Antonio Bianco é professor de medicina da Universidade de Chicago (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Difusão do Conhecimento
3ª Conferência FAPESP 2024 trata da formação de médicos-cientistas nos Estados Unidos
29 de abril de 2024
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Tema foi desenvolvido por Antonio Bianco, professor de medicina da Universidade de Chicago e detentor de vários prêmios por seus estudos sobre a tireoide

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3ª Conferência FAPESP 2024 trata da formação de médicos-cientistas nos Estados Unidos

Tema foi desenvolvido por Antonio Bianco, professor de medicina da Universidade de Chicago e detentor de vários prêmios por seus estudos sobre a tireoide

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Antonio Bianco é professor de medicina da Universidade de Chicago (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A formação de médicos-cientistas, capazes de realizar pesquisas de laboratório e traduzir suas descobertas em tratamentos efetivos para os pacientes, tornou-se um componente muito importante para a estruturação de sistemas de saúde consistentes. Nos Estados Unidos, que são o líder mundial em pesquisa médica, os National Institutes of Health (NIH), a principal agência governamental de financiamento da pesquisa em biomedicina e saúde pública, despendem anualmente quase meio bilhão de dólares em bolsas com esse objetivo.

O sistema é altamente seletivo e, para alcançar a meta, a pessoa precisa ultrapassar várias barreiras. Uma exposição detalhada sobre o assunto foi feita pelo médico-cientista e escritor Antonio Bianco na 3ª Conferência FAPESP 2024: “Physician-scientists: Bridging the gap between bench and bedside” [Médicos-cientistas: Preenchendo a lacuna entre a bancada e o leito]. Bianco é professor de medicina da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e detentor de vários prêmios por seus estudos sobre a tireoide.

O Medical Scientist Training Program (MSTP) – programa de treinamento de médicos-cientistas dos NIH – é oferecido a cerca de 50 escolas de medicina dos Estados Unidos, concentradas principalmente na costa leste do país. E destina-se, fundamentalmente, a três modalidades de apoio: Bolsa de MD (Doctor of Medicine), Bolsa de PhD (Doctor of Philosophy) e um tipo de auxílio chamado de K-Award (Career Development Award, Prêmio para Desenvolvimento de Carreira). Vale destacar que, apesar de ser tão grande, o dispêndio de quase meio bilhão de dólares no MSTP representa apenas 1% do gigantesco orçamento dos NIH – na faixa de US$ 50 bilhões.

O caminho que o aspirante a médico-cientista deve percorrer é longo e cheio de gargalos estreitos. “Após quatro anos de College [um tipo de instituição de ensino para o qual não há equivalente direto no Brasil], o estudante precisa entrar na faculdade de medicina, com duração de mais quatro anos. Depois, vem o período de residência médica, que, dependendo da especialidade, pode-se estender de um a quatro anos. E, em seguida, o Fellowship, um programa de especialização, com duração de dois a três anos”, descreveu Bianco. Com tudo isso, o indivíduo obtém seu diploma de medicina e é considerado apto a clinicar. Mas a possibilidade de fazer pesquisa científica ainda está distante.

A maneira mais convencional para conseguir isso é aplicar-se para uma bolsa de MD-PhD após a conclusão do segundo ano da faculdade. Se conseguir a bolsa, o estudante deve interromper a graduação por cerca de quatro anos, para se dedicar integralmente ao MD-PhD. Bianco informou que, diferentemente do doutorado no Brasil, o PhD é feito em uma disciplina básica, como bioquímica, biologia molecular, biologia celular etc. Não existe, nos Estados Unidos, PhD em disciplinas especializadas, como endocrinologia ou oncologia, por exemplo. “Porque a ideia que deu origem a isso era justamente a de unir a ciência básica com a ciência clínica. Então, os alunos são treinados para serem mesmo cientistas básicos, de bancada, lidando com conceitos fundamentais”, disse.

