Acadêmicos e lideranças empresariais analisam desafios globais e perspectivas para o desenvolvimento brasileiro em debates on-line na ABC e na Aciesp (foto: Luiz Davidovich (à esquerda), presidente da ABC, e Marco Lucchesi, presidente da ABL)

Ciência, tecnologia e a barbárie da razão
07 de outubro de 2020

Acadêmicos e lideranças empresariais analisam desafios globais e perspectivas para o desenvolvimento brasileiro em debates on-line na ABC e na Aciesp

Ciência, tecnologia e a barbárie da razão

Acadêmicos e lideranças empresariais analisam desafios globais e perspectivas para o desenvolvimento brasileiro em debates on-line na ABC e na Aciesp

07 de outubro de 2020

Acadêmicos e lideranças empresariais analisam desafios globais e perspectivas para o desenvolvimento brasileiro em debates on-line na ABC e na Aciesp (foto: Luiz Davidovich (à esquerda), presidente da ABC, e Marco Lucchesi, presidente da ABL)

 

Claudia Izique | Agência FAPESP – Dois debates realizados na semana passada evidenciaram o grau de preocupação com que acadêmicos e lideranças empresariais encaram o futuro do planeta, da humanidade e, particularmente, do Brasil. O desafio que os deixa inquietos não está em buscar soluções para a COVID-19, para as mudanças climáticas ou para a desigualdade social – já há um cardápio de alternativas oferecido pela ciência e pela tecnologia –, mas em como mobilizar responsabilidades e compromissos para um novo paradigma de desenvolvimento lastreado na ética e na sustentabilidade. “A pergunta fundamental para enfrentar a barbárie da razão é: em que falhamos?”, disse Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

O primeiro debate, no quarto dia da Reunião Magna virtual da ABC, teve como pano de fundo a palestra de Jean Tirole, Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2014, com o tema Economia e Bem Comum após a COVID-19. A palestra de Tirole foi seguida de três painéis, apresentados pelo embaixador Celso Lafer, ex-ministro de Relações Exteriores e ex-presidente da FAPESP; Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL); e Helena Nader, vice-presidente da ABC.

Na avaliação de Lafer, a pandemia da COVID-19 colocou em pauta “riscos planetários” decorrentes da interdependência global, cuja gestão extrapola os limites nacionais. “É preciso construir pontes de uma nova governança global para evitar novos desastres e evitar o unilateralismo”, sublinhou o embaixador. Ante as ameaças representadas pela pandemia, pelas mudanças climáticas ou pelas desigualdades sociais, Lafer entende que a ciência é o denominador comum na interconexão das nações.

O presidente da ABL recorreu a filósofos clássicos para ilustrar “passagens drásticas” da história e do pensamento: o conceito de “douta ignorância” de Nicolau de Cusa (1404-1464), o verso de Friedrich Hölderlin (1770-1843) – “onde há perigo, cresce também o socorro” – e a ideia da “bárbarie da razão”, de Max Horkheimer (1895-1973), para concluir que “hoje, a perspectiva deontológica é fundamental”. Para ele, a ética é condição de sobrevivência no planeta, antes que a “Terra não se torne um grafite vagando no universo”.

A apresentação de Helena Nader teve como base os dados de um grupo de trabalho da ABC que avaliou o impacto das mudanças climáticas, da urbanização e da escassez de água sobre a saúde. “Temos que usar a abordagem da saúde única [one health], que engloba a saúde humana, do meio ambiente e animal, para melhorar o controle de pandemias”, afirmou. Mencionou a necessidade de a indústria farmacêutica investir no tratamento de doenças negligenciadas que afetam mais de 1 bilhão de pessoas no planeta e sublinhou a exigência de levar para o Sistema Único de Saúde (SUS) soluções como a medicina de precisão e a telemedicina. “O conhecimento científico deve dar suporte à tomada de decisão. Mas aqui no Brasil isso não aconteceu: a ciência foi refutada.”

A íntegra do debate, incluindo a palestra de Jean Tirole, pode ser assistida em: www.youtube.com/watch?v=Lqd9juUO_LA.

Saída inteligente para o Brasil

No segundo debate, organizado pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), o presidente da ABC, Luiz Davidovich, o diretor científico da FAPESP, Luiz Eugênio Mello, o presidente do Conselho de Administração do Grupo Ultra, Pedro Wongtschowski, e o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Celso Pansera debateram soluções “inteligentes” para o país retomar a trajetória de desenvolvimento.

Todos reconheceram que o mapa do caminho já está traçado. “Temos muito material para apoiar propostas de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável”, afirmou Davidovich. “Propostas não faltam.” O que falta, em sua avaliação, são políticas governamentais para conduzir projetos prioritários e uma política econômica que financie a indústria inovadora e a ciência.

“Infelizmente no Brasil para cada solução engenhosa que se cria para dar conta do apoio à ciência e tecnologia, rapidamente se contrapõe uma maneira de suprimir sua efetividade” afirmou Luiz Mello. “Manobras das mais variadas tornaram inefetivos os FNDCT [Fundos Setoriais e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]”, exemplificou. Uma saída criativa, em sua avaliação, foi a criação de uma agência estadual de fomento. “Essa solução, a criação da FAPESP, ainda que transposta para outros estados, não tem tido o alcance que seria possível. Falta à nossa comunidade nos diferentes estados lutar para que suas FAPs [Fundações de Amparo à Pesquisa] tenham recursos e funcionem.”

Na avaliação de Pansera, o Brasil já tem uma legislação robusta de incentivo ao desenvolvimento tecnológico. Citou o exemplo da lei que autoriza encomendas tecnológicas, que é pouco utilizada pelos gestores públicos. “Entre 2006 e 2016, União, estados e municípios gastaram 12% do PIB em compras públicas”, exemplificou. Se esses entes direcionarem parte destes gastos para encomendas tecnológicas será possível contar com uma fonte importante de financiamento da inovação no país.

Apesar de o país contar com um sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação sólido e com instituições bem estruturadas, afirmou Wongtschowski, “a situação atual é ruim porque os recursos para a CT&I foram reduzidos, os investimentos federais caíram à metade, o FNDCT está fortemente contingenciado e a política nacional de inovação é um conjunto de declarações de vontades sem metas, sem cronograma e sem orçamentos”. O cenário também é negativo do lado das empresas: “Elas passam por um período de baixa rentabilidade por conta de um sistema tributário injusto e a insegurança jurídica é grande. O que alimenta o círculo virtuoso é a empresa lucrativa ter recursos para inovar e para reinvestir em inovação. É preciso melhorar o ambiente de negócios e criar condições para que a estrutura receba recursos de forma regular e previsível”, recomendou.

O debate foi moderado pela presidente da Aciesp, Vanderlan Bolzani, e contou com a participação do vice-presidente da academia, Paulo Artaxo, e do diretor-executivo, Adriano Andricopulo.

A íntegra do debate pode ser assistida em www.youtube.com/watch?v=-Bjvy85TbEQ.

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