Da esquerda para a direita: Vanderlei Bagnato, Marcelo Zuffo, Fabio Cozman, Carlos Labate, Paulo Artaxo e Julio Meneghini (foto: Heitor Shimizu/Agência FAPESP)
Coordenadores de centros de pesquisa mostram, na VivaTech em Paris, avanços conduzidos na USP em agricultura, clima, energia, computação, inteligência artificial e saúde
Coordenadores de centros de pesquisa mostram, na VivaTech em Paris, avanços conduzidos na USP em agricultura, clima, energia, computação, inteligência artificial e saúde
Da esquerda para a direita: Vanderlei Bagnato, Marcelo Zuffo, Fabio Cozman, Carlos Labate, Paulo Artaxo e Julio Meneghini (foto: Heitor Shimizu/Agência FAPESP)
Heitor Shimizu, de Paris | Agência FAPESP – A Universidade de São Paulo (USP) e a FAPESP estão presentes na 9ª edição da Viva Technology (VivaTech), o maior evento europeu de startups e tecnologia, com um estande de 100 metros quadrados para apresentar inovações em diversas áreas, como agricultura, clima, energia, inteligência artificial e saúde (leia mais em: agencia.fapesp.br/54962).
A programação no estande inclui também a participação de professores da USP, que, além de estarem à disposição de investidores, empreendedores e do público visitante da feira, participam de mesas-redondas nas quais apresentam tecnologias desenvolvidas pelos centros de excelência dos quais fazem parte.
Estande da USP na Vivatech, onde também se apresentam startups apoiadas pelo PIPE-FAPESP (foto: Heitor Shimizu/Agência FAPESP)
Uma das mesas-redondas teve como tema “Ciência e Inovação para um Futuro Sustentável: Avanços da USP em Clima, IA, Energia Limpa, Saúde e Tecnologia”, e contou com a participação de Julio Meneghini, Paulo Artaxo, Carlos Labate, Marcelo Zuffo, Fabio Cozman e Vanderlei Bagnato.
Meneghini falou sobre alguns dos projetos e inovações apresentados na VivaTech pelo Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), centro de pesquisa sediado na Escola Politécnica (Poli-USP) e financiado por Shell e FAPESP. O RCGI foi responsável por organizar a participação institucional da USP e da FAPESP no evento em Paris, desde a concepção do estande até a curadoria das tecnologias e a programação das atividades.
“Trouxemos alguns exemplos de inovações produzidas no RCGI, como startups envolvidas com a produção de metanol verde, com a produção de hidrogênio com o uso de energia solar, com células a combustível de óxido sólido e com a produção de eletricidade diretamente do etanol. Também estamos apresentando um sistema que usa realidade virtual para produzir uma experiência multissensorial que simula a Floresta Amazônica, com estímulos visuais, sonoros e olfativos", disse.
“O RCGI completa dez anos e é uma grande satisfação ver os resultados de projetos importantes desenvolvidos nesse período pelos cerca de 600 pesquisadores que integram o projeto. Nosso centro foi criado com apoio da FAPESP, no âmbito do Programa de Centros de Pesquisa em Engenharia/Centros de Pesquisa Aplicada, e nossa missão é nos tornarmos um centro de excelência reconhecido globalmente, que contribua para um futuro sustentável e ajude o Brasil a cumprir suas metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris", disse Meneghini.
O diretor-executivo e científico do RCGI destacou que o foco é produzir soluções práticas baseadas em ciência sólida. Um dos programas mencionados foi o de Gases de Efeito Estufa, com projetos voltados, por exemplo, à redução de vazamentos de metano – um dos mais potentes gases de efeito estufa – em processos industriais.
“Outro programa do RCGI é o Soluções Baseadas na Natureza, por meio do qual buscamos desenvolver novas tecnologias aplicáveis à agricultura e à pecuária, tornando esses setores mais sustentáveis", disse Meneghini.
"No RCGI temos também um projeto transversal, que busca concentrar os esforços de internacionalização do centro, pois acreditamos que o Brasil pode liderar o próximo grande desafio deste século: fazer o progresso acontecer de forma sustentável", disse.
Paulo Artaxo apresentou um projeto voltado à construção de um banco de dados sobre as emissões de gases de efeito estufa na região amazônica, também conduzido no RCGI. A plataforma está sendo construída com técnicas de big data para gerar informações que possibilitem o monitoramento das emissões, a compreensão mais precisa de suas causas e o apoio à formulação de políticas públicas voltadas à mitigação desses gases.
