Nanomateriais de perovskita dispersos em hexano e irradiados por laser. A resistência a defeitos de superfície faz com que esses materiais tenham alta taxa de emissão de luz ( foto: Luiz Gustavo Bonato)
Estudo conduzido na Unicamp, em colaboração com a University of Michigan, explicou a física atuante na nanoescala desse material fabricado em laboratório em artigo publicado em Science Advances
Estudo conduzido na Unicamp, em colaboração com a University of Michigan, explicou a física atuante na nanoescala desse material fabricado em laboratório em artigo publicado em Science Advances
Nanomateriais de perovskita dispersos em hexano e irradiados por laser. A resistência a defeitos de superfície faz com que esses materiais tenham alta taxa de emissão de luz ( foto: Luiz Gustavo Bonato)
José Tadeu Arantes |Agência FAPESP – Pontos quânticos são nanopartículas de material semicondutor compostas por apenas alguns milhares de átomos. Esse número reduzido faz com que os pontos quânticos tenham propriedades que são um meio-termo entre as da molécula, que têm alguns poucos átomos, e as do material sólido, formado por uma enorme quantidade deles. Isso possibilita que, com o controle adequado do tamanho e da forma das nanopartículas, seja possível interferir em suas propriedades eletrônicas – como os elétrons ficam ligados e se movimentam pelo material – e ópticas – como a luz é absorvida e emitida por esse material.
O controle do tamanho e forma das nanopartículas tem viabilizado o seu uso em aplicações comerciais, algumas já disponíveis, como lasers, LEDs e TVs incorporados com tecnologia de pontos quânticos.
Mas há um problema que pode prejudicar a eficiência de dispositivos que usam esse nanomaterial como meio ativo: quando a luz é absorvida por um material, os elétrons são promovidos a níveis superiores de energia. E, ao voltarem para o seu estado fundamental, cada um deles pode emitir um fóton de luz de volta para o ambiente. Nos pontos quânticos convencionais, esse caminho de volta do elétron para seu estado fundamental pode ser perturbado por vários fenômenos quânticos, retardando a emissão luminosa para o exterior.
O aprisionamento do elétron em alguns estados quânticos, chamados de “estado escuro”, retarda a emissão luminosa, em contraste com o caminho que permite a volta rápida do elétron ao patamar fundamental e, portanto, a emissão de luz de forma mais eficiente e direta, caracterizado como “estado claro”.
Existe, porém, uma nova classe de nanomateriais, fabricados com perovskitas, na qual esse retardo pode ser menor. Por isso, as perovskitas transformaram-se em uma espécie de “bola da vez” no campo da ciência dos nanomateriais, mobilizando grandes esforços de pesquisa (leia mais em: agencia.fapesp.br/32494/).
Um estudo conduzido por pesquisadores dos Institutos de Química e de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em colaboração com pesquisadores da University of Michigan avançou bastante nesse sentido, fornecendo novos insights sobre a física fundamental atuante nos pontos quânticos de perovskita. Artigo a respeito foi publicado em Science Advances: Multidimensional coherent spectroscopy reveals triplet state coherences in cesium lead-halide perovskite nanocrystals.
“Nesse trabalho, utilizamos uma técnica de espectroscopia coerente que permite avaliar separadamente o comportamento dos elétrons de cada nanomaterial em um conjunto de dezenas de bilhões de nanomateriais. O ineditismo do nosso estudo foi que ele combinou uma classe de nanomateriais relativamente nova, a perovskita, com uma técnica de detecção completamente nova”, diz Lázaro Padilha Junior, o coordenador brasileiro da pesquisa, à Agência FAPESP.
O estudo recebeu suporte da FAPESP por meio de Apoio a Jovens Pesquisadores e de Auxílio à Pesquisa Regular concedidos a Padilha.
“Foi possível averiguar o alinhamento energético entre os estados claros [associados a tripletos] e o estado escuro [associado a singletos], indicando como esse alinhamento depende do tamanho do nanomaterial, além de revelar informações a respeito das interações entre esses estados. Isso pode abrir espaço para o uso desses sistemas em outras áreas da tecnologia, como a da informação quântica“, afirma o pesquisador.
E explica: “Devido à estrutura cristalina da perovskita, seu nível de energia claro divide-se em três, formando um tripleto. Isso abre vários caminhos para a excitação e a volta dos elétrons ao estado fundamental. O resultado mais impactante do trabalho foi que, por meio da análise dos tempos de vida de cada um dos três níveis claros e das características do sinal emitido pela amostra, obtivemos evidências de que o nível escuro está presente, mas situa-se em um patamar de energia maior do que dois dos três níveis claros. Isso significa que, ao iluminarmos a amostra, os elétrons excitados só ficarão presos caso ocupem o mais alto nível claro e depois sejam deslocados para o nível escuro. No caso de ocuparem os níveis claros mais baixos, eles retornarão a seus estados fundamentais de forma mais eficiente”.
Para estudar como os elétrons interagem com a luz nesses materiais, o grupo utilizou a técnica de espectroscopia multidimensional coerente (EMC), iluminando por meio de uma série de pulsos de laser ultracurtos (com duração de aproximadamente 80 femtossegundos – isto é, de 80 quadrilionésimos de segundo) uma amostra de pontos quânticos de perovskita resfriados a menos 269 graus Celsius.
“Os pulsos atingem a amostra em intervalos de tempo muito bem controlados. E, modificando esse intervalo de tempo e detectando a luz que a amostra emite em função do intervalo, podemos mapear com alta precisão temporal a interação dos elétrons com a luz e sua dinâmica: tempos característicos de interação, níveis de energia com os quais eles se acoplam e interação com outras partículas”, informa Padilha.
A técnica utilizada permite interrogar bilhões de nanopartículas ao mesmo tempo, diferenciando as diferentes famílias de nanopartículas presentes na amostra.
O sistema experimental foi desenvolvido sob o comando do professor Steven Cundiff, coordenador do estudo em Michigan, e parte das medidas foi feita por Diogo Almeida, que integrou o grupo de Cundiff e que hoje, sob a supervisão de Padilha, é bolsista de pós-doutorado da FAPESP no laboratório de espectroscopia ultrarrápida na Unicamp.
A síntese dos pontos quânticos foi realizada pelo aluno de doutorado Luiz Gustavo Bonato, no Instituto de Química da Unicamp. “O cuidado e o protocolo empregados por Bonato no preparo desses pontos quânticos foram fundamentais, pois se refletem não apenas na qualidade como também no tamanho, e por sua vez nas propriedades do material manométrico”, comenta Ana Flávia Nogueira, outra coordenadora do estudo no Brasil. Nogueira é professora do Instituto de Química da Unicamp e pesquisadora responsável pela Divisão de Pesquisa 1 do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela FAPESP e pela Shell.
“O resultado obtido é muito importante pois o conhecimento das propriedades ópticas do material e de como seus elétrons se comportam abre caminho para o desenvolvimento de novas tecnologias em óptica e eletrônica de semicondutores. A incorporação da perovskita será, com muita probabilidade, o grande diferencial dos próximos televisores”, finaliza Nogueira.
O artigo Multidimensional coherent spectroscopy reveals triplet state coherences in cesium lead-halide perovskite nanocrystals pode ser acessado em https://advances.sciencemag.org/content/7/1/eabb3594.
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