Formiga (gênero Atta) remove fragmentos do jardim de fungos, usado para alimentação da colônia. Comportamento de limpeza dos insetos funciona como sistema imune social (foto: Quimi Vidaurre Montoya/IB-Unesp)

Evolução
Fungo ‘parasita’ teria surgido 18 milhões de anos antes de formigas com as quais vive hoje
12 de setembro de 2025

Análises de 309 linhagens coletadas em oito países apontam que o gênero Escovopsis surgiu há 56,9 milhões de anos, mas só passou a se relacionar com formigas mutualistas atuais 38 milhões de anos atrás, contestando teoria de que todos teriam surgido ao mesmo tempo

Evolução
Fungo ‘parasita’ teria surgido 18 milhões de anos antes de formigas com as quais vive hoje

Análises de 309 linhagens coletadas em oito países apontam que o gênero Escovopsis surgiu há 56,9 milhões de anos, mas só passou a se relacionar com formigas mutualistas atuais 38 milhões de anos atrás, contestando teoria de que todos teriam surgido ao mesmo tempo

12 de setembro de 2025

Formiga (gênero Atta) remove fragmentos do jardim de fungos, usado para alimentação da colônia. Comportamento de limpeza dos insetos funciona como sistema imune social (foto: Quimi Vidaurre Montoya/IB-Unesp)

 

André Julião | Agência FAPESP – Um gênero de fungos, até então considerado um parasita de fungos associados a formigas, pode, na verdade, ter funções ecológicas muito mais complexas. Uma evidência é que eles surgiram 18 milhões de anos antes das próprias formigas com as quais são associados hoje, conforme indica um estudo publicado na revista Communications Biology e apoiado pela FAPESP.

Os resultados são fruto da análise de 309 linhagens do gênero Escovopsis, coletadas em oito países das Américas. Ao observar fragmentos dos genomas, as características morfológicas, a distribuição geográfica e a filogenia das espécies, algo como o parentesco evolutivo entre elas, os pesquisadores conseguiram determinar em 38 milhões de anos a relação com as formigas-cortadeiras, sendo que Escovopsis teria surgido 56,9 milhões de anos atrás.

“Nossa hipótese principal é que eles tenham surgido associados a grupos ancestrais das formigas cultivadoras de fungos e então passado a conviver com as atuais formigas-cortadeiras 38 milhões de anos atrás. Outra possibilidade é que tenham vivido em outro contexto nesses 18 milhões de anos iniciais, fora da associação com as formigas, como colonizadores de folhas ou degradando matéria orgânica, por exemplo”, explica Quimi Vidaurre Montoya, primeiro autor do estudo, realizado como parte de seu pós-doutorado com bolsa da FAPESP no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro.

As formigas-cortadeiras (subtribo Attina) cultivam fungos para se alimentar deles. A relação de mutualismo teria surgido 66 milhões de anos atrás, conforme estudo recente do grupo publicado em 2024 na revista Science (leia mais em: agencia.fapesp.br/52937).

“Nosso trabalho atual é sobre Escovopsis, um gênero de fungos que não é o cultivado pelas formigas, mas que está presente nas colônias de algumas espécies de formigas cultivadoras e pode matar alguns de seus cultivares. Por conta disso, é retratado como um ‘parasita’, quando na verdade só se conhece uma, de 24 espécies, que pode causar infecção no fungo cultivado pelas formigas”, esclarece Montoya.

O estudo é parte de um projeto apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA, coordenado por André Rodrigues, professor do IB-Unesp e pesquisador do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Adaptações

Os autores notam que, ao longo do tempo evolutivo, os Escovopsis passaram por adaptações morfológicas e fisiológicas, aparentemente para incrementar sua eficiência reprodutiva e se adaptar à vida dentro dos formigueiros. Essas alterações se deram sobretudo nas vesículas que produzem os conídios, estruturas que realizam a reprodução assexuada.