Depois de defender a tese e obter seu título, o estudante volta para a faculdade com o objetivo de concluir o curso, fazer a residência e o fellowship. Alternativamente, o postulante pode buscar sua habilitação como médico-cientista depois de concluir toda a formação clínica. Para isso, os NIH oferecem outro mecanismo, que é o K-Award.

O fato de o Medical Scientist Training Program contemplar apenas 50 programas de MD-PhD não significa que estes sejam os únicos nos Estados Unidos. Existem provavelmente outros 50 programas que são financiados pelas próprias faculdades. “Mas o MSTP é muito importante, não só pelo reconhecimento que o selo dos NIH confere ao programa, mas também pelo aporte de dinheiro que traz para a faculdade”, ponderou Bianco.

O pesquisador interrogou por que as faculdades querem ter programas de MD-PhD apesar dos gastos eventualmente envolvidos? E respondeu: “Porque, como regra, os melhores alunos são os que aplicam para esses programas. São alunos que, muitas vezes, antes mesmo de entrar na faculdade de medicina já trabalharam em algum laboratório”. As faculdades têm interesse em atrair esses alunos, que agregam prestígio à instituição.

Mas o título de PhD ainda não é o fim do caminho. Depois de formado, com PhD, residência e fellowship, o interessado em trabalhar em faculdades, hospitais acadêmicos e instituições do gênero precisa transformar-se efetivamente em médico-cientista. Para tanto, deverá submeter projeto de pesquisa para fundações ou para os NIH. E aqui aparece um importante gargalo. “Para obter o grant [auxílio], a pessoa precisa apresentar ‘resultados preliminares’. Então, esse aluno, que acabou de se formar, terá de buscar alguma faculdade que lhe dê tempo e dinheiro para que possa obter esses ‘resultados preliminares’. Isso pode durar mais dois ou três anos. Essa é a grande barreira para a formação de médicos-cientistas”, comentou Bianco.

O pesquisador informou que, depois de conseguir seus “resultados preliminares”, a maioria dos MD-PhD obtém grants dos NIH. Mas apenas 14% conseguem mantê-los ao longo do tempo. O auxílio dos NIH é o bilhete para se conseguir emprego em alguma instituição. “Os grants são muito importantes para proteger o tempo do pesquisador, que, caso contrário, teria de dedicar cada vez mais horas à atividade clínica, comprometendo sua pesquisa. Essa era a ideia que levou à criação desse sistema, mais de cem anos atrás”, falou.

Esse sistema ganhou expressão em 1903, quando o magnata John Davison Rockefeller (1839-1937), o primeiro bilionário da história, foi convencido por um assistente a fazer uma grande doação para criar uma instituição de pesquisa médica sem atividade clínica. Para dirigir essa instituição, foi convidado o fisiologista Samuel Meltzer (1851-1920). Nascido na Lituânia, filho de rabino judeu, Meltzer estudou medicina na Alemanha, antes de imigrar para Nova York. Sob sua direção foi fundada a American Society for Clinical Investigation, que desempenhou papel fundamental na modernização da medicina e existe até hoje. Em sua palestra, Bianco descreveu em detalhes esse processo, relacionando-o com um contexto global de acelerada transformação.

Antonio Bianco obteve seu doutorado em medicina pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e seu doutorado em fisiologia humana pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Nos Estados Unidos, ocupou vários cargos acadêmicos e administrativos e foi presidente da American Thyroid Association em 2016. Atualmente, dirige um laboratório financiado pelos NIH. E, recentemente, publicou o livro Rethinking Hypothyroidism: Why Treatment Must Change and What Patients Can Do, em que critica abordagens tradicionais no tratamento do hipotireoidismo.

Na 3ª Conferência FAPESP, ele foi apresentado por Rui Monteiro de Barros Maciel, professor emérito da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). O evento teve a moderação de Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A conferência pode ser conferida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=MOrnfLh1wHU.
 

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