Figura com QDs de CdTe de diferentes tamanhos, luminescendo pela excitação de um laser UV (imagem: Pedro Felipe Garcia Martins da Costa)
Em pesquisa conduzida na USP e divulgada na revista Scientific Reports, diâmetro de pontos quânticos semicondutores foi monitorado em tempo real por meio da frequência da luz emitida
Em pesquisa conduzida na USP e divulgada na revista Scientific Reports, diâmetro de pontos quânticos semicondutores foi monitorado em tempo real por meio da frequência da luz emitida
Figura com QDs de CdTe de diferentes tamanhos, luminescendo pela excitação de um laser UV (imagem: Pedro Felipe Garcia Martins da Costa)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A luminescência é um fenômeno observado em materiais que absorvem luz em uma determinada faixa de frequência e, posteriormente, a reemitem em frequências diferentes. Por meio da absorção, os elétrons no estado eletrônico fundamental do material são excitados a um estado de mais alta energia. Após um tempo, característico de cada estado excitado, decaem a estados de mais baixa energia, inclusive o estado fundamental, emitindo luz. Esse fenômeno possibilita uma gama de aplicações tecnológicas, mediante dispositivos emissores de alta eficiência e reprodutibilidade, que podem ser facilmente miniaturizados.
Entre os materiais que exibem a mais alta eficiência de luminescência, destacam-se os pontos quânticos (Quantum Dots, QDs), atualmente utilizados em telas luminescentes de alta resolução, LEDs, painéis solares e sensores de vários tipos, inclusive para exames médicos de grande precisão. A funcionalização da superfície dos QDs com diferentes tipos de moléculas permite a interação com estruturas celulares ou outras moléculas de interesse, viabilizando a investigação de processos biológicos em nível molecular.
Os pontos quânticos são nanopartículas semicondutoras cujas características emissivas estão diretamente ligadas ao tamanho dos pontos, devido ao fenômeno de confinamento quântico. Por essa razão, o monitoramento e o controle do crescimento cristalino, durante a síntese dos QDs em solução, oferecem a oportunidade de planejamento inteligente da luminescência desejada. Em trabalho publicado no periódico Scientific Reports, pesquisadores do grupo da professora Andrea de Camargo, no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), e colaboradores da Kiel University, na Alemanha, apresentaram uma nova abordagem para o monitoramento da formação de QDs.
“Utilizamos o telureto de cádmio [CdTe] como sistema-modelo e controlamos, por meio de análise de luminescência in situ, o processo de crescimento das nanopartículas em solução aquosa aquecida”, conta Pedro Felipe Garcia Martins da Costa, doutorando no IFSC-USP e primeiro autor do artigo.
Sem interferir na síntese dos QDs, a técnica permite monitorar em tempo real o que está acontecendo na solução, isto é, acompanhar o crescimento cristalino por meio da cor (frequência) de emissão detectada. “A síntese é realizada a partir de uma mistura de soluções precursoras de íons de cádmio (Cd2+) e telúrio (Te2-), na presença de um reagente para controle de tamanho. Com o aumento da temperatura, a reação química é iniciada, mediante a aproximação e agrupamento de íons de telureto e de cádmio. À medida que a reação prossegue, unidades adicionais de CdTe vão se agrupando esfericamente em um processo chamado de automontagem. Graças ao monitoramento rápido e preciso das frequências de emissão, pode-se estimar o tamanho das nanopartículas. QDs de telureto de cádmio com diâmetro em torno de 1 a 2 nanômetros (nm) emitem na região do azul e verde do espectro visível, enquanto QDs maiores, na faixa de 4 a 5 nm, emitem em frequências mais baixas, como amarelo e vermelho, respectivamente”, explica Leonnam Gotardo Merizio, pós-doutorando no IFSC-USP e coautor do artigo.
Costa ressalta a vantagem do novo método em relação à estratégia convencional de síntese. “Na técnica convencional, é preciso retirar pequenas alíquotas de amostra da solução, para medir o tamanho dos pontos quânticos. Na técnica in situ, as medidas são feitas enquanto o processo ocorre, sem a necessidade de interferir no meio reacional retirando amostras. Isso possibilita obter maior número de espectros por unidade de tempo, além de não alterar o volume reacional e evitar descartes desnecessários. Desse modo, a técnica permite controlar, de forma bem mais precisa, a cor de emissão dos QDs de interesse. O mesmo equipamento que entrega a luz de excitação, através de uma fibra óptica, no comprimento de onda apropriado, é também responsável pela coleta da luz emitida e determinação de sua frequência característica, no sistema de cores RGB [do inglês, red, green and blue]. Vale ressaltar que o controle do sistema RGB é relevante para a formação das imagens em diversos dispositivos luminescentes, como monitores e telas de celulares”, afirma.
O pesquisador acrescenta que os QDs assim sintetizados foram adicionalmente caracterizados por análises de difração de raios X, microscopia eletrônica de transmissão, espectroscopia de absorção UV-Vis e espectroscopia vibracional no infravermelho.
A existência dos pontos quânticos foi prevista teoricamente em 1937 pelo físico alemão, naturalizado britânico, Herbert Fröhlich (1905-1991). Na década de 1980, Alexey Ekimov (nascido em 1945), na antiga União Soviética, e Louis Brus (nascido em 1943), nos Estados Unidos, observaram o fenômeno de confinamento quântico em nanopartículas semicondutoras pela primeira vez. Na década de 1990, o francês de origem tunisiana Moungi Bawendi (nascido em 1961) também contribuiu com estudos de aperfeiçoamento da síntese das nanopartículas por diferentes técnicas. Em 2023, os três, Ekimov, Brus e Bawendi, foram premiados com o Nobel de Química por suas contribuições no desenvolvimento desse material.
“O efeito de confinamento quântico confere aos QDs a capacidade de confinar elétrons em três dimensões reduzidas, tornando os fenômenos quânticos mais evidentes e caracterizando-os como materiais intermediários entre átomos, moléculas e aglomerados cristalinos maiores”, comenta Costa.
“Embora existam muitas publicações relatando a síntese de QDs de CdTe, a maior contribuição do trabalho em pauta está no desenvolvimento e aplicação do sistema de medidas de luminescência in situ, extremamente versátil. Além de permitir a inferência dos tamanhos das nanopartículas cristalinas, como neste caso-modelo, a metodologia também possibilita caracterizar a formação de compostos intermediários em reações químicas, por associação in situ de outras técnicas que permitam análise química e/ou estrutural [FT-IR, Raman, DRX etc.]. De modo geral, essa aproximação possibilita avaliar a evolução de processos de síntese resultando na otimização do rendimento químico e economizando energia”, diz Camargo.
O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de quatro projetos (13/07793-6, 20/05627-5, 21/01170-3 e 22/07667-0).
O artigo Real‐time monitoring of CdTe quantum dots growth in aqueous solution pode ser acessado na íntegra em: www.nature.com/articles/s41598-024-57810-8.
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