Imagem ilustrativa mostra como será o novo prédio, que deve ficar pronto em 2026 (imagem: divulgação/CNPEM)
Prevista para começar a operar em 2028 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas, instalação permitirá, pela primeira vez na América Latina, estudar vírus de risco biológico classe 4, a mais alta existente
Prevista para começar a operar em 2028 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas, instalação permitirá, pela primeira vez na América Latina, estudar vírus de risco biológico classe 4, a mais alta existente
Imagem ilustrativa mostra como será o novo prédio, que deve ficar pronto em 2026 (imagem: divulgação/CNPEM)
André Julião | Agência FAPESP – Ao lado do prédio que abriga o Sirius, que pôs o Brasil no restrito clube de países que possuem uma fonte de luz síncrotron de quarta geração, outro complexo inovador já começou a ser erguido no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Trata-se do Orion, o primeiro laboratório de biossegurança de nível 4 (NB4) da América Latina.
Até a pandemia de COVID-19, o Brasil tinha poucos laboratórios de biossegurança de nível 3 (NB3), que permitem analisar patógenos como o SARS-CoV-2. Agentes infecciosos mais perigosos do que isso, como o vírus Sabiá, tinham de ser enviados para estudos fora do país.
Contar com o Sirius foi um fator de peso para que o CNPEM fosse a instituição escolhida para abrigar o primeiro NB4 das Américas que não estará nos Estados Unidos ou no Canadá.
“Um laboratório desses, ligado a uma fonte de luz síncrotron, é algo que nunca foi feito no mundo, o que traz uma série de desafios para nós”, conta Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, à Agência FAPESP.
Um dos principais obstáculos é justamente abrigar as três fontes de luz criadas para o Orion, batizadas de Sibipiruna, Timbó e Hibisco, numa estrutura NB4. Afinal, esses patógenos precisam ser completamente isolados para que não haja nenhum vazamento que os exponha ao meio externo. Ao mesmo tempo, estruturas de síncrotron nunca antes foram usadas nesse contexto de mais alto nível de biossegurança.
“O ambiente em que ficam os experimentos é extremamente complexo. Não há como pôr todo o equipamento da fonte de luz num nível 4 de biossegurança. O que está sendo desenvolvido é uma solução em que a amostra, que é o potencial contaminante, vai ficar totalmente isolada no mais alto grau de biossegurança. Para realizar isso, contamos com uma consultoria internacional bastante experiente em NB4”, explica Roque da Silva.
Questão de soberania
Atualmente, só se conhece um vírus com origem no Brasil que exige uma estrutura NB4 para ser manipulado, o Sabiá, causador da febre hemorrágica brasileira. E nada impede que outro apareça vindo de algum país vizinho ou mais distante.
Para um patógeno se enquadrar nesse nível de contenção, além dos requisitos dos NB3 – causar doença e não haver imunizantes ou tratamentos –, a letalidade deve ser maior do que 60%.
É o caso do ebola, Marburg e Nipah, mas também de vírus que causam febre hemorrágica encontrados em outros países da América Latina, o Junín, o Guanarito e o Machupo.
“Existe um potencial imenso de parcerias com outros países latino-americanos para estudar doenças que podem causar epidemias no continente, mas estamos realizando também parcerias com Alemanha, Suécia e Estados Unidos, que se mostraram bastante empolgados com o nosso projeto”, comenta Roque da Silva.
A pandemia de COVID-19 mostrou a importância de ter laboratórios que pudessem armazenar, replicar e estudar os microrganismos causadores de epidemias e pandemias para desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Nada impede que uma próxima pandemia seja de um patógeno NB4, o que torna urgente a criação não apenas de um, mas de alguns laboratórios desse nível.
O vírus Sabiá matou duas pessoas em 2019 em São Paulo. Grupos brasileiros que gostariam de estudá-lo não puderam. Felizmente, não se tornou uma epidemia. Hoje, está armazenado nos Estados Unidos.
“Um laboratório como o que está sendo construído no Orion é um instrumento de soberania nacional. Com ele, não dependemos de outras nações para compreender os agentes causadores de nossas próprias epidemias e podemos desenvolver nossas próprias vacinas e tratamentos”, afirma.
Não à toa, o Orion entrou para o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, que disponibilizou R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para construí-lo até 2026 e torná-lo operacional até 2028. Além do espaço NB4, o prédio terá laboratórios nos níveis 1, 2 e 3, a exemplo de outros complexos como esse pelo mundo.
“Ao visitar diversos laboratórios, percebemos que a parte NB4 é a menor de todas, metade da NB2, em alguns casos. Justamente porque nesse nível menor de segurança é feita a maior parte das preparações, culturas de células, testes em animais etc.”, explana Roque da Silva.
O Orion prevê ainda instalações para testes pré-clínicos em primatas não humanos, atualmente inexistentes no Brasil. Este é um passo fundamental para desenvolver vacinas e tratamentos sem depender de parceiros estrangeiros.
“O Orion vai colocar o país em outro patamar para diversas atividades, não só com vírus como com bactérias, fungos e mesmo vetores como artrópodes. E tudo aberto à comunidade científica, como é o princípio do CNPEM e dos laboratórios que o compõem”, diz Roque da Silva, referindo-se aos laboratórios nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), que já foi dirigido por ele, Biorrenováveis (LNBr), Biociências (LNBio) e Nanotecnologia (LNNano).
Governança
Se o Orion terá pesquisadores contratados ou realizará chamadas para atender projetos específicos, ainda não está definido. Segundo Roque da Silva, o modelo de governança está sendo debatido pela comunidade científica. É certo, porém, que vai exigir pessoal qualificado para atender aos pesquisadores, fora toda a operação de manutenção e higienização. Afinal, o laboratório NB4 é uma estrutura sem igual no continente e trabalhar nele demanda um treinamento que pode chegar a 12 meses.
Por isso, uma das primeiras contratadas foi justamente a coordenadora dos treinamentos, Tatiana Ometto, que realizou iniciação científica, doutorado e pós-doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), com bolsas da FAPESP.
Tendo realizado ainda estágio nos Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos, a pesquisadora trabalhou com alguns dos vírus mais perigosos do mundo, como ebola, Marburg e Nipah, que são agentes de classe de risco 4 e com recomendação de trabalho no NB4.
Na pandemia de COVID-19, passou a atuar justamente com treinamento de pessoal para uso de EPIs em hospitais e empresas (leia mais em: agencia.fapesp.br/33031).
Desde que ingressou no CNPEM, Ometto já realizou uma série de treinamentos, tendo sido certificada pela Universidade da Califórnia, em Irvine. A instituição norte-americana foi indicada como referência por parceiros nos National Institutes of Health (NIH), onde seus profissionais realizam os treinamentos para atuar em laboratórios de alto nível de biossegurança naquele país.
“Temos um espaço que simula o ambiente dos laboratórios NB3 e NB4, em que as pessoas devem se comportar exatamente como se estivessem num lugar desses. Mesmo para quem tem experiência no NB3, é preciso estar atento a uma série de procedimentos que só o treinamento pode proporcionar”, diz Ometto.
Pelo Programa de Treinamento & Capacitação em ambientes NB3 e NB4 do CNPEM, como foi batizado, já passaram dezenas de pessoas desde 2022. A fila para as próximas turmas é grande. A depender desses profissionais e dos parceiros que já manifestaram interesse, não faltará gente capacitada para manter o Orion em constante atividade.
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