A chuva forte que atingiu o Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio, principalmente, já deixou 180 mortos e mais de 800 feridos (foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)

Política pública
Enchentes no Rio Grande do Sul mostram que política de gestão do risco de desastres é falha no Brasil
04 de julho de 2024
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Atividade de coordenação estadual será essencial para superação dos problemas no Estado gaúcho, como mostra experiência acreana com as enchentes

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Atividade de coordenação estadual será essencial para superação dos problemas no Estado gaúcho, como mostra experiência acreana com as enchentes

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A chuva forte que atingiu o Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio, principalmente, já deixou 180 mortos e mais de 800 feridos (foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)

 

Agência FAPESP* – Desde 2012, o Brasil possui uma política pública nacional de gestão do risco de desastres, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), que prevê o desenvolvimento intergovernamental de um conjunto de ações de prevenção, mitigação, preparação para emergências, resposta e recuperação após desastres socioambientais, como inundações.

Apesar de representar avanços legais, a operacionalização dessa política enfrenta inúmeros desafios, o que contribui para que as respostas a tragédias como a ocorrida no Rio Grande do Sul sejam mais lentas, descoordenadas e menos eficazes, além de não ajudar no desenho de um bom planejamento que embase ações de prevenção.

É o que aponta artigo publicado na revista Agenda Política por Catarina Ianni Segatto e Fernanda Lima-Silva, pesquisadoras do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

O texto, que também é assinado por André Luis Nogueira da Silva, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), discute os diferentes padrões de coordenação estadual na implementação de políticas públicas. Neste estudo, foram avaliados três casos: a coordenação estadual na política de educação no Ceará; de saúde, em São Paulo; e da proteção e Defesa Civil no Acre. São políticas com diferentes graus de coordenação federativa e padrões de coordenação estadual.

As reflexões sobre a política para proteção e Defesa Civil do Acre trazem diversas lições não só para o caso do Rio Grande do Sul, mas para os demais municípios, Estados e o governo federal. Esta área de política pública foi selecionada para o estudo porque se trata de um setor com uma coordenação nacional pouco efetiva, baixas capacidades entre os governos subnacionais e com variadas trajetórias de coordenação estadual. No Acre, o tema ganhou relevância em determinado contexto – no caso, as inundações históricas na década de 2010 ocorridas na capital, Rio Branco.

No artigo, os pesquisadores partiram da análise da coordenação nacional, feita pelo nível federal, antes de discutir os aspectos relacionados ao nível estadual. “No caso da proteção e Defesa Civil, observamos que a coordenação nacional é muito incipiente. Há uma tentativa de avançar com a criação de uma política nacional, mas não há indução financeira ou instrumentos para assegurar a construção de capacidades estatais e a implementação de políticas específicas”, aponta Segatto.

No que tange à coordenação estadual, a condição se repete: esta é frágil não apenas no Rio Grande do Sul nem somente na política para a área de proteção e Defesa Civil. “Enquanto a coordenação nacional é frágil, não há clareza sobre o papel do Estado coordenando as políticas e ações junto aos municípios e isso não é exclusivo dessa política. A ausência de uma clareza sobre o papel dos Estados na coordenação regional ocorre em políticas públicas de diversas áreas”, diz Segatto.

Lima-Silva lembra que o marco mais recente a estabelecer as atribuições do Estado e dos municípios na área de proteção e Defesa Civil gerou sobreposição. “Dentro desse arranjo em que há poucos elementos de indução de comportamento, quem acaba fazendo o que em cada contexto varia muito caso a caso”, aponta. Segundo ela, em situações como esta, abre-se espaço para que um ator culpabilize o outro quando algo não é feito, como foi observado no caso do Rio Grande do Sul.

A Defesa Civil no Acre como exemplo

De acordo com Lima-Silva, o Acre se tornou interessante como objeto de estudo por conta da situação emergencial das cheias de 2012 e 2015, na qual o Estado assumiu um protagonismo que não exercia até ali, principalmente quando começou a desenvolver ações conjuntas entre a Defesa Civil e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente baseadas no uso intensivo de dados. “Esse caso nos ensina que é possível, baseado em dados e articulação interinstitucional, criar novos padrões de coordenação estadual e ter planejamento sobre ações para lidar com riscos, compartilhando-os com vários atores estatais e não estatais, de forma a antecipar cenários e planejar melhor o que se pode fazer em cada um deles”, completa.

Um dos exemplos é o sistema de acompanhamento do nível do rio Acre. Quando chove rio acima, é possível saber quanto o nível fluvial vai aumentar em Rio Branco, em quanto tempo isso vai ocorrer e quais áreas da cidade serão alagadas. “Combinando os dados, consegue-se estimativas que permitem aos governos estadual e municipal tomar medidas práticas antecipadamente, como preparar abrigos, destacar equipes dos bombeiros e da Defesa Civil, avisar as escolas, os moradores dos bairros que serão afetados etc.”, afirma.

Apenas a produção de dados não basta: é preciso que técnicos e atores políticos saibam olhar essas informações, avaliar sua qualidade e confiabilidade e tomar decisões informadas por elas. “No Rio Grande do Sul, dados circularam e poderiam ter sido usados de forma mais eficaz na tomada de decisão na ocasião das chuvas. Tampouco observamos articulação significativa com a sociedade civil, algo que garante capilaridade”, completa Lima-Silva.

Além de produzir e saber interpretar dados, o trabalho precisa ser coordenado entre as diferentes esferas e a comunicação para a população precisa ser clara e ágil. “No Rio Grande do Sul, não parece ter havido uma clareza na comunicação para quem seria mais afetado sobre as decisões tomadas em relação aos dados produzidos”, aponta Segatto.

Para as pesquisadoras, a coordenação estadual observada no Acre parece fragilizada no estado gaúcho. Com um agravante, de acordo com Segatto: a atenção despertada e a gravidade dos eventos levaram a uma coordenação federal pouco cooperativa entre as três esferas que poderiam dar respostas mais rápidas e eficazes.

Segatto lembra que, infelizmente, esta não deverá ser a última ocorrência de extremos climáticos no estado gaúcho. “É preciso pensar não só nos investimentos para responder aos efeitos da tragédia, mas aproveitar essa crise para trabalhar na construção e coordenação de políticas e entre instâncias de governo, na articulação com a sociedade civil para que, pelo menos, tenhamos efeitos menos impactantes em crises futuras”, finaliza.

O artigo Diferentes padrões de coordenação estadual; os fatores explicativos da atuação coordenadora nos Estados brasileiros pode ser lido em: www.agendapolitica.ufscar.br/index.php/agendapolitica/article/view/900.

* Com informações do CEM.
 

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