Imagem de microscopia eletrônica mostra hifas do fungo Trichoderma reesei (no alto) sobre colmo da cana-de- açúcar (crédito: Camila Cristina Sanchez e Gustavo Pagotto Borin-LNBR/CNPEM)
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais desvendam enzimas produzidas por duas espécies usadas na degradação do bagaço da cana-de-açúcar. Projeto busca aumentar a eficiência na fabricação do biocombustível de segunda geração, que hoje depende de insumos importados
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais desvendam enzimas produzidas por duas espécies usadas na degradação do bagaço da cana-de-açúcar. Projeto busca aumentar a eficiência na fabricação do biocombustível de segunda geração, que hoje depende de insumos importados
Imagem de microscopia eletrônica mostra hifas do fungo Trichoderma reesei (no alto) sobre colmo da cana-de- açúcar (crédito: Camila Cristina Sanchez e Gustavo Pagotto Borin-LNBR/CNPEM)
André Julião | Agência FAPESP – Cientistas do Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR-CNPEM) deram mais um passo na compreensão de como os fungos das espécies Aspergillus niger e Trichoderma reesei produzem as enzimas usadas no processo de degradação do bagaço da cana-de-açúcar e outras biomassas – algo essencial para a produção do bioetanol de segunda geração.
O estudo foi publicado na revista Frontiers in Fungal Biology.
“Estudamos duas das espécies de fungos mais utilizadas para produzir diversas enzimas industriais. Trichoderma reesei é a mais importante para a produção de celulase, enquanto Aspergillus niger produz ácido cítrico e outras enzimas importantes para diversas aplicações da indústria química”, conta Gustavo Pagotto Borin, que realizou o estudo durante seu doutorado no LNBR-CNPEM com bolsa da FAPESP.
Atualmente, coquetéis enzimáticos importados são usados para degradar o bagaço da cana-de-açúcar. O processo é necessário para a produção do chamado etanol de segunda geração, mais complexo de se obter do que o de primeira geração, feito a partir do caldo da cana-de-açúcar. Hoje, esses insumos são responsáveis por cerca de 50% do custo do etanol de segunda geração no Brasil.
Entender como essas enzimas são produzidas pelos microrganismos pode ajudar a aumentar a eficiência do processo, além de abrir caminho para o desenvolvimento de produtos nacionais, específicos para nossas biomassas e mais baratos.
“Esse tipo de pesquisa avançou muito nos últimos anos e as empresas estão investindo bastante nas chamadas biorrefinarias. Nelas, se pode produzir tanto o etanol de primeira e de segunda geração como outros produtos a partir de biomassa da cana-de-açúcar, substituindo o petróleo e contribuindo para uma economia de baixo carbono”, conta Juliana Velasco de Castro Oliveira, pesquisadora do LNBR-CNPEM apoiada pela FAPESP e coordenadora do estudo.
Fonte de energia
No estudo, os pesquisadores usaram a técnica da metabolômica para entender o que o metabolismo do fungo produz quando tem o bagaço de cana como fonte de carbono. Para esses microrganismos, o carbono é como um alimento, uma fonte de recursos para crescer e seguir seu ciclo de vida.
Foram analisados ainda o metabolismo dos fungos com outras fontes de carbono. No caso, lactose, glicose e carboximetilcelulose (CMC), três tipos de açúcar bastante utilizados na indústria e que também podem ser usados como “alimento” de fungos produtores de enzimas de interesse. A ideia dos pesquisadores com isso foi verificar o quanto essas fontes de carbono de diferentes níveis de complexidade podem alterar o metabolismo fúngico.
Um conjunto de metabólitos (produtos do metabolismo) foi encontrado nos dois fungos, em todas as quatro fontes de carbono: os açúcares trealose e manitol, além dos aminoácidos glutamato, glutamina e alanina.
“Essas cinco moléculas parecem ser de extrema importância para os dois fungos. Uma vez que estão presentes nas duas espécies, é possível que tenham sido conservadas ao longo da evolução”, diz Borin.
A glutamina, entre outras funções, é relacionada com a reciclagem de nitrogênio dentro da célula. Sua importância se dá ainda pela participação na via de sinalização celular TOR, essencial no crescimento e em outras funções primordiais da célula.
Uma surpresa para os pesquisadores foi ter encontrado metabólitos que sugerem estresse das células, como o conhecido pela sigla GABA e o glicerol. “Foi um achado interessante. Apesar de serem muito eficientes na degradação da biomassa, é possível que esses fungos ainda não tenham alcançado todo o seu potencial. Se futuramente isso for confirmado, seria interessante pensar em modificações genéticas que favoreçam e tornem esses processos mais eficientes, com uma maior produção de enzimas”, conclui Oliveira.
Nos anos anteriores, desde o mestrado de Borin, os pesquisadores haviam analisado as mesmas espécies de fungo tendo o bagaço de cana como fonte de carbono por outras das chamadas técnicas “ômicas”.
Foram utilizadas secretômica (que analisa as proteínas que são secretadas pelas células) e transcriptômica (que estuda os genes que estão sendo transcritos e analisa redes de coexpressão) e, neste caso, foram identificados genes ainda desconhecidos que podem estar ligados à degradação do bagaço em Trichoderma reesei.
O estudo publicado agora fecha um ciclo que aumenta a compreensão sobre como esses fungos produzem enzimas importantes para transformar o bagaço de cana em outros produtos.
O artigo Assessing the intracellular primary metabolic profile of Trichoderma reesei and Aspergillus niger grown on different carbon sources está disponível em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/ffunb.2022.998361/full.
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