, prismas e cavidades ópticas. “Assim como a eletrônica saiu de placas enormes para se miniaturizar em microchips, a fotônica integrada tenta empacotar múltiplas funções em circuitos compactos. Isso não é apenas uma questão de escala: miniaturizar aumenta a intensidade da luz e habilita efeitos não lineares com potências muito menores, antes inviáveis em sistemas macroscópicos”, explica o pesquisador.

Ele cita como exemplo os dispositivos desenvolvidos pela empresa norte-americana PsiQuantum, que fabrica processadores quânticos fotônicos com centenas de milhares de componentes em dimensões microscópicas. “Uma célula unitária que antes ocuparia uma mesa de laboratório pode agora caber na seção reta de um fio de cabelo”, afirma.

Luz como elo

Wiederhecker destaca o papel da fotônica na computação quântica, que, mesmo ainda em fase de desenvolvimento e com muitos problemas científicos e tecnológicos a serem resolvidos, é a grande estrela da segunda revolução. Ele explica que, embora diferentes plataformas estejam sendo exploradas – como qubits supercondutores, íons aprisionados e átomos neutros –, todas convergem para o uso do campo eletromagnético como ferramenta de controle. Nesse cenário, os fótons são o veículo por excelência para conexão entre os componentes, pois são quase imunes ao ruído térmico e podem transmitir informação quântica de forma coerente mesmo em temperatura ambiente, sem necessidade de criogenia.

“Um eventual computador quântico de médio porte terá blocos, com dezenas de qubits lógicos, que precisarão conversar entre si. Para esse elo coerente, que deve preservar o estado quântico, a fotônica é a candidata natural, porque a luz praticamente não é afetada pelo ruído térmico”, resume.

O que a física chama de “ruído térmico” é o conjunto de vibrações presentes no ambiente, que confere a esse meio uma temperatura. Todo sistema físico vibra devido à temperatura, inclusive o campo eletromagnético. E essas vibrações, chamadas de flutuações térmicas, podem excitar ou perturbar os qubits, apagando os estados quânticos que carregam. Esse ruído não pode ser totalmente blindado, porque está espalhado por todo o espaço, fazendo parte do próprio “banho térmico” que permeia o Universo.

Por isso, tecnologias como os qubits supercondutores precisam operar a temperaturas extremamente baixas, de milésimos de grau acima do zero absoluto (-273,15 °C), para reduzir o ruído. Já os fótons em frequências ópticas, por terem energias muito maiores do que a agitação térmica típica do ambiente, ficam praticamente imunes. “É como se estivéssemos no topo de uma montanha, enquanto o ruído térmico é o mar agitado lá embaixo. A turbulência não consegue nos alcançar”, compara Wiederhecker.

“Incerteza quântica” e criptografia

Além do papel da luz em computação quântica, seja por meio de qubits fotônicos seja como elo de comunicação entre qubits apoiados sobre outras plataformas, o pesquisador destaca mais três áreas promissoras para integração da fotônica à segunda revolução quântica: “memórias quânticas”, com a transferência de estados da luz para vibrações mecânicas em nanoestruturas, aproximando fotônica e fonônica, trabalho feito em parceria com Thiago Alegre, da Unicamp; “fontes de fótons emaranhados”, com a geração de pares de fótons correlacionados em cavidades ressonantes; e “números verdadeiramente aleatórios”, com o uso de flutuações quânticas da luz para gerar chaves criptográficas seguras, em contraste com os algoritmos pseudoaleatórios empregados hoje.

“Esse último caso é fundamental para a segurança digital, pois toda criptografia depende da qualidade da chave aleatória. Quando conseguimos extrair aleatoriedade genuína da natureza, baseada na incerteza quântica, abrimos uma nova camada de proteção, incomparavelmente mais forte do que os recursos utilizados atualmente”, pontua Wiederhecker.

O êxito da integração da fotônica à segunda revolução depende criticamente da ciência dos materiais, pois é necessário ir além do silício como substrato. “O silício foi essencial para os avanços das últimas décadas, mas tem limitações intransponíveis, como a impossibilidade de gerar luz, por exemplo. Ninguém jamais demonstrou a possibilidade de um laser de silício”, argumenta Wiederhecker.

Por isso, a comunidade científica busca materiais que agreguem funcionalidades ao silício, sem perder a compatibilidade com sua indústria consolidada. “Estamos explorando materiais bidimensionais em parceria com Christiano Matos, da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie [EE-UPM], Nathália Tomázio, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo [IF-USP], e Alisson Cadore, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais [CNPEM]. Não se trata de substituir o silício, mas de agregar novas propriedades”, detalha Wiederhecker.