“Inicialmente focado na Amazônia, o projeto agora está sendo expandido para toda a América do Sul. Entre as principais características da plataforma estão um banco de dados harmonizado e uma interface amigável, de fácil utilização. Tudo isso proporciona uma base científica sólida para que os tomadores de decisão possam agir com mais segurança e eficácia”, disse Artaxo.
Solução do Cerrado
A macaúba como cultura promissora para o desenvolvimento sustentável foi o tema da apresentação de Carlos Labate, coordenador do Laboratório Multiusuário de Proteômica, Metabolômica e Lipidômica na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). Em parceria com a empresa Acelen Renováveis, pesquisadores da Esalq desenvolvem um projeto para a produção de biocombustíveis a partir da macaúba, planta nativa do Cerrado brasileiro e ainda não domesticada.
“A macaúba se destaca por uma altíssima produtividade de óleo – produz de sete a dez vezes mais óleo do que a soja – e é importante ressaltar que não se trata de uma cultura alimentar, ou seja, não compete com lavouras como soja ou milho. Isso elimina uma das principais críticas ao uso de terras agrícolas para a produção de biocombustíveis: não estamos tirando espaço da produção de alimentos", disse Labate.
O objetivo do projeto é produzir combustível sustentável de aviação e diesel renovável. Segundo o professor, o Brasil possui uma grande quantidade de terras com potencial agrícola e a macaúba representa uma forma sustentável de aproveitá-las. “O manejo da macaúba, ao utilizar pastagens degradadas, não vai incentivar o desmatamento nem impactar negativamente o uso do solo”, disse.
O professor da Esalq explicou que estão estudando três espécies de macaúba: Acrocomia aculeata, distribuída principalmente na Bahia, Minas Gerais e sul do Mato Grosso; Acrocomia totai, presente no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e Acrocomia intumescens, encontrada principalmente no Nordeste do Brasil. “Essa diversidade representa múltiplas oportunidades de desenvolvimento regional, com espécies adaptadas a diferentes ambientes, do litoral ao interior do país. Já realizamos o sequenciamento do genoma de A. aculeata e estamos finalizando o sequenciamento de A. totai. Esse trabalho é fundamental para o melhoramento genético da planta", disse.
Os pesquisadores estão construindo um banco de germoplasma, com amostras coletadas de diferentes regiões. Essas amostras apresentam variabilidade genética em características como o tamanho e a quantidade dos frutos, fatores essenciais para o desenvolvimento de variedades mais produtivas.
Trilhão de computadores
Desenvolver uma percepção em tempo real da Floresta Amazônica, por meio de um novo tipo de inteligência artificial, é o objetivo do projeto apresentado por Marcelo Zuffo, coordenador do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da USP.
“Nosso principal desafio é construir uma percepção persistente da biodiversidade da floresta tropical – uma percepção que seja precisa, direta, contínua e duradoura. É importante lembrar que muitas árvores em florestas tropicais vivem por séculos, enquanto a maioria dos dispositivos eletrônicos hoje não dura nem algumas décadas", disse.
O projeto, chamado de Farm AI, propõe o desenvolvimento de dispositivos autônomos equipados com sensores de dióxido de carbono, temperatura, infravermelho, entre outros. Esses sensores devem operar de forma segura, eficiente e autônoma em ambientes remotos e os pesquisadores também estão usando tecnologias como blockchain e criptografia para garantir segurança, rastreabilidade e integridade dos dados coletados.
“Qual é a nossa visão? Um trilhão de computadores. Trabalhamos com o conceito de dust computing [computação em poeira]. Imagine grãos de areia computacionais sendo espalhados pela Amazônia – um simples punhado dessa areia contendo bilhões de grãos, cada um capaz de processar dados, comunicar-se e colaborar com os outros”, disse Zuffo.
O pesquisador comentou que a próxima grande onda tecnológica pode estar em tais dispositivos: embutidos em todos os lugares, capazes de interagir, colaborar e se replicar. “Dispositivos inteligentes interagindo de forma orgânica, criando uma inteligência coletiva distribuída – por exemplo, uma inteligência orgânica coletiva da floresta –, levando a uma internet das árvores”, afirmou.
“Já temos protótipos em funcionamento. O conceito é criar um enxame de dispositivos robustos e de baixíssimo custo com aplicações em sensores ambientais. Já realizamos os primeiros testes, com dez dispositivos lançados na floresta, e pretendemos produzir 2 mil unidades", disse.
