O estudo poderá ter aplicações em spintrônica e computação quântica. Conduzido por uma ampla colaboração internacional e publicado na Nature, teve como primeiro autor um pesquisador do Instituto de Física da USP (figura: Julio Larrea/IF-USP)
O estudo poderá ter aplicações em spintrônica e computação quântica. Conduzido por uma ampla colaboração internacional e publicado na Nature, teve como primeiro autor um pesquisador do Instituto de Física da USP
O estudo poderá ter aplicações em spintrônica e computação quântica. Conduzido por uma ampla colaboração internacional e publicado na Nature, teve como primeiro autor um pesquisador do Instituto de Física da USP
O estudo poderá ter aplicações em spintrônica e computação quântica. Conduzido por uma ampla colaboração internacional e publicado na Nature, teve como primeiro autor um pesquisador do Instituto de Física da USP (figura: Julio Larrea/IF-USP)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Sistemas puramente quânticos podem manifestar transições de fase análogas à transição de fase clássica entre os estados líquido e gasoso da água. Porém, no nível quântico, os estados que emergem da transição apresentam um comportamento coletivo e emaranhado dos spins das partículas. Esta observação inesperada propicia um novo caminho para a produção de materiais com propriedades topológicas e aplicações em spintrônica e computação quântica.
A descoberta foi feita por uma ampla colaboração internacional, tendo como primeiro autor o professor Julio Larrea, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Os resultados acabam de ser publicados na revista Nature. A pesquisa recebeu apoio da FAPESP.
“Obtivemos a primeira evidência experimental de uma transição de fase quântica de primeira ordem em um sistema quase-bidimensional, constituído puramente por spins. Foi um trabalho pioneiro tanto no desenvolvimento experimental quanto na intepretação teórica”, diz o pesquisador.
Para entender seu significado é preciso detalhar um pouco mais a transição de fase clássica, que ocorre, por exemplo, na mudança de estado da água, e sua análoga quântica, constituída pela chamada “transição de Mott”, entre metal e isolante.
“A mudança de estado da água, que ocorre a 100o C na pressão ambiente, constitui o que denominamos ‘transição de primeira ordem’. Caracteriza-se por um salto descontínuo na densidade de moléculas. Quer dizer, o número de moléculas de água por unidade de volume varia drasticamente entre um estado e outro. Essa transição descontínua de primeira ordem evolui em função da pressão e da temperatura até ser inteiramente suprimida no chamado ponto crítico da água, que ocorre a uma temperatura de 374o C e a uma pressão de 221 bares. No ponto crítico, a transição passa a ser de segunda ordem, isto é, contínua”, informa Larrea.
Em torno do ponto crítico, as propriedades físicas da água apresentam comportamentos anômalos, porque as flutuações da densidade se encontram infinitamente correlacionadas, na escala do comprimento atômico. Isso faz com que o material manifeste um estado único, bem diferente do gás e também do líquido (veja a figura 1).
Figura 1: Diagrama de fase da água, mostrando o início da transição de fase de primeira ordem e a coexistência dos estados líquido e gasoso ao longo da linha preta. O término dessa transição ocorre no ponto crítico, marcado com a estrela (figura produzida pelo pesquisador Julio Larrea, adaptada de imagem publicada na revista Nature)
“Na matéria quântica, a transição de Mott, de isolante para metal, constitui um exemplo raro de transição de fase de primeira ordem. Diferentemente dos isolantes e metais comuns, que se caracterizam por elétrons livres, isto é, não interagentes, um estado de Mott apresenta forte interação das cargas dos elétrons, que configura um comportamento coletivo. Como as escalas de energia dessas interações são muito baixas, uma transição de fase quântica de primeira ordem, entre isolante e metal, pode acontecer no zero absoluto, que representa o limite mais baixo de temperatura. A interação entre as cargas modifica-se com a temperatura e a pressão, até ser suprimida no ponto crítico. Na proximidade do ponto crítico, a densidade de carga elétrica, isto é, a quantidade de carga por unidade de volume, experimenta uma mudança tão abrupta que pode induzir novos estados da matéria, como a supercondutividade”, prossegue o pesquisador.