Para ele, a fotônica tem mostrado uma notável capacidade de renovação. “Desde a invenção do laser, ela nunca saiu de cena. Assim, embora não seja o único veículo da segunda revolução quântica, a fotônica aparece como ingrediente indispensável: protagonista em alguns casos [como nos processadores quânticos fotônicos] e habilitadora em outros [como nos enlaces entre qubits supercondutores ou na leitura de sensores atômicos]. Não dá para vislumbrar as tecnologias quânticas de segunda geração sem a presença dos fótons”, enfatiza.

Wiederhecker foi um dos pesquisadores principais do Projeto Temático “Dispositivos fotônicos integrados”, apoiado pela FAPESP. Também recebeu auxílio da Fundação na modalidade Jovens Pesquisadores – Fase 2, com o projeto “Circuitos nanofotônicos não lineares: blocos fundamentais para síntese de frequências ópticas, filtragem e processamento de sinais”. Atualmente, dispõe de auxílio regular com o projeto “Oscilação paramétrica degenerada em moléculas fotônicas: rumo a estados quânticos”.

Colaboração no âmbito do Brics

Um destaque na 7ª IOPC será o Encontro dos Pesquisadores em Fotônica do Brics, que discutirá caminhos para ampliar a colaboração entre Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul, além de países convidados. “As cooperações científicas costumam ocorrer muito no eixo Estados Unidos, Europa, Canadá. Entre os países do Brics, ainda não são tão espontâneas. O encontro busca justamente discutir como viabilizar e dinamizar essa cooperação”, explica a física Débora Marcondes Bastos Pereira Milori, pesquisadora da Embrapa Instrumentação Agopecuária e organizadora da conferência.

A pesquisadora conta que este ano o encontro ganhou uma formatação inédita. “Serão quatro eventos em um: a conferência propriamente dita, com 27 palestrantes nacionais e internacionais cobrindo oito áreas da fotônica; o encontro de pesquisadores do Brics; a Escola de Biofotônica, com foco na formação de jovens pesquisadores em técnicas espectroscópicas avançadas para diagnóstico; e o Workshop de Indústria e Empreendedorismo em Fotônica, voltado à interação com empresas, startups e instituições que atuam na transferência de tecnologia.”

Inovações vigentes

A pesquisadora sublinha que já há exemplos emblemáticos de inovação levados à sociedade: “Temos a terapia fotodinâmica contra o câncer, já disponível no SUS [Sistema Único de Saúde], e tecnologias de análise de solos por laser, fundamentais para a agricultura de precisão e o mercado de créditos de carbono”. Milori vê nesse cenário novas oportunidades de crescimento: “Biofotônica é hoje uma das áreas mais promissoras, tanto no diagnóstico quanto no tratamento em saúde. Mas sensores, tecnologias quânticas e agrofotônica também são portadoras de futuro. No caso do Brasil, as aplicações no agronegócio e na agroindústria podem trazer enorme impacto econômico e ganho ambiental”.

Ela ressalta que essa inovação tem papel estratégico no debate climático: “O Brasil precisa mostrar ao mundo que possui uma agricultura sustentável. Não basta afirmar, é preciso entregar dados que comprovem que sequestramos carbono e fazemos uma produção regenerativa. A fotônica é uma ferramenta central para isso.”


Sistema de lasers da plataforma IA AGLIBS na bancada do laboratório;  solução combina laser e inteligência artificial para avaliar a fertilidade do solo e medir a pegada de carbono na lavoura, viabilizando certificações internacionais (foto: Débora Milori/Embrapa Instrumentação Agopecuária)

São Paulo como polo estratégico

O Mapeamento dos Principais Segmentos do Ecossistema de Fotônica no Brasil, realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), identificou 307 fabricantes de soluções fotônicas e 6.528 prestadores de serviços, além de 678 grupos de pesquisa e mais de 5 mil profissionais atuantes no país (dados de 2020). Mais de 70% desse ecossistema se concentra no Estado de São Paulo, que desponta como polo estratégico nacional.

A 7ª IOPC recebeu apoio da FAPESP por meio do projeto “SBFoton International Optics and Photonics Conference 2025”, coordenado pelo pesquisador Lino Misoguti, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP).

Mais informações podem ser acessadas no site do evento: https://conference2025.sbfoton.org.br/.
 

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