Os cientistas analisaram o fluido oral de 50 leitões desmamados de cinco granjas (foto: Vinicius Buiatte/The Pennsylvania State University)
Trabalho mostra que bactérias no fluido oral são diferentes das encontradas nas fezes e no ambiente; identificar esses microrganismos pode, no futuro, ajudar a diagnosticar doenças infecciosas e a aprimorar a produção de carne
Trabalho mostra que bactérias no fluido oral são diferentes das encontradas nas fezes e no ambiente; identificar esses microrganismos pode, no futuro, ajudar a diagnosticar doenças infecciosas e a aprimorar a produção de carne
Os cientistas analisaram o fluido oral de 50 leitões desmamados de cinco granjas (foto: Vinicius Buiatte/The Pennsylvania State University)
Julia Moióli | Agência FAPESP – Bactérias dos filos Firmicutes e Proteobacteria, entre elas as do gênero Streptococcus, são os microrganismos mais comuns na saliva de suínos, compondo uma microbiota distinta da observada nas fezes e no ambiente em que os animais vivem. Foi o que descobriram pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e Pennsylvania State (Estados Unidos) ao realizar a caracterização até então inédita na literatura científica. Publicados na revista Scientific Reports, os resultados do estudo podem contribuir para a identificação de marcadores de saúde gastrointestinal nesses animais, que geram quase 5 milhões de toneladas anuais de carne no Brasil.
Porta de entrada para diversas bactérias que afetam a saúde de grande parte dos animais, a cavidade oral também pode ela própria trazer a solução para o problema: em humanos, por exemplo, sabe-se que a microbiota local (conjunto de microrganismos presentes em um ambiente, que vivem em relação simbiótica com o hospedeiro) tem efeito protetor contra microrganismos externos.
No caso de suínos, ainda não havia dados disponíveis na literatura que demonstrassem a composição bacteriana do fluido oral (uma combinação da saliva com outros líquidos presentes na cavidade oral). Obter essas informações foi o objetivo da pesquisa, apoiada pela FAPESP por meio de dois projetos (17/22184-7 e 19/19473-2).
Para isso, os cientistas analisaram o fluido oral de 50 leitões desmamados de cinco granjas comerciais de pequeno e grande porte do Estado de São Paulo.
A escolha por animais nessa fase da vida não foi aleatória: trata-se de um período estressante, em que ocorre a passagem da dieta líquida (leite) para a sólida e a separação entre os leitões e as matrizes. Disso decorre uma série de mudanças na microbiota, podendo surgir diversas doenças.
Após sequenciar as amostras e analisá-las no software estatístico R Studio, os pesquisadores descobriram que a maioria das bactérias presentes nas amostras de fluido oral pertence aos filos Firmicutes (80,4%) e Proteobacteria (7,7%), com destaque para os gêneros Streptococcus (família Pasteurellaceae) e Veillonella. Porém, houve grande variação entre as diferentes granjas.
O trabalho incluiu também análises das respectivas microbiotas fecais e ambientais (de chão de baia). “Essa etapa é relevante porque o ambiente no qual o suíno está inserido é o principal semeador das bactérias de sua cavidade oral e as fezes mostram eventuais diferenças na composição bacteriana que entra e sai do organismo”, explica Vera Letticie de Azevedo Ruiz, professora do curso de medicina veterinária da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP) e coordenadora do trabalho.
Amostras de fluido oral foram coletads e sequenciadas para determinar a comprosição da microbiota (foto: Vinicius Buiatte/The Pennsylvania State University)
Os filos mais abundantes nessas amostras foram Firmicutes, Proteobacteria e Bacteroidota, especialmente o gênero Prevotella_9. Diferentemente do ocorrido no fluido oral, a composição se mostrou semelhante independentemente do porte e dos procedimentos de higienização das granjas.
“Além disso, a diversidade alfa [quantidade de espécies em uma comunidade] foi significativamente diferente entre os tipos de amostras. As de fluido oral apresentaram diversidade alfa menor do que as amostras de chão e de fezes”, completa o veterinário e pesquisador Vinicius Buiatte, primeiro autor do estudo. “No caso da diversidade beta [diferenças na composição de espécies e suas abundâncias entre áreas em uma comunidade], as comunidades das amostras fecais são mais próximas das ambientais e mais distantes das orais.”
Benefícios para a saúde e a produção
De acordo com os pesquisadores, a compreensão da microbiota presente no fluido oral de suínos pode fornecer informações para estudos de microbiomas e de doenças que desafiam a indústria.
“A partir do momento em que se conhecem os microrganismos mais comuns na região, podemos, por exemplo, investigar marcadores de saúde bucal ou bactérias relacionadas a doenças, como infecções dos tratos gastrointestinal e respiratório e até do sistema nervoso central”, afirma Buiatte.
Os resultados do trabalho também podem criar oportunidades para o desenvolvimento de soluções para melhorar a saúde e, consequentemente, a produção de carne. “É o caso, por exemplo, de prebióticos que facilitem a multiplicação e a instalação das bactérias mais úteis para os animais.”
O próximo passo dos pesquisadores será entender como ocorre a mudança de perfil bacteriano dentro do intestino dos animais (já que as bactérias observadas na boca diferem das presentes nas fezes). Para isso, está em análise o material de cinco segmentos distintos do órgão de 40 leitões.
O artigo A comparative study of the bacterial diversity and composition of nursery piglets’ oral fluid, feces, and housing environment pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-024-54269-5.
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