Nos dois exemplos citados, os fenômenos são protagonizados por partículas massivas, tanto as moléculas de água como os elétrons. A questão que os pesquisadores se colocaram é se o conceito de transição de fase poderia ser estendido também para sistemas quânticos sem massa, como, por exemplo, um sistema formado puramente por spins (entendidos estes como uma manifestação quântica da matéria associada a estados magnéticos). Tal situação não havia sido ainda observada.
“Utilizamos como material o antiferromagneto quântico frustrado SrCu2(BO3)2. E medimos o calor específico de amostras pequenas em condições simultaneamente extremas de temperatura [até 0,1 kelvin], pressão [até 27 quilobares] e campo magnético [até 9 teslas]. O calor específico é uma propriedade física que proporciona uma medida da energia interna do sistema. A partir dele, podemos inferir diferentes tipos de estados quânticos, ordenados ou desordenados, e possíveis estados eletrônicos ou de spins emaranhados”, conta Larrea.
O pesquisador afirma que essas medições, com a precisão necessária para revelar estados quânticos correlacionados, realizadas com amostras submetidas a temperaturas extremamente baixas e a pressões e campos magnéticos muito altos, constituíram um enorme desafio experimental. Os experimentos foram realizados no Laboratório de Magnetismo Quântico da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (LQM – EPFL), na Suíça, liderados pelo professor Henrik Ronnow. E a precisão das medidas motivou os colaboradores teóricos liderados pelos professores Frédéric Mila (EPFL) e Philippe Corboz (University of Amsterdam) a desenvolver métodos computacionais no estado da arte para interpretar as diferentes anomalias observadas.
“Nossos resultados mostraram manifestações inesperadas nas transições de fase quântica em sistemas puramente de spins. Primeiro, observamos que uma transição de fase quântica ocorre entre estados de spins emaranhados de dois tipos diferentes: dímeros [spins correlacionados em dois sítios atômicos] e plaquetas [spins correlacionados em quatro sítios atômicos]. Essa transição, de primeira ordem, termina no ponto crítico, a uma temperatura de 3,3 kelvin e a uma pressão de 20 quilobares. Embora os pontos críticos da água e do sistema de spins SrCu2(BO3)2 compartilhem características similares, os estados que emergem próximos do ponto crítico do sistema com spins obedecem a uma descrição da física diferente, do tipo Ising”, relata Larrea. O termo Ising refere-se a um modelo da mecânica estatística que recebeu este nome em homenagem ao físico alemão Ernst Ising (1900-1998).
“Também observamos que esse ponto crítico apresenta uma descontinuidade na densidade de partículas magnéticas, com tripletos ou estados correlacionados em diferentes configurações de orientação de spin, que é responsável pela emergência de um estado antiferromagnético puramente quântico”, acrescenta o pesquisador (veja a figura 2).
Figura 2: Diagrama de fase do sistema de spins SrCu2(BO3)2, mostrando o início da transição de fase de primeira ordem no zero absoluto. A transição de primeira ordem termina no ponto crítico, análogo ao do diagrama da água. No entanto, diferentemente do que ocorre com a água, no sistema de spins emerge um novo estado ordenado, puramente quântico e fortemente correlacionado, o estado antiferromagnético (figura produzida pelo pesquisador Julio Larrea, adaptada de imagem publicada na revista Nature)
Larrea ressalta que o próximo passo é aprofundar o entendimento da criticalidade e dos estados de spins emaranhados que emergem nas proximidades do ponto crítico, da natureza das transições de fase quântica descontínua e contínua, e das escalas de energia que representam as interações e correlações entre os spins e as cargas dos elétrons para a formação de estados quânticos como a supercondutividade. “Para isso, faremos um próximo estudo tanto com pressões em torno do ponto crítico como com pressões mais altas”, afirma. Para isso, um novo laboratório, Laboratory for Quantum Matter under Extreme Conditions (LQMEC), está sendo montado em colaboração com a professora Valentina Martelli no Departamento de Física Experimental (FEP) do IF-USP.
O artigo A quantum magnetic analogue to the critical point of water pode ser lido em www.nature.com/articles/s41586-021-03411-8.
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