“As vesículas passam de um formato de globo, nas espécies mais próximas do ancestral comum, para cilíndrico, nas mais recentes. Essas alterações podem ter sido respostas a barreiras impostas pelas formigas ou pelos seus fungos simbiontes”, conta Montoya.


Fotos de microscopia, com aumento de 40 vezes, mostram conidióforo com as vesículas cilíndricas da espécie Escovopsis weberi, mais eficientes na reprodução assexuada (à esq.) e vesículas globosas de Escovopsis papillata (dir.), espécie mais próxima do ancestral comum do gênero e menos eficiente nesse tipo de reprodução (imagens: Quimi Vidaurre Montoya/IB-Unesp)

Dados fisiológicos indicam que a taxa de crescimento, número de vesículas, produção e viabilidade de conídios aumentaram gradualmente à medida que o gênero se diversificou. Espécies com vesículas cilíndricas podem crescer mais rápido do que aquelas com estruturas em formato de globo, enquanto as vesículas mais finas e alongadas de espécies mais recentes exibem produção e viabilidade consideravelmente maiores de conídios do que as de grupos mais antigos e com vesículas globosas.

“Aparentemente, há uma coevolução entre formigas, fungos simbiontes e Escovopsis. Não sabemos se evoluíram para se tornarem parasitas ou são oportunistas, que se alimentam de detritos e podem comer o que resta quando o sistema como um todo entra em colapso. Mas se fosse um hospedeiro virulento especializado, como parte da literatura assume, destruiria o sistema independentemente de ele estar em equilíbrio ou não”, opina Montoya.

Fungos pouco conhecidos

O estudo é um desdobramento de um trabalho mais amplo realizado até hoje sobre o gênero Escovopsis, que começou ainda no doutorado de Montoya com bolsa da FAPESP sob orientação de Rodrigues, com estágio na Universidade Emory, nos Estados Unidos.

Na ocasião, o então doutorando analisou as duas maiores coleções existentes desses fungos: a do IB-Unesp, coletada e mantida pelo grupo de Rodrigues, e a da Emory, mantida pela professora Nicole Marie Gerardo, sua supervisora no exterior.

Um dos primeiros resultados daquele esforço foi a descrição de dois novos gêneros, até então classificados como Escovopsis. Outros dois descobertos naquele trabalho ainda estão em processo de descrição. Montoya e Rodrigues lideraram ainda a descrição de 13 novas espécies de Escovopsis, com outras dez em processo de descrição.


Colônia de Escovopsis sp. com produção de micélio aéreo e conídios, cultivada em placa de petri por sete dias (foto: Quimi Vidaurre Montoya/IB-Unesp)

“Esses fungos ainda são pouco conhecidos dos pontos de vista fisiológico e ecológico. Por isso, é prematuro tratar todos como parasitas. Nossos estudos levam a crer que tenham outras funções e que possam viver em relativa harmonia nas colônias”, acredita Montoya.

Segundo o pesquisador, apenas a espécie Escovopsis weberi comprovadamente causa infecções nos fungos cultivados pelas formigas. Experimentos do seu grupo e de outros mostram que, na presença desses insetos, diversas linhagens não mataram os fungos.

Experimentos in vitro que dão base para a alegação de parasitismo, por sua vez, desconsideram que os fungos afetados contam com as formigas como proteção. Por isso, não faria sentido avaliar o efeito do Escovopsis no fungo mutualista sem a presença das formigas e seus comportamentos de higiene, que atuam como um sistema imune social (leia mais em: agencia.fapesp.br/54320).

“Alguns fungos mais virulentos são removidos imediatamente pelas formigas quando inoculados na colônia. Nos experimentos com Escovopsis, porém, elas não dão tanta importância para ele”, diz o pesquisador.

O artigo Digging into the evolutionary history of the fungus-growing-ant symbiont, Escovopsis (Hypocreaceae) pode ser lido em: www.nature.com/articles/s42003-025-08654-z.
 

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