Zuffo explica que cada dispositivo tem o tamanho de uma moeda, contendo um chip que mede apenas 2 x 3 milímetros, mas com 300 milhões de transistores. “É um computador completo, capaz de rodar IA e criptografia, e que pode se conectar com mais de 200 sensores diferentes", disse.
Preservação de língua indígenas
A USP tem sido, há décadas, uma referência nacional em pesquisas na área de inteligência artificial, com pesquisas em diferentes áreas e unidades, como Medicina, Engenharia, Ciências da Computação e Ciências Sociais. Para consolidar essa atuação, foi criado o Centro de Inteligência Artificial (C4AI), uma parceria entre USP, FAPESP e IBM, que reúne cerca de 90 docentes de diversas áreas do conhecimento, explicou Fabio Cozman, diretor do centro.
“No C4AI, investigamos desde algoritmos de IA até suas aplicações práticas em setores como saúde, direito, políticas públicas, agronegócio e processamento de linguagem natural, com ênfase na língua portuguesa", disse Cozman, que destacou dois projetos do C4AI voltados à sustentabilidade, tema da sessão na VivaTech.
“No primeiro, a ideia é prever eventos extremos no Atlântico Sul, estudando particularmente as ressacas, que provocam inundações por marés e ventos, e não por chuvas. O projeto utiliza uma abordagem de aprendizagem de máquina baseada em modelos físicos, integrando dados oceânicos com modelagens ambientais, em colaboração com pesquisadores de engenharia e ciências do mar", disse.
“O segundo projeto tem foco na preservação de línguas indígenas brasileiras, com o objetivo de garantir sua continuidade entre as novas gerações. O desafio é desenvolver ferramentas de tradução entre as línguas indígenas do Brasil. O país possui mais de 200 idiomas além do português. A proposta é criar aplicativos e ferramentas que ajudem os jovens a aprender e se familiarizar com sua língua e sua língua ancestral", disse Cozman.
Fotônica contra resistência bacteriana
“Na Universidade de São Paulo, trabalhamos com três princípios fundamentais: fazer ciência com excelência; fazer ciência com relevância – ou seja, que resolva problemas, especialmente com responsabilidade social; e, em terceiro lugar, ser internacional. Não produzimos conhecimento apenas para nós, mas para a humanidade. É disso que nos orgulhamos", disse Vanderlei Bagnato, coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).
“Em São Carlos, temos cerca de 120 pessoas atuando. Começamos como um centro financiado pela FAPESP e, hoje, também integramos um programa do governo federal, com projetos cofinanciados por empresas. Atualmente, temos cerca de 90 projetos com o setor privado – 60 já concluídos e 30 em andamento. Nossa equipe é multidisciplinar: físicos, médicos, farmacêuticos, matemáticos – trabalhamos com desenvolvimento de tecnologias e instrumentação, da física quântica à área da saúde", explicou.
“Atuamos em saúde humana, ambiental e animal, enfrentando três grandes desafios. O primeiro é o tratamento do câncer. Apesar dos avanços no conhecimento, o acesso aos tratamentos ainda é muito limitado – mesmo em países ricos, os custos são altíssimos. O segundo desafio são as doenças crônicas, como Parkinson, diabetes, fibromialgia e artrite, que afetam milhões de pessoas e demandam novos protocolos e equipamentos para melhorar a qualidade de vida dos pacientes", disse Bagnato.
“O terceiro grande desafio são as infecções, especialmente diante da resistência bacteriana aos antibióticos. Estamos desenvolvendo um tratamento inovador para a pneumonia resistente: criamos moléculas inaláveis que se fixam nos pulmões, nos focos de infecção, e são ativadas por luz infravermelha. Isso gera radicais livres que destroem a colônia de bactérias ou tornam as bactérias novamente sensíveis aos antibióticos", disse o coordenador do CePOF.
“Já estamos na fase 3 dos testes clínicos desse tratamento. No Texas, estamos desenvolvendo modelos animais de pneumonia em ovelhas e cães – espécies que desenvolvem naturalmente a doença. Esperamos iniciar os testes clínicos em humanos no próximo ano. Essa abordagem pode ser um divisor de águas, já que entre 10 e 15 milhões de pessoas morrem por ano devido à pneumonia resistente – não por falta de médicos, mas por ausência de medicamentos eficazes", disse Bagnato, que está implantando, em parceria com a Texas A&M University, um centro nos moldes do CePOF nos Estados Unidos, com financiamento do Estado do Texas.
A participação da FAPESP na VivaTech integra a programação da FAPESP Week França. Mais informações: fapesp.br/week/2025/france.
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