Na foto, 120 jovens pesquisadores, 60 de cada uma das escolas, posam junto aos palestrantes do evento em Itatiba (foto: Erika de Faria/Temporal Filme)

Interdisciplinaridade
Escolas interdisciplinares reúnem jovens pesquisadores de todo o país
11 de dezembro de 2024

Pós-doutorandos de diferentes áreas encontram-se com pesquisadores sêniores para falar sobre ciência, tecnologia, política científica e carreira

Interdisciplinaridade
Escolas interdisciplinares reúnem jovens pesquisadores de todo o país

Pós-doutorandos de diferentes áreas encontram-se com pesquisadores sêniores para falar sobre ciência, tecnologia, política científica e carreira

11 de dezembro de 2024

Na foto, 120 jovens pesquisadores, 60 de cada uma das escolas, posam junto aos palestrantes do evento em Itatiba (foto: Erika de Faria/Temporal Filme)

 

André Julião, de Itatiba (SP)  |  Agência FAPESP – Em famosa palestra, publicada no livro As Duas Culturas, de 1959, o físico e romancista C.P. Snow critica a cisão que havia sido criada entre os chamados humanistas e os cientistas em seu tempo. O tema ainda merece reflexão, num momento em que o mundo se transforma e tem grandes desafios a superar, afirmou Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, na abertura das Escolas Interdisciplinares FAPESP 2024, no domingo (8/12).

O evento reúne, até amanhã (12/12), 120 bolsistas de pós-doutorado de todo o país em duas escolas: uma dedicada às Ciências Exatas e Naturais, Engenharias e Medicina e outra às Humanidades, Ciências Sociais e Artes.

“Planejamos esse tipo de encontro especial para reunir jovens pesquisadores de pós-doutorado que serão a próxima geração de líderes científicos, para que possam encontrar pesquisadores seniores num ambiente descontraído para falar sobre ciência, tecnologia, política científica e carreira. E também para falarem entre si, falarem com outros jovens de diferentes áreas do conhecimento e de diversas regiões do país. Esse tipo de encontro costuma criar laços que se estendem para o resto da vida”, disse Zago.

Nas comemorações dos 60 anos da FAPESP, em 2022, e no ano seguinte, as escolas foram realizadas separadamente. Neste ano, elas ocorrem simultaneamente. “Por que mudamos? Porque o mundo mudou. As mudanças radicais na sociedade, nas crenças, na economia, na geopolítica tornaram muitas das referências do passado obsoletas. Um novo mundo deve ser construído, um mundo em que as divisões e classificações do passado também se tornaram obsoletas. As bases desse novo mundo serão construídas com conhecimento, ciência e a mente de jovens pesquisadores. Por essa razão, cientistas e humanistas devem estar juntos e conversarem entre si”, afirmou.

Marco Antonio Zago falou da importância de uma nova perspectiva dos cientistas e humanistas frente a um mundo em transformação (foto: Erika de Faria/Temporal Filmes)

Europa e Brasil

Na palestra de abertura, Manuel Heitor, professor da Universidade de Lisboa e ministro de Ciência, Tecnologia e Educação Superior de Portugal entre 2015 e 2022, falou sobre os desafios para a ciência europeia e o que os brasileiros podem aprender com a situação no continente. O pesquisador liderou um estudo sobre o tema e elencou os desafios para o futuro.

“A mensagem, que não é diferente daquela para o Brasil, é uma necessidade intrínseca de alinhar, sobretudo as políticas econômicas e financeiras e de defesa, com uma nova centralidade para a ciência e a inovação. Atuar rapidamente e acelerar o desenvolvimento regulatório e institucional para que a ciência e a inovação sejam os motores do desenvolvimento econômico, mas também do desenvolvimento social”, disse.

Segundo a análise liderada por Heitor, a Europa passa por um declínio em termos científicos e econômicos, sobretudo quando comparada com os Estados Unidos e a China, principalmente devido a um déficit no investimento em pesquisa e inovação. “A Europa investe mais do que o dobro do Brasil, mas muito menos do que os Estados Unidos e a China”, comparou.

