Para Londa Schiebinger, professora de História da Ciência em Stanford, privilegiar o masculino em detrimento do feminino é um obstáculo ao desenvolvimento científico e tecnológico (foto: Chiara Tripepi / Wikimedia Commons)

Análise de gênero abre novos horizontes para a pesquisa e a inovação
16 de maio de 2019
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Para Londa Schiebinger, professora de História da Ciência em Stanford, privilegiar o masculino em detrimento do feminino é um obstáculo ao desenvolvimento científico e tecnológico

Análise de gênero abre novos horizontes para a pesquisa e a inovação

Para Londa Schiebinger, professora de História da Ciência em Stanford, privilegiar o masculino em detrimento do feminino é um obstáculo ao desenvolvimento científico e tecnológico

16 de maio de 2019
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Para Londa Schiebinger, professora de História da Ciência em Stanford, privilegiar o masculino em detrimento do feminino é um obstáculo ao desenvolvimento científico e tecnológico (foto: Chiara Tripepi / Wikimedia Commons)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Dez drogas foram recentemente retiradas do mercado norte-americano por causa de seus efeitos na saúde. Oito delas apresentavam graves riscos para mulheres. Essas drogas custaram bilhões de dólares para serem desenvolvidas. E, quando falharam, provocaram morte e sofrimento.

“Não podemos nos dar ao luxo de errar”, disse Londa Schiebinger, professora de História da Ciência na Stanford University e diretora do Gendered Innovations in Science, Medicine, Engineering, and Environment Project, em palestra apresentada durante a 8ª Reunião Anual do Global Research Council (GRC), em São Paulo.

Exemplos como esse levam a questionamentos inevitáveis: “Podemos aproveitar o poder criativo da análise de sexo e gênero para a descoberta? Podemos considerar que o gênero adiciona uma dimensão valiosa à pesquisa? Isso leva a pesquisa a novas direções?”.

A busca de respostas constituiu um novo campo de estudo denominado gendered innovations, ainda sem uma tradução suficientemente concisa em português, mas que significaria “inovação considerando gênero”.

“Trata-se de estimular a excelência em ciência e tecnologia por meio da integração da análise de sexo e gênero na pesquisa”, resume Schiebinger.

Schiebinger deu um exemplo simples, mas contundente, de como pesquisas que desconsideram as dimensões de sexo e gênero podem causar grandes prejuízos humanos e econômicos.

O objetivo do projeto Gendered Innovations, dirigido por Schiebinger, é orientar corretamente a pesquisa desde o início. Ele se propõe a desenvolver métodos de vanguarda na análise de sexo e gênero. E a fornecer estudos de caso sobre como tais análises levam à descoberta e à inovação.

Voltando ao caso das 10 drogas retiradas do mercado norte-americano, Schiebinger mostrou, com dados quantitativos, que a maior parte das pesquisas para o desenvolvimento de medicamentos usa células, tecidos, modelos animais ou voluntários humanos do sexo masculino. E, o que é pior, em muitos casos, o sexo não é reportado nos estudos.

“Por que isso é relevante? A pesquisa mostra que, conforme o sexo de origem, existem diferenças na capacidade terapêutica de células-tronco. Por exemplo, células-tronco retiradas do tecido muscular feminino são mais ativas do que células-tronco masculinas. No entanto, muito poucos pesquisadores consideram o sexo das células. E isso pode levar ao fracasso da pesquisa”, disse.

Ele disse, ela disse

Transitando da biologia e da indústria farmacêutica para a ciência da computação e, especificamente, para o aprendizado de máquina, Schiebinger relatou uma situação curiosa vivida por ela anos atrás, quando foi entrevistada em Madri por jornais espanhóis.

Ao voltar para casa e colocar os artigos no Google Translator, ficou chocada ao descobrir que, na tradução do espanhol para o inglês, o algoritmo se referia a ela, repetidamente, como “he” (ele): “he said” (ele disse), “he wrote” (ele escreveu). E, eventualmente, como “it” (o pronome neutro, inexistente em português): “it thought” (pensou).

“O Google Translator pende para o pronome masculino porque ‘he said’ (ele disse) é mais comumente encontrado na internet do que ‘she said’ (ela disse)”, explicou Schiebinger.

“Sabemos, pelo NGram, outra ferramenta do Google, que a razão entre ‘he said’ e ‘she said’ caiu dramaticamente, de um pico de quatro para um nos anos 1960, para dois para um a partir de 2000. Isso acompanhou exatamente a ascensão dos movimentos internacionais de mulheres e os financiamentos governamentais, iniciados especialmente na década de 1980, para aumentar o número de mulheres em ciência e tecnologia. Com um algoritmo, o Google varreu 40 anos de revolução na linguagem, e não se deu conta disso. Tal é o viés inconsciente de gênero”, disse.

Corrigir o algoritmo é simples. E foi o que os engenheiros do Google rapidamente se dispuseram a fazer quando foram alertados para o problema em um workshop. Mas, segundo Schiebinger, reajustar constantemente não é o melhor caminho para avançar.

“Alguns produtos podem ser consertados. Mas que tal se a Apple, o Google e outras companhias começassem a pesquisar a incorporação da análise de gênero no desenvolvimento de produtos? Que tecnologias inovadoras poderiam ser concebidas?”, indagou.

“O ponto que eu gostaria de enfatizar é que esse viés de gênero inconsciente do passado amplifica as desigualdades de gênero no futuro. Quando um programa de tradução pende automaticamente para ‘he said’, reforça o estereótipo de que os homens são os intelectuais ativos e afasta as mulheres de tal papel. Isso aumenta a frequência relativa do pronome masculino na web, podendo reverter avanços duramente conquistados em direção à igualdade de gênero”, disse Schiebinger.

O portal do Gendered Innovations in Science, Medicine, Engineering, and Environment Project pode ser acessado em http://genderedinnovations.stanford.edu/people.html.

A 8ª Reunião Anual do Global Research Council (GRC) foi realizada em São Paulo, entre os dias 1º e 3 de maio, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo Consejo Nacional de Investigaciones Científicas e Técnicas (Conicet), da Argentina, e pela German Research Foundation (DFG), da Alemanha.
 

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