As implicações sociais e econômicas incluem um movimento migratório de jovens pesquisadores europeus, não por acaso a geração mais descontente com a situação do continente, para os Estados Unidos.

“Sei que no Brasil a situação é bastante diferente, mas é também particularmente preocupante, por exemplo, quando percebemos que o número de estudantes no ensino superior e, em particular na pós-graduação, incluindo nas grandes universidades brasileiras, está a diminuir. Isso é preocupante, porque afeta o futuro das novas gerações”, apontou.

O pesquisador falou do importante papel da pesquisa realizada no setor privado, algo que precisa aumentar, sobretudo no Brasil. As inovações geradas em tecnologias de informação e na indústria biofarmacêutica, setores que investem fortemente em pesquisa, podem ser vivenciadas pela sociedade e mostram a importância da pesquisa para fazer as empresas crescerem.

“Mas esse investimento privado tem que ser balanceado com o investimento público em pesquisa e inovação, a fim de combater aspectos críticos como a desigualdade no acesso aos medicamentos contra o câncer, por exemplo, que devido à concentração das pesquisas no setor privado tem resultado num aumento brutal do custo dos tratamentos”, afirmou.

Para o pesquisador, no novo contexto geopolítico, cada vez mais complexo, tem-se visto ao longo dos últimos anos uma transição do poder científico de regimes democráticos para os autocráticos. “Isto exige uma maior atenção. O Brasil, como uma sociedade democrática, faz parte deste debate e, como a Europa, não temos outra solução senão investir mais em ciência, investir mais em inovação e dar melhores esperanças de vida, melhores carreiras científicas aos jovens adultos”, concluiu.

Ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Portugal, Manuel Heitor falou da importância do investimento público na área para reduzir desigualdades (foto: Erika de Faria/Temporal Filmes)

Experiências

Jovens pesquisadores participantes se mostraram empolgados com o formato do evento e com as possibilidades vislumbradas já nos primeiros dias. Maybi Bandeira, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, disse já estar conversando com colegas do trabalho sobre a realização de um evento em formato semelhante na sua instituição. “Estamos acostumadas a lidar com os mesmos assuntos e pessoas nos encontros da nossa área. Está sendo muito interessante sair da nossa bolha e ver os problemas sob outras perspectivas”, disse a pesquisadora, que atua no Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior do Inpa.

Engenheira ambiental com mestrado e doutorado em agronomia, Tamires Lima da Silva realiza pós-doutorado com bolsa da FAPESP na Embrapa Agricultura Digital, em Campinas.

Enquanto assistia a uma palestra sobre busca por tratamentos de câncer, pensou se não seria possível utilizar os mesmos modelos matemáticos apresentados para desenvolver tecnologias digitais para pequenos e médios agricultores atendidos pelo Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital (Semear Digital), apoiado pela FAPESP e Embrapa Agricultura Digital.

“Nunca havia considerado utilizar esse tipo de modelo na minha pesquisa. Podemos mudar o que é chamado de probabilidade de risco na pesquisa de câncer, por exemplo, para uma probabilidade de qual seria a melhor solução tecnológica para os agricultores. É algo que talvez eu não tivesse acesso em eventos da minha área”, disse.

Ainda que os pesquisadores participantes estejam vinculados a instituições brasileiras, alguns são estrangeiros. Vencedor do prêmio de melhor tese de doutorado em bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em maio, o nigeriano Daniel Fasheun trabalha no desenvolvimento de processos para a produção de biocombustíveis.

“Um desafio que tem sido estimulante é apresentar minha pesquisa para pessoas com especializações totalmente diferentes”, conta Fasheun, atualmente pesquisador no Instituto Nacional de Tecnologia (INT), no Rio de Janeiro.

“Trouxemos pessoas com diferentes conhecimentos, diferentes saberes e contextos sociais, que estão vendo na prática a diversidade das áreas do conhecimento e de como cada uma encara as diferentes formas de produzir conhecimento”, encerra Oswaldo Baffa Filho, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e membro do comitê organizador das Escolas Interdisciplinares FAPESP 2024.

 

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